Antes de ouvirmos falar da revitalização do Velho Chico o que estava em pauta era um assunto muito menos consensual, a transposição do rio. Tratava-se de um projeto que tiraria águas do São Francisco, na altura de Cabrobó-PE, e levaria para o interior do semi-árido nordestino, a região mais seca e sofrida do País, atendendo áreas do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco.
Como a transposição se transformou em revitalização? Há várias justificativas, e apenas uma delas é a falta de água no rio. Quando o governo Fernando Henrique elaborou seu primeiro Plano Plurianual, havia R$2 bilhões para um projeto de transposição de águas do São Francisco. É bom lembrar que um real valia um dólar naquela época. Esses recursos chamaram a atenção políticos de todo o país, e uma verdadeira ofensiva foi montada.
Na imprensa, as manchetes tratavam do projeto como “desvio” do São Francisco, e caciques como Antônio Carlos Magalhães dispararam críticas. Na época, atribuíram a ACM a idéia de que se o governo faria projetos de irrigação, que eles fossem na Bahia, por onde o rio já passava. A idéia não colou.
A pura falta d’água não poderia barrar a execução do projeto, era necessário criar essa polêmica. Para discutir o assunto em números, a transposição de águas teria uma vazão média anual máxima de 64 m³/s.
Canal principal de bombeamento do projeto Jaíba, em Matias Cardoso-MG. Com sete quilômetros de extensão, serve para irrigar cerca de 28 mil hectares da região norte de Minas Gerais, uma das mais pobres do estado. Foto: Marcello Larcher Foto: Marcello Larchererca de 60 mil hectares. Foto: Bruno Radicchi
Hoje, o rio fornece 330 m³/s em todos os projetos de irrigação instalados, e apenas a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco e Parnaíba (Codevasf) tem uma outorga d’água (documento que autoriza a utilização) de 80 m³/s para o projeto Jaíba, na Bahia. Qual seria o problema então? Todos queriam uma fatia do bolo de recursos dessa transposição.
Mas o que parecia apenas esconder más intenções acabou servindo a uma boa causa. O debate acabou despertando as opiniões para a importância do rio São Francisco. Foi a partir daí que os problemas vieram à tona, o lixo, o assoreamento, a falta d’água e de peixes. Esse ano outro fator entrou em jogo: o racionamento de energia. Se já haviam descoberto que o rio tem problemas, de repente viram que esses problemas podem afetar a vida de todos, como quando um apagão está à vista.
E assim foi montado o Projeto de Conservação e Revitalização da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, num decreto assinado em junho pela Presidência da República. Revitalização, aliás é a palavra da moda. Entre os programas estão a regularização do rio, com 11 barragens, o repovoamento de peixes, a despoluição e o tratamento de esgoto em todas as regiões, a recuperação de áreas degradadas, reflorestamentos e ações de educação ambiental.
Mas essas ações devem demorar pelo menos uma década para surtir grandes efeitos. A parte de regularização, por exemplo, que deve aumentar em 500 m³/s a vazão do rio, está em estudos, e as obras não começam em menos de seis anos, como nos informou José Ancelmo de Góis, diretor de Planejamento da Codevasf. “Estas obras são caras e irreversíveis, não podemos economizar em estudos ou adiantar as coisas, a Codevasf fez isso no passado e os resultados são vexames até hoje”, explica. Só com a regularização e aumento da oferta d’água já será possível desenvolver alguns projetos de irrigação, assim como programar cheias artificiais, que ajudam os peixes a procriar.