Agência Brasil – ABr – Orlando Villas Bôas era o último sobrevivente de quatro irmãos indigenistas. O sertanista e indigenista nasceu em 12 de janeiro de 1914 em Botucatu, interior de São Paulo e se tornou fazendeiro, a exemplo de seu pai, Agnello. Foi um menino travesso quando estudava no grupo escolar do bairro paulistano de Perdizes, e seu espírito irrequieto predizia o futuro de sertanista e indigenista, sempre em busca de novas fronteiras. Em 1935 Orlando Villas Bôas alistou-se no Exército onde ficou até 1939 e foi expulso porque só obedecia “às ordens que julgava certas”, conforme dizia.
Conheceu o deputado Ulysses Guimarães na escola, a quem apresentou a Jânio Quadros, seu amigo – e Ulysses muito o agradeceu depois, pois se iniciou na política ao conhecer Jânio. Depois de trabalhar numa empresa de petróleo, onde se sentia entendiado e tendo provocado a própria demissão, dirigiu-se para o estado de Goiás, remando durante 22 dias no rio Araguaia e que era o início de uma história de 40 anos pela causa indígena, abraçada depois pelos irmãos Cláudio, Leonardo e Álvaro.
Orlando contava que ao chegar à mata pela primeira vez encontrou os índios amedrontados, se homiziando e lançando flechas. Ele dizia que jamais reagiu às flechadas e procurava ganhar a amizade dos índios transmitindo-lhes um espírito de confiança e amizade.
A criação do Parque Nacional do Xingu em 1961 foi conseguida facilmente por Orlando, dada sua amizade com o então presidente da República, Jânio Quadros. O Xingu tem cerca de quatro mil habitantes divididos entre 13 nações assentadas em 2.800.704,3343 hectares – mais ou menos o tamanho da França e Inglaterra juntas.
Os irmãos sertanistas Orlando, Cláudio, Leonardo e Álvaro Villas Bôas cuidadosamente mapearam seus encontros com as 14 tribos indígenas que encontraram, obtendo sempre permissão para instalar as bases da Fundação Brasil Central. Cientes da fragilidade das comunidades às doenças da civilização ocidental, eles impediram que a política militarista se instalasse entre pessoas armadas apenas com flechas e os fuzis de um Brasil que passo a passo procurava fazer da terra um motivo de exploração econômica.
A esposa de Orlando Villas Bôas, a enfermeira Marina Villas Bôas, conta muitas das suas proezas. Ele a viu pela primeira vez em um consultório médico, e, como precisava de uma enfermeira para a expedição que chefiava resolveu convidá-la. Ela aceitou participar e ficou cerca de 15 anos trabalhando pela missão indígena. “Nesse tempo contraíu malária 15 vezes e Orlando pelo menos umas 200”, conforme diz.
Marina chegou ao parque do Xingu em 1963 e logo no início enfrentou uma epidemia de gripe, além de cuidar de muitos casos de malária. “Os índios tinham o organismo puro, e pegavam com facilidade as doenças de branco, mas conseguimos êxito rapidamente”.
O lazer, no Xingu, era algo restrito a jogos de cartas e passeios nas margens do rio segundo Marina. “À noite, jogávamos baralho ou conversávamos”, relata. “Assim, eu me apaixonei por ele; só que Orlando demorou quase dois anos para perceber.”
Em 1978, Orlando Villas Bôas deixou definitivamente o Parque do Xingu. Em 1984, aposentou-se para viver em sua casa no bairro paulistano de Alto da Lapa, e cultuava, num grande galpão nos fundos de casa, uma espécie de miniatura da Mostra do Redescobrimento (Exposição Brasil + 500, montada no Pavilhão da Bienal no ano 2000), composta de grande variedade de objetos indígenas, guardados em prateleiras, cada um com uma história a contar. Ele, e seus três irmãos eram contrários à ação colonizadora que se iniciara há quatro séculos.
Procuraram descobrir intacto um universo de hábitos e ética inteiramente diferentes. À medida que encontravam novas tribos assentadas às margens do rio Xingu e seus afluentes se deparavam com povos que tinham sua própria cultura e identidade e isso os fascinava e fazia do seu trabalho uma meta de vida. E, ao voltar à vida doméstica, queria conviver com um exemplar da mata, que tinha no reduto de sua própria casa.
Os Villas Bôas contribuíram para preservar vidas humanas, culturas antigas, valores que, depois de perdidos, não podem mais ser recuperado. Garantiram a sobrevivência de nações inteiras no Parque Nacional do Xingu ao consolidá-lo como espaço, com a orientação humanista do marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, e o apoio do antropólogo Darcy Ribeiro e do sanitarista Noel Nutel.
Orlando e seu irmão Cláudio Villas Bôas teriam o reconhecimento do seu trabalho no Xingu com a indicação para o prêmio Nobel da Paz em 1976. Sem ter completado o segundo grau, a vivência no Xingu permitiu que Orlando publicasse, em co-autoria com seu irmão Cláudio, 12 livros e inúmeros artigos em jornais e revistas internacionais, como a National Geographic Magazine.
Tanto juntos quanto individualmente, os irmãos receberam honras acadêmicas, reconhecimento de cidadanias e títulos honorários, homenagens à sua atuação na política de proteção à cultura indígena.
Villas Bôas, que completaria 89 anos no próximo dia 12 de janeiro, é, para a grande maioria das pessoas que ouviram falar de suas proezas e de seus irmãos, Cláudio, Leonardo e Álvaro, sinônimos de índio, floresta e Brasil.
Lourenço Melo
adorei me ajudou muito no meu trabalho
nao gostei