Alternativa na Arte

A cidade de Barra, às margens do Velho Chico, na Bahia, já foi chamada de ‘Princesa do São Francisco’. Os encantos da terra são muitos: as belas dunas do vilarejo de Icatu, a força das lavadeiras na beira do rio, o agitado passado político e cultural. E, entre as inúmeras graças, destaca-se a habilidade da população com o barro.

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Totalmente artesanal, a produção de Barra não conta com nenhum tipo de maquinário, nem a tradicional roda com pedal. Foto: Marcello Larcher

A tradição ceramista do povo de Barra é antiga, resultado de uma combinação de fatores naturais e sociais. As barrancas do São Francisco são ricas em argila, o material usado na confecção das peças. E vasos e panelas, adornados ou não, sempre foram necessários para pescadores, marinheiros e donas de casa na realização de seus trabalhos.

Matéria-prima e habilidade, entretanto, não são motivos suficientes para sustentar a tradição. Por isso, com a intenção de profissionalizar seu trabalho, um grupo de artesãos se reuniu e há oito anos fundou a Associação de Cerâmica Comunitária Nossa Senhora de Fátima.

Inovadora para a região, a iniciativa reuniu 20 ceramistas que, juntos, conseguiram uma sede para desenvolver suas atividades. Hoje, dez trabalham diariamente na feitura de vasos, moringas, panelas, imagens e diversos enfeites, e também ensinam aos aprendizes, seus filhos e netos, as técnicas e peculiaridades do trabalho.

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Maria Aparecida dos Santos Araújo, primeira à direita, garante a renda de sua família com as peças de barro que fabrica. Foto: Bruno Radicchi

A importância social do grupo é cada vez maior. Ao longo destes anos, a associação foi uma alternativa de renda importante numa região onde há poucas perspectivas profissionais. “Meio cá, meio lá, dá para tirar o sustento da família”, explica Maria Aparecida dos Santos Araújo, artesã e chefe de uma das cinco famílias participantes da associação.

Além disso, existem os aprendizes que garantem um futuro se profissionalizando no artesanato. Manuel Vieira Júnior, de apenas 20 anos, é um exemplo do jovem talento local. Ele começou a trabalhar aos oito anos de idade, ajudando a mãe, e agora produz algumas das melhores figuras. Seu trabalho diferencia-se pelo traço fino, cores e outras sutilezas. “Acho que se não fosse o barro e nossa loja aqui, hoje eu não teria muita opção do que fazer”, afirma.

O terreiro do pai-de-santo José Geraldo Machado Assis, por exemplo, tornou-se mais que centro espiritual. Um dos principais produtores de cerâmica da cidade, o terreiro também reúne muitos aprendizes. O local reúne a produção de vários artesãos que trabalham com imagens típicas do sincretismo religioso. Gerard, como o pai-de-santo assina suas obras, começou a fazer suas primeiras figuras ainda menino, hoje sua casa virou escola, loja e ponto turístico.

Para os produtores, o maior desafio é ampliar e estruturar melhor os negócios, e para isso falta apoio institucional. Desde o início, o projeto recebe apoio do Serviço Brasileiro de Apoio a Micro e Pequena Empresa (Sebrae) e do Instituo Mauá, de Salvador, mas a prefeitura tem demorado a atender as necessidades da associação.

Até hoje, por exemplo, as peças só foram expostas em duas feiras – em Salvador e Belo Horizonte – devido a falta de meios e recursos para transportá-las e vendê-las em outros locais. “Uma vez nós alugamos um caminhão e enchemos de peças para levar até Salvador. Chegou tudo quebrado, só salvou uns dois vasos”, lembra Maria Aparecida. A produção, com exceção de alguns trabalhos encomendados pelo Instituto Mauá, é vendida para a população local ou para os turistas que eventualmente aparecem na cidade.

Na prefeitura, uma das reivindicações atuais é apoio para conseguirem um ateliê maior, o que aumentaria a capacidade de produção e o número de pessoas empregadas. Outro problema local grave é a extração de barro. Uma das argilas usadas é encontrada apenas numa ilha do rio Grande e hoje o terreno é propriedade de olarias locais. Além de causar séria degradação ambiental, estas empresas estariam se negando a ceder a matéria prima para o artesanato, que consome cerca de cinco caminhões por ano.

Mesmo com estas dificuldades, os artesãos ceramistas de Barra são uma das forças mais criativas e, ao mesmo tempo, desconhecidas do município. As peças retratam os detalhes da cultura regional, sob forte influência do Velho Chico. São dezenas de surubins, piranhas, lavadeiras, pescadores, barcos, orixás e santos, principalmente São Francisco.

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