Instrumentos musicais fabricados com madeiras alternativas da Amazônia

Ibama – De importador, o Brasil poderá passar a ser um dos maiores exportadores de instrumentos musicais de qualidade internacional fabricados com madeiras da Amazônia que saem do país e quase sempre voltam transformadas em guitarras, pianos, violões, violinos, flautas, gaitas, etc.. É um mercado que se expande para as madeiras alternativas originadas de planos de manejo, para os fabricantes, as indústrias e os músicos profissionais, que poderão encontrar no país instrumentos com padrão de qualidade idêntico aos importados, porém a preços bem mais acessíveis porque serão produzidos no mercado interno com espécies brasileiras. Exemplos mais clássicos são o Pau-Brasil (arco de violino), e o Jacarandá-da-Bahia (instrumentos de corda, como o violão), reflorestados exclusivamente para exportação com tal finalidade.

Trata-se do projeto “Avaliação de Madeiras Amazônicas para Utilização em Instrumentos Musicais”, coordenado pelo físico do Laboratório de Produtos Florestais do Ibama, Mário Rabelo de Souza. Com a ajuda dos pesquisadores do Laboratório – Maria Helena de Souza e José Arlete Camargos, foram selecionadas 50 espécies para testes acústicos entre as 400 que o LPF está reanalisando cientificamente para uso em instrumentos musicais diversos – cada qual com uma metodologia específica.

As 50 espécies serão pesquisadas para uso inicial em 10 importantes instrumentos musicais de corda, de percussão, piano e outros que utilizam madeira comercializada no Brasil, para que o LPF/Ibama possa levantar suas características específicas e firmar parcerias com seus fabricantes. No mundo todo são conhecidas apenas umas 15 espécies efetivamente usadas em instrumentos musicais, enquanto as madeiras alternativas brasileiras têm potencial comprovado em estudos anteriores para substituir com vantagens a maioria delas. “Não se justifica que importemos cerca de US$ 40 milhões anuais em madeiras para atender esse mercado”, diz Mário Rabelo.

Os resultados do trabalho serão divulgados em um inédito catálogo ilustrado com os instrumentos musicais manufaturados, acompanhados de CDs com sons que comprovarão seus potenciais acústicos, além dos nomes científicos e populares e das cores das cerca de 50 espécies selecionadas para tal uso. O objetivo do LPF/Ibama é valorizar as madeiras alternativas brasileiras com essas propriedades, facilitar a escolha apropriada das espécies pela indústria e pelos artesãos, bem como oferecer alternativas nacionais aos músicos profissionais e aos madeireiros que manejam a Floresta Amazônica .

ELITE – As espécies usadas em instrumentos musicais estão entre as melhores. Elas são reconhecidas em todo o mundo como “a elite das madeiras”. Acusticamente, são superiores a qualquer outro material do qual se tenha conhecimento, o que não só justifica sua utilização nesses instrumentos como em inúmeras outras aplicações, assegura o pesquisador Mário Rabelo. Ele reconhece que, atualmente, os equipamentos de avaliação acústica são mais precisos, confiáveis e acessíveis que há vinte anos quando foram iniciadas as pesquisas com esse objetivo, o que contribuirá para aumentar o número das espécies apropriadas. Os únicos trabalhos publicados nessa área no país são os do pesquisador do LPF/Ibama, quando trabalhava no IBDF, e o do Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo IPT – em parceria com o Instituto de Pesquisas da Amazônia – INPA de Manaus.

VALOR AGREGADO x SUSTENTABILIDADE DA FLORESTA

“Fabricar instrumentos musicais com madeiras alternativas brasileiras é uma das melhores formas para agregar valor, substituir importações, difundir, e dar credibilidade aos produtos florestais brasileiros pouco conhecidos e utilizados no país e no exterior – um dos principais objetivos do LPF”, ressalta o chefe do Laboratório do Ibama, Marcus Vinicius da Silva Alves. Ele reconhece que usar espécies alternativas da Amazônia com certificado de origem de planos de manejo sustentável em instrumentos musicais de alto padrão “é valorização certa e mercado garantido dessas espécies no exterior, principalmente na Europa, com enorme tradição musical.

Marcus Vinicius assegura que a utilização de madeiras alternativas que ainda não encontraram mercado no próprio Brasil ou fora poderá ter um significado especial para a viabilização dos planos de manejo florestal sustentável, principalmente daqueles em escala comunitária. Ele está certo de que a iniciativa valorizará a floresta tropical a partir do uso sustentável de seus produtos, da agregação de valor, da geração de renda e de postos de trabalho. “Pequenos pedaços de madeira deixados na floresta ou descartados nas indústrias poderão se transformar em excelentes instrumentos musicais, como a gaita. Isso é agregar valor aos produtos florestais”, destaca Marcus Vinicius.

GAITA DIATÔNICA DE MADEIRA BRASILEIRA

A gaita diatônica profissional, antes só de plástico ou de pereira importada, já está sendo fabricada com dez espécies alternativas brasileiras. O instrumento será lançado segunda (24), às 14h30, em comemoração ao 14º aniversário do Ibama, com uma apresentação de blues e de diversos ritmos brasileiros, disponíveis em CD e em CD-Rom, que o músico profissional de Brasília Pablo Fagundes gravou como testes acústicos para sua tese de graduação em engenharia florestal pela UnB, orientada por Mário Rabelo – que estuda as madeiras com essa finalidade desde 1983, ainda no antigo IBDF, um dos quatro institutos que formaram o Ibama. O também estudante de engenharia florestal da UnB e músico, João Santana, acompanhará no violão.

