ISA – Durante seminário realizado na terça-feira (18/03) intitulado Respeito aos Direitos dos Povos Indígenas, o grande tema foi a adoção de procedimentos burocráticos para a homologação de Terras Indígenas não previstos pelo já extenso processo demarcatório dessas áreas, o que contraria o programa de governo do PT sobre o assunto.
Promovido por diversas ONGs, organizações indígenas e indigenistas, entre as quais a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), o Conselho Indígena de Roraima (CIR) e a Associação Brasileira de Antropologia (ABA), o seminário, realizado no Auditório da Procuradoria Geral da República, em Brasília (DF), foi dividido em quatro painéis que incluíam temas como direitos históricos e constitucionais dos povos indígenas, política indigenista e o Estatuto do Povos Indígenas. As discussões, no entanto, estiveram focadas no preocupante rumo que a política indigenista do governo Lula pode seguir, tomando-se como exemplo os procedimentos que têm sido adotados para a homologação de Terras Indígenas (TIs).
As TIs Jacamim (RR), WaiWai (RR), Badjonkôre (PA), Boqueirão (RR), Cuiu-Cuiu (AM), Moscow (RR) e Muriru (RR), entre as 23 reivindicadas por uma campanha iniciada por diversas instituições em janeiro deste ano, aguardam apenas a assinatura dos decretos pelo presidente para serem homologadas.
Entretanto pareceres do início de fevereiro da subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil sobre essas áreas sugerem que o Conselho de Defesa Nacional (CDN) – órgão de Consulta do Presidente da República nos assuntos relacionados com a soberania nacional e a defesa do estado democrático -, e a Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CREDEN) – outro órgão de consulta do presidente, voltado à formulação de políticas, estabelecimentos de diretrizes e acompanhamentos de programas relacionados a populações indígenas e direitos humano, integração fronteiriça, entre outros – sejam consultados a respeito da homologação dessas TIs.
Essas medidas, que não fazem parte do processo de demarcação das Terras Indígenas previsto pelo Decreto 1.775/96 e expõem as homologações a contestações extemporâneas, são defendidas em razão dos conflitos existentes em cada uma dessas áreas entre índios e não-índios. No caso das TIs de Roraima, são citadas as “inúmeras manifestações” contrárias às demarcações das terras e criação de Unidades de Conservação (UCs) como indicadores para ações cautelosas em relação homologação dessas áreas. Políticos locais como o senador Mozarildo Cavalcante (PFL/RR) há muito tempo repudiam a demarcação de novas TIs em Roraima. Durante discurso no plenário do Senado na semana passada, Cavalcante, solicitou que seja votada sua proposta de emenda à constituição que determina que todas as demarcações de TIs e Unidades de Conservação (UCs) sejam apreciadas pelo Congresso Nacional.
Os procedimentos burocráticos sugeridos pela Casa Civil contrariam o programa de governo de Lula, que no caderno temático intitulado Compromisso com os Povos Indígenas destacava, entre outras diretrizes, a correção de processos demarcatórios e a “desintrusão de TIs ilegalmente ocupadas por não-índios”.
Dentro do atual jogo político contrário à demarcação de Terras Indígenas em Roraima, também preocupa a filiação do governador daquele Estado, Flamarion Portela (ex-PSL), ao PT, uma vez que há suspeitas entre organizações indigenistas de que tenha sido negociada em troca da não-homologação da TI Raposa/Serra do Sol, como denunciado por uma reportagem do jornal Folha de S. Paulo na edição de quarta-feira (19/03).
MMA no meio do fogo cruzado
Durante visita a Roraima no início desta semana para verificar os problemas causados pelo incêndio que atinge a região há várias semanas, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, recebeu de lideranças indígenas documento solicitando apoio para a homologação da TI Raposa/Serra do Sol e, de acordo com nota do site do Conselho Indígena de Roraima (CIR), afirmou que irá analisá-lo. Além disso, a ministra esteve reunida com parlamentares envolvidos com a temática ambiental nesta terça-feira (18/03), pedindo a aprovação do projeto de lei complementar que cria o Fundo Verde – destina uma reserva do Fundo de Participação dos Estados para aqueles que abrigarem TIs e UCs -, no momento em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Segundo ela, os recursos seriam um estímulo que evitaria situações como a de Roraima.
Embora esteja disposta a incorporar a transversalidade da questão socioambiental no novo governo, resta saber se a pasta que Marina Silva ocupa reúne atualmente força política suficiente para apaziguar o fogo cruzado envolvendo a questão de TIs.
Cristiane Fontes, 19/03/2003.