Jornal da Unicamp – Pesquisa realizada pelo engenheiro geólogo Ricardo Perobelli Borba revelou sinais de contaminação por arsênio no solo e na água utilizada por moradores do Quadrilátero Ferrífero, que abrange as cidades de Ouro Preto, Santa Bárbara, Nova Lima e outras cidades históricas, em Minas Gerais. O arsênio está entre os metais mais nocivos à saúde humana, como o mercúrio, o chumbo e o cádmio. Em concentrações elevadas (acima de 10 microgramas por litro de água potável, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS)), pode causar vários tipos de cânceres, como o de pele, pâncreas e pulmão, além de abalos ao sistema nervoso, malformação neurológica e abortos.
O arsênio pode ser liberado na natureza por meio de causas naturais, como o contato da água de rios e nascentes com rochas que apresentam elevada concentração do metal. No caso do Quadrilátero Ferrífero, porém, a contaminação, segundo o estudo, estaria relacionada à intensa mineração de ouro, explorada nos últimos 300 anos. “A região já apresenta naturalmente uma alta concentração de arsênio, mas a mineração secular contribuiu para que a poluição ambiental ficasse hoje muito grave”, diz o professor Bernardino Ribeiro de Figueiredo, que orientou a tese de doutorado do pesquisador, intitulada “Arsênio em ambiente superficial: processos geoquímicos naturais e antropogênicos em uma área de mineração aurífera”, defendida no Instituto de Geociências (IG) da Unicamp.
A pesquisa se concentrou na análise de sedimentos e águas fluviais, solos e rochas nas bacias dos rios das Velhas, da Conceição e do Carmo. Os resultados, segundo Figueiredo, reforçaram os dados obtidos por pesquisadores alemães e brasileiros, em 1998, quando se constatou contaminação por arsênio na urina de crianças entre sete e onze anos, matriculadas em duas escolas de Nova Lima. Na época, de acordo com Figueiredo, 20% das crianças tinham concentrações de arsênio na urina acima de 40 microgramas por litro. Até aquele momento, elas não apresentavam sintomas de doenças provocadas pela contaminação.
A tese defendida por Borba recomenda o monitoramento da saúde humana em todo Quadrilátero Ferrífero, já que há outras áreas que ainda não foram estudadas.
Foram coletadas amostras de sedimentos de rios, águas de rio e subterrâneas, de solo e de rochas que continham o arsênio. A equipe da Unicamp contou com colaboração dos órgãos ambientais de Minas Gerais e de profissionais do Serviço Geológico Britânico. “Observamos que, próximo às áreas de mineração, as concentrações de arsênio nas águas e sedimentos dos rios e nos solos das bacias de inundação são mais elevadas. Na estiagem, por terem solos férteis, muitas dessas bacias são usadas para cultivo de alimentos”, explica Borba.
A tese é um dos trabalhos pioneiros sobre o arsênio no Brasil e, justamente com o monitoramento humano realizado em crianças, ela chamou a atenção das autoridades para o problema do arsênio numa região habitada por mais de 3 milhões de pessoas, apenas somando a população de Belo Horizonte e seus arredores.
Em especial em Ouro Preto, várias minas abandonadas costumam drenar água de qualidade relativamente boa, mas nela também foi constatada a presença de arsênio. Apesar disso, a prefeitura ainda a utiliza para o abastecimento público, onde é encontrada concentração de arsênio em níveis que, segundo Borba, devem ser monitorados. Em sua tese, ele recomenda o mapeamento das áreas contaminadas. “É necessário o monitoramento constante para saber como estas águas são consumidas, pois alguns problemas só aparecem muitos anos após sua ingestão”, afirma.
Como a maioria dos rios está muito assoreada e também tem péssima qualidade, visto que recebem diretamente os esgotos não-tratados, as prefeituras tendem, cada vez mais, a coletar águas subterrâneas para abastecimento de populações. Caso a captação ocorra ao redor de locais usados para mineração do ouro, pode haver uma contaminação natural da água presente em rochas ricas em arsênio. Este fato, para o geólogo, reforça a proposição de um monitoramento da qualidade das águas.
O arsênio é um elemento químico que ocorre na natureza em diferentes estados de oxidação, formando vários compostos. Na água, ele pode aparecer nas suas formas inorgânicas e orgânicas. A forma mais nociva ao homem é a inorgânica, com valência +3 e +5, sendo a mais tóxica a +3. O metal aparece em rochas e em minérios. Nas rochas do Quadrilátero, o arsênio ocorre principalmente em minerais como a arsenopirita e pirita, que estão associados ao minério de ouro.
Na atividade de mineração, o ouro foi aproveitado e o rejeito, em que há concentração do arsênio, foi desprezado nos rios até a década de 80, passando por muitas transformações químicas que resultaram na liberação parcial do arsênio para os solos e para as águas dos rios.
No passado, o arsênio chegou a ser usado na composição de remédios, em pequenas concentrações, em pesticidas e em outros materiais. “Na verdade, o arsênio torna-se nocivo dependendo do volume empregado, podendo produzir intoxicação e efeitos colaterais”, explica o professor Figueiredo do IG.
Ele acredita que as sociedades continuarão, por muito tempo, realizando a mineração do ouro, extraindo-o das rochas para diferentes usos. “A mineração moderna tem os recursos e as tecnologias para conciliar a produção do metal que a sociedade precisa e a proteção do meio ambiente”, diz. “O que temos no Quadrilátero é uma questão que não é produzida pela mineração atual, pois a nova indústria está sujeita a leis ambientais e está sob os olhos de uma opinião pública vigilante”, completa.
Segundo ele, a contaminação da região resulta de uma atividade de mineração de 300 anos em que reinava o passivo ambiental, uma situação adversa herdada pela geração das práticas do passado, nas quais não existiam leis, consciência, tecnologia e nem intenções. “A sociedade brasileira terá de saber o que fazer com essa herança deixada pelos mineradores e pela atividade iniciada pelos bandeirantes”, conclui.
O Quadrilátero Ferrífero é conhecido como a mais famosa província aurífera do país, abrigando minas de ouro em funcionamento desde o século 17. Em decorrência de sua mineração, os resíduos, lançados nas drenagens em muitos locais do Quadrilátero até 1980, contaminaram os sedimentos dos rios. Além da mineração, no passado haviam fábricas de óxido de arsênio que, no julgamento do pesquisador, devem ter contribuído, por meio do lançamento de metais e de arsênio na atmosfera, para a contaminação dos solos nas áreas vizinhas às fábricas, onde residem muitas comunidades.
O pesquisador conta que os trabalhos sobre a exposição humana ao arsênio e os estudos ambientais nessa área têm sido intensos em vários países. Verdadeiras catástrofes tornaram-se conhecidas no mundo, como as de Bangladesh, Mongólia e Bengala Ocidental, a partir de exposição prolongada ao arsênio, por consumo de água contaminada. Após algum tempo, nestes locais verificou-se que milhões de pessoas apresentavam doenças causadas pela contaminação.