O engenheiro-músico montou seis gaitas fabricadas com as espécies amazônicas Açoita-cavalo, Ipê e Louro, com as quais pretende difundir a importância do projeto do LPF/Ibama. “Estou maravilhado com os timbres produzidos pela gaita de madeira”, resumiu o gaitista que toca profissionalmente em duas das muitas bandas de Brasília: a Pé de Cerrado (ritmos brasileiros) e a Celso Salim (só de blues). Ele disse que o projeto do LPF/Ibama beneficiará principalmente os gaitistas de blues devido ao timbre especial produzido pelo instrumento de madeira até então importado e caro.

O projeto da gaita foi desenvolvido em oito meses. Na parceria, a Hering Harmônicas forneceu as placas de voz, o corte da madeira e as ferragens. O LPF/Ibama entrou com a escolha e a indicação das espécies, o tratamento das madeiras, a preparação das fichas e os testes de ressonância desenvolvidos pelo físico Mário Rabelo de Souza, além da montagem do instrumento. Com o sucesso da gaita diatônica de espécies brasileiras, a Hering quer participar dos outros projetos de uso de madeira brasileira em diversos instrumentos musicais. A empresa já está produzindo as gaitas em escala industrial, inclusive para exportação, e as apresentará ao mundo no início de março em uma feira internacional na Alemanha.

As 10 espécies alternativas da Amazônia testadas e aprovadas pelo LPF/Ibama para uso em gaitas: Louro, Amapá-doce, Breu-sucuruba, Copaíba, Ipê, Maçaranduba, Mogno, Açoita-cavalo, Tocacazeiro e Tauari, a mais utilizada pela fábrica catarinense em sua segunda linha de produção do instrumento, substituindo definitivamente o plástico pela madeira brasileira. Mário Rabelo informou que o Mogno (com exploração proibida no País) só foi usado como parâmetro de qualidade para as demais espécies na manufatura desses instrumentos.

OS OUTROS INSTRUMENTOS MUSICAIS

As 50 espécies pré-selecionadas pelos pesquisadores do LPF/Ibama terão seus estudos científicos direcionados para a fabricação de instrumentos de corda: guitarra, violão, violino, viola e violoncelo, além de piano, flauta, clarinete e xilofonone. As madeiras também serão testadas para instrumentos de percussão, como a baqueta. A metodologia será a mesma utilizada em projetos antigos: avaliação estatística para descobrir potenciais candidatas para uso específico: tampo de violão, teclas de piano, corpo de instrumentos diversos, etc.).

Assim como a Hering Harmônicas, outros fabricantes serão convidados para confeccionar os novos instrumentos segundo as orientações do LPF/Ibama. As espécies selecionadas pelo Laboratório do Ibama para a fabricação de instrumentos musicais precisam ser compactas, resistentes e boas para trabalhar. Antes de testar a ressonância das madeiras, os especialistas analisam várias propriedades físicas e mecânicas básicas: peso, volume, flexão estática, elasticidade, dureza, cisalhamento, tração e compressão paralela e perpendicular às fibras – para medir a resistência máxima e o esforço limite de cada espécie.

Pela tradição musical da Europa, o LPF/Ibama está recebendo convites de parcerias internacionais para desenvolver o projeto e divulgar a potencialidade das espécies brasileiras na fabricação desses instrumentos. Uma das interessadas é a Escola Suíça de Engenharia para a Indústria da Madeira, que pretende enviar em agosto um pesquisador ao Brasil para conhecer o projeto do Laboratório e, possivelmente, firmar o primeiro acordo de cooperação técnica internacional com o LPF/Ibama nessa área. A Escola de Lutheria, de Manaus, também está interessada em coletar amostras de espécies alternativas para testes.

Há vinte anos, o Brasil tenta dar um basta à importação de madeiras para a fabricação de instrumentos musicais devido às excelentes alternativas existentes em nossas florestas. Em 1982, o ex-presidente João Figueiredo indignava-se com o fato de possuirmos um dos maiores e melhores potenciais florestais do mundo e continuarmos importando, muitas vezes nossas próprias madeiras, para fabricar tais instrumentos. No ano seguinte, Mário Rabelo, então no IBDF, foi incumbido de comparar com as espécies importadas para esse mercado a potencialidade acústica de 150 madeiras brasileiras. Constatou-se que as madeiras brasileiras Pau-brasil, Pau-marfim e Jacarandá-da-bahia poderiam substituir com perfeição 13 espécies estrangeiras importadas para uso em instrumentos musicais de corda, principalmente guitarras.

Em 1989, uma parceria IBDF, FUNARTE, INPA e IPT elaborou o projeto “Avaliação das Espécies Madeireiras da Amazônia Selecionadas para a Manufatura de Instrumentos Musicais”. Foram encontradas 22 espécies adequadas para a fabricação de tampo e de fundo dos instrumentos – os dois maiores problemas do mercado: Coração-de- negro (preto-acromático); Amapá-doce, Cedro, Faveira-folha-fina, Gombeira, Mogno, Muiracatiara e Tachi-preto-folha-grande (marrom-amarelo pálido); Macacaúba (marrom fraco); Freijó-verdadeiro, Gombeira e Ucuúba-da-terra-firme (marrom-amarelo fraco); Jacarandá (marrom-acinzentado escuro); Morototó e Munguba (marrom-amarelado-acinzentado claro); Pará-Pará (marrom-amarelado-acinzentado muito claro); Muirapixuna e Preciosa (marrom-amarelado-acinzentado escuro); Tauari (marrom-amarelo muito pálido); Urucu-da-mata (marrom-amarelo acinzentado); Envira-preta (amarelo-amarronzado-acinzentado claro); e Marupá (amarelo-amarronzado-acinzentado muito claro).

Maiores informações: Mário Rabelo (61) 3161533, Marcus Vinicius (61) 3161500 e Pablo Fagundes: (61) 96216767

Ana Marcia

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