Agência Brasil – ABr – Lana Cristina e Ubirajara Júnior
Pesquisador por formação, o novo presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Marcus Luiz Barroso Barros, assume uma área que não lhe é totalmente estranha. Formado em medicina pela Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e especializado em medicina tropical, pelo instituto de Nagasaki, Japão, que é referência na área, Barros passou a vida estudando a relação entre saúde e meio ambiente. As doenças que fizeram parte de suas investigações, todas, estão relacionadas à degradação ambiental. Uma delas, a Leishmaniose, vitimou ele próprio, quando fazia coleta de material, em campo. Ele conduziu, inclusive, a pesquisa que resultou na produção de um medicamento mais eficiente contra a doença. O tratamento com pentamidina ficou muito mais simples com a redução para cinco ampolas, quando outros medicamentos injetáveis exigem a aplicação de uma centena delas. Professor e ex-reitor da Ufam, em 89, ajudou a fundar o centro de pesquisas da Fundação Oswaldo Cruz na Amazônia. Barros chefiou nos últimos nove meses o Instituto de Pesquisas da Amazônia (Inpa), ligado ao ministério da Ciência e Tecnologia, e tem a tarefa, a partir de agora, de inverter seu foco de atenção, cuidar do meio ambiente para que gere mais saúde. Esse é um de seus objetivos à frente do cargo que assumiu há duas semanas, porque sabe que enfrentará desafios muito mais pontuais, como o combate ao desflorestamento. Mas, segundo ele, não lhe faltará motivação. Nascido a mais de mil quilômetros de Manaus, a capital de seu estado, num município incrustado na floresta, em meio ao Alto Juruá, Barros parafraseia Fernando Pessoa ao afirmar que de sua Ipixuna vê o Brasil com toda sua imensidão territorial e diversidade de extrema riqueza. Sua vida, como ele próprio diz, em verso emprestado de um poeta amazonense, está à disposição do meio ambiente.
C&T – Quais são os maiores desafios de presidir uma instituição do porte e da importância do Ibama?
Barros – Os maiores desafios, primeiro, para quem vem de uma área de ciência e tecnologia, quem vem da universidade e quem vem do Inpa, é ter a humildade para fazer um banho de imersão na instituição. Tem que entender primeiro essa máquina. Observe que são 5.300 servidores, sendo 1.300 fiscais. É uma máquina complexa de quase 30 unidades, gerências ambientais em cada estado.
C&T – Também é complexo pelas atribuições, não só pelo tamanho. Afinal, o Ibama não é só fiscalização.
Barros – Não, claro. Essa é uma das armas principais, a fiscalização. Mas e os ecossistemas? São muito distintos, graças a Deus, mas que nos exigem muito, justo porque são distintos e, além disso, distantes. Veja, os banhados do Rio Grande do Sul e os lavrados de Roraima. Tem toda uma costa fantástica, impressionante, partindo de Fernando de Noronha, depois vamos ao Pantanal, ou ao divisor, lá no Acre. Esses complexos são muito interessantes. Não me esqueço do Cerrado e do Semi-árido. Então, é isso, a gente tem que ser humilde diante dessa demanda. É uma tarefa enorme, entender esse aparelho de estado, entender a complexidade dos ecossistemas, dar continuidade a políticas que se traçou, valorizar a história da insituição. É preciso considerar o que a instituição produziu desde 89 até aqui, ou seja, desde a chamada era da fusão entre Sudhevea, Sema, IBDF e Sudepe, que gerou o Ibama e a política ambiental que o instituto tem feito. Creio que precisamos fazer com que o momento mais fiscalizador, que chamo de momento de repressão, coercitivo, evolua para um momento mais educativo, apesar do Ibama ser fiscal da lei. Fazer com que a população brasileira se sensibilize cada vez mais na direção de cuidar do meio ambiente, junto com o aparelho de estado, complementado sua função, isso também é nossa função. São tarefas hercúleas, pesadas e nós vamos tentar organizar esse aparelho na idéia de cumprir essa tarefa. Porque o governo Lula tem diretrizes especiais para a Amazônia e para o meio ambiente como um todo. A nossa ministra, Marina, traçou determinados caminhos. Ela entende que, primeiro, temos que nos entender e traçar uma política comum, matricial, entre todos os ministérios, porque se não atuarmos de uma maneira ordenada, como um time de futebol, sair da defesa ao ataque para ir para o gol, se isso não for feito, as coisas não caminham. Ela se preocupa com isso. Devemos nos centrar em algo fundamental do nosso programa de governo, que perpassa todos os ministérios, mas o nosso em particular, que é o controle social. Sem controle social o nosso governo não deixa uma marca muito clara a quê ele veio. E depois nós temos que ter ações pró-ativas para o desenvolvimento sustentável. Acho que essas três linhas se consitutem num norte, que o braço Executivo tem que cumprir.
C&T – Nós temos, acredito que, pela primeira vez, na história da área ambiental, no governo, duas pessoas que são da região se não a mais problemática do país, certamente a mais olhada. Temos a ministra que é do Acre e o senhor que é do Amazonas. O olhar do governo sobre a essa região será diferente em função disso?
Barros – A ministra e eu, mencionados por você, temos uma preocupação, a de que o Brasil seja visto com a importância de quem é responsável por cuidar de todos nossos ecossistemas. Apesar da Amazônia ser de uma extensão de mais de cinco milhões de quilômetros quadrados e também um ecossistema tão diverso, nós não queríamos deixar de lado e não vamos deixar a diversidade do Cerrado, por exemplo, que é tão importante quanto a Amazônia.
C&T – Por sinal um ecossistema tão ameaçado pela expansão agrícola.
Barros – Claro, se não vai virar tudo soja. E a diversidade que tem o Cerrado, em relação a produtos naturais, fármacos, inclusive, tem que ser valorizada. O semi-árido, a caatinga, que muitos menosprezam, tem uma diversidade significativa e está sendo destruída de maneira galopante para que sua madeira sirva de energia para suprir determinadas indústrias da periferia da caatinga no Nordeste. Por isso é que digo que temos preocupação com as reservas florestais, com o chamado Arco do Fogo, com o Arco do Desmatamento, com a ocupação desordenada da Amazônia. A diversidade da Amazônia, que tem mar, que tem áreas de floresta densa primária e áreas de afloramentos importantes, tem lavrados e descampados. E essa diversidade toda nos preocupa porque são quase 20 milhões de pessoas na Amazônia e as pessoas também nos preocupam. Temos que nos preocupar com a água como estratégia, também. Uma preocupação grande é com o São Francisco, com a questão da ecologia, da irrigação que destrói a calha central do rio, a chamada transposição que prejudica seu curso, as barragens que também trazem mudanças ao rio, mas que são necessárias para gerar energia.
C&T – O senhor dará continuidade ao Programa de Revitalização do Rio São Francisco, então?
Barros – Com certeza. Vou dar continuidade a todas as revitalizações. Se disserem que há algo a revitalizar, por exemplo, proteger as nascentes do Parnaíba, do Piauí, para que o rio não morra no seu percurso, então, isso será feito. Só não digo que vou proteger as nascentes do Amazonas, porque elas ficam no Peru, nos Andes, e espero que o Peru se preocupe com isso e tenha responsabilidade internacional nesse sentido. Então, o olhar deve ser um olhar democrático, para todo o país.
C&T – Qual sua visão sobre os manguezais e sobre os corais?
Barros – Preservá-los a todo custo. Olhar com visão crítica e com muita ação no sentido de acompanhar o aproveitamento dos manguezais ou de sua destruição para a produção de camarões. Nós temos que gerar riqueza, não tenho dúvida disso, mas, como na Amazônia, no litoral, não se pode gerar riqueza quando se destrói corais. Quer dizer, refazer essa possibilidade econômica, por meio da atividade turística que não seja predadora, porque, senão, os corais morrerão. A densidade do fitoplâncton também diminui e, por via de conseqüência, os peixes do litoral ficam mais escassos. Há que se olhar para as espécies exóticas, como o camarão Tigre Asiático que depreda o ecossistema do golfão Marajoara e do Amapá. Há que se cuidar da sardinha do Rio Grande do Sul. Quer dizer, a todas essas áreas, eu tenho que estar sensível, ainda que eu seja do interior, porque essa é a fonte de riqueza e de produção de proteínas e riqueza de exportação para o Brasil.
C&T – O que fazer quanto à situação de depredação do litoral, provocada em grande parte pela atividade turística?
Barros – Há que se ter uma política para o turismo. Claro que precisamos de dólares, mas há que se ter um turismo ordenado. Precisamos reforçar a interface com o ministério do Turismo, reforçar nossa diretoria de Pesca, criar matrizes com os outros ministérios nessa área. Agora, com a secretaria de Pesca, no ministério, devemos criar cada vez mais interfaces que surjam nesse governo. Podemos fazer do turismo na Amazônia, que é o último bastião, um turismo ordenado, afinal há um apelo internacional para o turismo na região. Na Amazônia, a gente precisa, claro, diferente da Costa do Sauípe, de infra-estrutura. Não temos essa infra-estrutura de hotéis de selva, até estamos caminhando para isso. Mas temos que ter um cuidado grande, quase exagerado, com a manutenção da riqueza. Quando se recebe uma jóia de presente, você quer cuidar dela, você sente ciúme daquele bem inanimado. Então é isso, nós temos essa riqueza toda que é a Amazônia e temos que entender que ela é a produção do nosso enriquecimento sustentável. E o turismo é a indústria sem chaminé, é a que rende mais recursos para alguns países como a Espanha. Sou professor da Universidade de Barcelona e conheço bem a atividade turística nas ilhas Maiorca e Minorca, em Ibiza, em toda a Catalunha. É possível e necessário que façamos algo parecido com a Amazônia, mas de forma ordenada, com responsabilidade.
C&T – Como o senhor vê a biopirataria no Brasil?
Barros – Com muita tristeza. Ela existe e cada vez que a ciência e tecnologia avançam mais, os praticantes da biopirataria passam a não levar mais as sementes de seringueira, por exemplo, mas o gens da seringueira. Por isso fica cada vez mais difícil se a gente não continuar crescendo na Amazônia, com grande produção do conhecimento na área de biotecnologia. Deixo o Inpa, por exemplo, depois de criar um curso de genética no instituto, onde a biotecnologia e o estudo da biodiversidade são parte do currículo, especialmente na área de concentração DNA. Precisamos criar, cada vez mais, um domínio sobre o banco genético porque é por essa via que se escoa a biodiversidade. Às vezes, a biopirataria é mais franca, mais clara, digamos, quando se vai à Amazônia coletar borboletas, ou plantas para levar para outros países. Vi recentemente na imprensa que o Japão está patenteando a palavra cupuaçu. Isso é coisa grave porque, junto com a produção científica, temos que ter aplicação tecnológica. E, junto com a aplicação tecnológica, temos que patentear o que descobrimos, o que não se faz com regularidade no Brasil devido o custo ou por não dominar a legislação. Isso complica para nós.
C&T – O senhor concorda que as pesquisas, em medicina tropical, e mesmo em outras áreas, desenvolvidas na Amazônia, deveriam ser mais divulgadas?
Barros – Não tenho dúvida. Aliás, ao assumir a direção do Inpa, um ano atrás, a primeira coisa que criei foi o núcleo de comunicação e documentação. Contratei os melhores jornalistas do Amazonas para começar esse processo de divulgação da ciência. Eles ainda crescerão muito nessa direção. O Museu Paraense Emílio Goeldi também tem esse tipo de preocupação. No momento, está se criando uma editora no Inpa. A editora do Goeldi já é consolidada em Belém. Eles estão, com isso, buscando a distribuição do material para todo o país e gerando alternativas para distribuir também para o exterior.
C&T – Não é um contra-senso o número reduzido de profissionais da medicina que se dedicam ao estudo de doenças tropicais, sendo o Brasil um país tropical? Como o senhor vê, por exemplo, a procura por especialidades que dão dinheiro em detrimento das doenças tropicais?
Barros – É realmente um contra-senso. Na Universidade do Amazonas e na Fundação de Medicina Tropical foram criados cursos de pós-graduação que começaram lato sensu e, agora, já há stricto sensu, para formar massa crítica a alimentar os institutos de medicina tropical. Porque é quase como a vocação para o sacerdócio a adoção pela medicina tropical. Veja que houve um momento em que a busca pelo sacerdócio refluiu e agora volta a crescer. Estamos exatamente nessa fase, onde procuramos interessar os jovens na atividade de pesquisa e não só utilizar a pós-graduação para enriquecer. É preciso fazer um trabalho de conscientização, mostrando que uma das coisas belas do homem é o interesse coletivo, se preocupar com o outro. Não pode ser só ter, tem que ter o ser também, do ponto de vista filosófico. E esse mundo globalizado mostrou muito a necessidade de cada um olhar para o seu umbigo. A solidariedade da Polônia, de duas décadas atrás, perdeu a importância para um mecanismo competitivo, que acho péssimo, que foi o neoliberalismo, e nem gosto dessa palavra, mas é isso que é. Quer dizer, é a destruição. Eu preciso te destruir para que eu apareça, essa é a tônica. Esse “ethos” nós precisamos mudar. E mostrar que, apesar dos salários baixos que recebemos, eu, pelo menos, engordei, ao invés de morrer de fome. Hoje, estou vivo, tenho 55 anos, sou professor universitário e, hoje, sou presidente do Ibama e não foi preciso matar ninguém, atropelar ninguém, nem menosprezar ninguém, para, com os conhecimentos científicos a partir do que produzi, ser útil para o país.
C&T – Há muito conhecimento produzido na área de medicina tropical no Brasil?
Barros – Não. Precisa muito mais porque a tecnologia cresce muito. Agora, com o estudo dos genes, há muito que crescer nessa direção. O Brasil já trabalhou muito para controlar a Doença de Chagas, que hoje é uma doença que diminuiu expressivamente. Esquistossomose também. Mas malária na Amazônia, ainda há muitos casos. Nós precisamos nos informar mais porque também a natureza dos parasitas e a relação desses parasitas com o meio ambiente é muito dinâmica. Sendo mais claro, veja o caso da malária. Não se pode dizer que está controlada por um medicamento em especial porque existe uma mutação gênica do parasita que adquire resistência a esse medicamento. O DDT, o inseticida que combatia aos mosquitos, não cumpre mais sua função porque os a quantidade de insetos, anofelinos no caso, resistentes ao DDT, é enorme. Então, a necessidade de produção científica é para o conhecimento do que ali está e também para conhecimento das mutações e evolução de coisas novas que surgem.
C&T – O senhor quer dizer, então, que o conhecimento da área gênica, na área de medicina tropical, tem peso relevante?
Barros – Enorme. O DNA, os diagnósticos. Temos que crescer muito nessa direção, para nós conseguirmos as vacinas. Ainda não temos uma efetiva contra a malária, por exemplo. A vacina contra protozoários é muito complicada. As vacinas contra os vírus já é melhor. A Fundação Oswaldo Cruz tem um know how enorme e hoje chega à Amazônia para marcar uma posição brasileira na Amazônia em consonância com outras instituições de pesquisa. Há muito que pesquisar ainda, até porque há as doenças emergentes. Trata-se todas as doenças que se conhece, mas devido à pressão de seleção, surgem as emergentes. A dengue e a tuberculose, por exemplo, são reemergentes. Elas vão crescendo, quando eram normalmente controladas. Agora, surgem outras que jamais conhecemos. Determinadas viroses, como as arboviroses, que são doenças emergentes. Então, é preciso todo um conhecimento e informação sobre fenômenos desconhecidos.
C&T – Falando em desconhecido, o senhor optou por estudar uma doença que pouco se conhece, a Leishmaniose. Por que essa opção?
Barros – Vou dizer algo, que até me deixa triste. Era verdade até certo tempo atrás esse desconhecimento sobre a Leishmaniose, porque a doença não estava espalhada. Era sim, mas não é mais. Leishmaniose, em Belo Horizonte, por exemplo, tomou uma conotação significativa na periferia, no caminho até Confins. Só não há Leishmaniose na parte Sul do Brasil, mas de Minas e São Paulo para o Norte, está cheio de casos. Na periferia do Rio, em Bangu, por exemplo, há muitos casos. Tanto da tegumentar, que acomete só a pele, como a visceral, que mata, principalmente as crianças. Onde se ocupa o espaço de maneira desordenada, há casos. E daí vem a resposta do porquê me interessei por isso. É que sempre tive interesse por destruição ambiental e doença, a relação disso. É forte esse relação entre degradação ambiental e aparecimento de doenças. A Leishmaniose é danada, entrou na mata, degradou, a natureza devolve de maneira igual e em sentido contrário. Eu já tive Leishmaniose, capturando, com isca humana, mas em área de desmatamento. Tenho a cicatriz de uma lesão no braço. Isso explica por que estou aqui, porque sempre tive essa preocupação. E as doenças tropicais, em geral, são devidas à ocupação desordenada do espaço. A febre amarela é outro exemplo. É uma doença provocada por um arbovírus, que são vírus transmitidos por mosquitos, por artrópodes. Quando se entra numa área, e se perturba essa área, o que acontece é que o transmissor da doença está lá na área de mata, convivendo de maneira harmoniosa com determinados animais onde circula o vírus. Ao entrar, a pessoa adoece da chamada febre amarela silvestre. O ser humano, como animal de sangue quente, servirá como área física para o mosquito se alimentar de sangue. E, ao se alimentar, ele introduz o vírus e infecta a pessoa.
C&T – É um mecanismo de defesa da natureza, quase uma vingança?
Barros – É a terceira Lei de Newton, agrediu, tomou.
C&T – Só é triste constatar que, nem sempre, quem provoca a destruição é o atingido pela tal vingança.
Barros – Mais que isso. Há casos de empresários do Sul que criam empreendimentos na Amazônia, por exemplo, para desmatar e mandam outros desmatar. Quem desmata é quem sofre a lesão.
C&T – Como o senhor pretende inverter o foco da sua atuação, antes centrada na relação distúrbio ambiental-meio ambiente, ou seja, como centrar-se no meio ambiente como foco principal?
Barros – Para usar uma imagem que a ministra Marina usou, e que é muito bonita, diria que o meio ambiente é minha outra asa. Ninguém voa com uma asa só, mas se eu tenho uma só, preciso me abraçar a alguém. Se não, nenhum de nós voará. Saúde é minha asa, mas o meio ambiente é a outra. Não tem jeito. Então, vou deixar minha asa Saúde, que é mais objetiva, para cuidar do meio ambiente, para ver se depois a gente continua a ter saúde. Buscando inspiração em Fernando Pessoa, que disse: “da minha aldeia, vejo o mundo”, posso dizer que da saúde eu vi o ambiente. Agora, do ambiente, vou investir na saúde. Preservando o ambiente, conseqüentemente, darei, ainda que seja uma pequena contribuição, mas uma contribuição para que a saúde seja conquistada, ou pelo menos, não seja agredida, gerando doença, como é ainda hoje.
C&T – O que é mais problemático ambientalmente no Brasil, hoje?
Barros – Desflorestar é uma das coisas mais graves. Mas digo que, pela extensão da costa brasileira, deixar de cuidar dos corais e dos manguezais é tão grave quanto deixar desmatar. Plantar soja no Cerrado, desmatando desordenamente, é também grave. Ir para o Pantanal, com atividade turística que seja depredadora, é igualmente grave. Quer dizer, como os ecossistemas são muito diferentes, não posso privilegiar nenhum, caso contrário, elegendo um só dano, vou contemplar um ecossistema só. Acredito que é possível falar de diferentes danos em cada ecossistema.
C&T – Na sua posse o senhor disse que a fiscalização será reforçada, mas que a ação, nessa área, buscará primeiro o diálogo. Como pretende concretizar o tom conciliador para só depois chegar ao extremo da punição, da aplicação da lei, com empresários como madeireiros, por exemplo?
Barros – O Ibama já ganhou muitos empresários dessa área no diálogo e os convenceu da necessidade de fazer planos de manejo. Como exemplo há a Madeireira Amil e a Jetal, em Itacoatiara. É o exemplo, com uso do convencimento, de que o manejo florestal dá, de fato, mais lucro e ainda preserva o meio ambiente. Gera mais emprego que derrubar em corte raso. É uma tarefa de mostrar, de sensibilizar. Há um certo pragmatismo por parte de quem não é da Amazônia do lucro rápido. Todo mundo quer ganhar na loteria, mas isso é fora da realidade. Desconfie de todo enriquecimento rápido. Não quero chegar como o filósofo pré-marxista que dizia: “todo rico, é ladrão”. Não é assim. Ele quis dizer que todos que acumularam bens e ficaram ricos, expropriaram de alguém. Não quero ter preconceito com o empresário, não pode existir isso. Existem empresários que estão dentro da lei, há os que querem seguir a lei, e há os que estão fora da lei. Com esses, vamos ter que conversar até a exaustão, porque é um princípio do governo Lula. Não vamos chegar e colocar todos numa tábula rasa, sentados sobre a mesma mesa. Não se quer isso. Mas, esgotadas todas as possibilidades de consenso, cumpra-se a lei.
C&T – O grande problema no setor madeireiro é o ciclo da madeira, que é grande. O empresário não consegue entender que tem que esperar 20 anos ou mais para desmatar naquela área de novo, para atingir um estágio de corte interessante.
Barros – Mas não existe outra alternativa. Aconselho aos que pensam assim que mudem de ramo. Que vão trabalhar em São Paulo, com eucalipto, que cresce mais rápido, ou com pau-de-balsa no Amazonas, que cresce um metro por mês. Não tenho o valor do mogno, mas se é para ir nessa velocidade, que façam silvicultura com pau-de-balsa, e utilizem a madeira para todas suas funções de “soft wood”. Mas quem quer trabalhar com madeira nobre como o mogno, a legislação não permite que não seja manejado e ainda estipula que não seja extraído de áreas que não são destinadas para o manejo. Se as pessoas não quiserem cumprir a lei, como está escrita, e como a gente interpreta e fiscaliza, aconselho que mudem de ramo porque nós vamos estar muito próximos de atitudes repressivas para quem pensa assim.
C&T – O senhor não acredita que a madeira ilegal deveria ser liberada, ou mesmo seria a favor que a Justiça liberasse, por exemplo, o mogno apreendido para uso, já que a madeira foi mesmo extraída?
Barros – Estamos lutando para isso, para aproveitar com finalidade social. Acho que é esse o caminho.
C&T – Não poderia ser inclusive exportada? Afinal o mal já está feito.
Barros – Até sim, isso dá uma boa discussão. Taí um tema para o debate. Agora, é preciso a Justiça liberar, porque, dentro da lei, não há nenhum problema. Há que se pagar quando é gerado um dano ambiental. Isso não tem jeito. Tem que ver junto ao mercado internacional e a todas as forças ligadas à questão, para ver se essa é a solução. Não se quer excluir solução alguma, mas a Justiça tem que determinar o que fazer, primeiro.
C&T – Até porque exportando, seria uma forma de trazer divisas. E o dinheiro poderia ir para a preservação, não é mesmo?
Barros – Realmente é uma idéia a se pensar. Esse dinheiro, por exemplo, poderia ir para a manutenção das unidades de conservação, pro manejo.
C&T – Tecnologias, como o controle terrestre por satélite, ajudariam a monitorar o meio ambiente?
Barros – Muito. Estamos refazendo, inclusive, um convênio com o Inpe que nos dá acesso a imagens de satélite. Há no Ibama uma área que estuda essas imagens. E vamos cada vez mais usar essa ferramenta, junto com organizações não-governamentais, com empresários mesmo, vamos organizar isso, por meio de métodos eletrônicos cada vez mais sofisticados.
C&T – O Sivam ajudará nessa empreitada de monitorar o país ambientalmente?
Barros – Muito. Aliás, no caso, será o Sipam, porque o Sivam é o braço militar do programa. O Sipam, que é o Serviço de Proteção da Amazônia, tem toda uma ferramenta pronta para nos ajudar. Quando estava no Inpa, interagi com o Sipam de uma maneira muito efetiva. O Sipam inaugura, dentro de poucos dias, um sistema de equipamentos de controle espacial com uso de satélites. O material está no Aeroporto de Brasília, são 20 metros cúbicos de equipamentos, computadores sofisticados, para atuarmos juntos, com o serviço do Ibama de sensoriamento remoto, para aprimorar a vigilância. A interação será grande entre Sipam e Ibama.
C&T – Há muitas áreas a serem protegidas por unidades de conservação ainda?
Barros – A questão não é só criá-las, mas mantê-las, dentros dos princípios que determinam o que é uma unidade de conservação. Criar só por um caráter impeditivo para que não haja devastação e não poder gerenciá-las corretamente, acho complicado. Nós planejamos, para esses quatro anos, desde a administração anterior, o concurso para seleção e contratação de dois mil analistas ambientais. Se isso se consolida no nosso governo, afinal nós já contratamos 610, dá para criar outras unidades, se essa for uma prioridade. Mas criar por criar, não aconselho.
C&T – É um desafio então a gestão dessas áreas?
Barros – Com certeza. Precisamos inclusive rever como está o gerenciamento das que existem. Precisamos ver se todas estão sendo acompanhadas corretamente ou se são única e exclusivamente estratégia de ocupação. Então, não é só criar. É como os filhos, que temos que criar levando-os para vida adulta com dignidade, sobrevivendo às adversidades. Assim são as unidades de conservação, são os filhos do Ibama. Ninguém quer criar unidades de conservação problemáticas.
C&T – Tudo isso nos leva a uma temática transversal, que perpassa todos os temas ambientais, a educação ambiental. Sua gestão investirá nisso?
Barros – Veja um programa como o Fome Zero. