Desaparecimento de Owyt Kaiabi preocupa índios no Xingu

ISA – Visto pela última vez em 23/01, em Juara (MT), o índio Owyt Kaiabi era muito respeitado no Parque Indígena do Xingu. Seu desaparecimento preocupa familiares e comunidades indígenas da região, que temem haver uma ligação com o processo de demarcação da Terra Indígena Batelão.

Owyt Kaiabi saiu no dia 22/01 da Aldeia Tatuy, a noroeste do Parque Indígena do Xingu, rumo à cidade vizinha de Juara, onde foi visto pela última vez, no dia 23/01. Um memorando do chefe do Posto Indígena da aldeia, Nicolau Morimã Neto, informa que ele estava num bar chamado Catarinense, por volta de 19h, acompanhado pelo índio Edmar Kangerô, um presidiário que tinha sido libertado um dia antes e é considerado perigoso e um inimigo da Aldeia Tatuí.

Informe do antropólogo Klinton Vieira Senra, coordenador do Grupo de Trabalho de Identificação e Delimitação da Terra Indígena (TI) Batelão, no município de Tabaporã, vizinho a Juara, especula que o fato de Owyt Kaiabi ter participado ativamente dos trabalhos de identificação da área, pode estar ligado ao desaparecimento. “Em maio de 2001 os membros do grupo de trabalho e os índios que os acompanhavam foram impedidos de realizar os trabalhos de campo através do bloqueio de estradas e ameaças à integridade física dos mesmos”, revela o informe. Senra considera que a hostilidade de parte dos moradores, proprietários rurais e autoridades locais dificultou muito os trabalhos, que só foram retomados em setembro de 2001, com o acompanhamento de agentes da Polícia Federal. O Relatório Antropológico de Identificação e Delimitação já está concluído e aguarda publicação no Diário Oficial da União.

Desde o fim de janeiro, uma equipe de 17 índios Kaiabi está em Juara, realizando trabalhos de localização, e permanecem na cidade até amanhã, 15/02, conforme relata Mairawê Kaiabi, presidente da Associação Terra Indígena Xingu (Atix). Grupos de índios Kayapó e Panará e o pajé Sapain Kamaiurá auxiliaram nas buscas, mas até agora nada se descobriu. A Polícia Federal chegou à região na segunda-feira, 10/02, após solicitação feita em 31/01 por Paiê Kayabi, responsável pela Administração Executiva Regional (AER) do Xingu, da Fundação Nacional do Índio (Funai), mas ainda não há pistas do paradeiro de Owyt.

Marauê conta que a comunidade Kaiabi está muito preocupada com a possibilidade de haver ligação entre o desaparecimento e as tensões resultantes da demarcação da TI Batelão e também pelo fato de Edmar Kangerô estar desaparecido, o que poderia indicar sua participação em caso de crime. A família de Owyt Kaiabi foi levada de volta ao Parque Indígena do Xingu, pois estava muito preocupada e ansiosa. Muito respeitado pelos Kaiabi, Owyt é considerado um chefe de família exemplar, um grande artesão e um defensor dos direitos indígenas.

A luta pela antiga área Kaiabi

Leia o breve histórico elaborado pelo antropólogo Klinton Senra para o informe sobre o desaparecimento de Owyt Kaiabi.

“O território tradicional Kayabi abarcava boa parte do curso do Rio Teles Pires e praticamente toda a extensão do Rio dos Peixes, tendo por núcleo o Rio Batelão. A partir dos anos cinqüenta (1951/52) iniciou-se um processo de transferência do grupo, atentando contra a legislação vigente já à época, para o então Parque Nacional do Xingu (hoje Parque Indígena do Xingu, PIX). Atualmente espalhados em três áreas distintas, os Kayabi amargam um sentimento de perda indisfarçável e profundo.

A diáspora vivida por eles a partir dos anos 40 foi o resultado da violência e de uma assistência inadequada por parte do Estado brasileiro. Interesses governamentais e privados simplesmente ignoraram a presença dos índios e seus direitos constituídos transferindo-os de suas terras. Alguns foram omissos, outros coniventes, enquanto alguns, mesmo ao que parece agindo de boa fé, acabaram contribuindo para a divisão do grupo e a perda territorial. Todavia, o direito sobre a terra não prescreve enquanto existe uma comunidade etnicamente diferenciada que indelevelmente se identifica histórica e culturalmente com uma área específica.

Neste sentido, os Kayabi vinham há vários anos solicitando à Funai que realizasse estudos de identificação em seu antigo e tradicional território. O pai de Owyt, Yurumuk Kayabi, tem sido peça chave neste processo. Nascido no coração da área hoje reivindicada e um dos poucos velhos Kayabi remanescentes, Yurumuk deixou o Xingu e tentou voltar com sua família para a terra onde nasceu. Owyt, seu primogênito, o acompanhou. Estavam até então alojados (há há quase dois anos) com seus parentes em uma Terra Indígena que os Kayabi dividem com os Apiadká e que está localizada no município de Juara”.

Ricardo Barretto

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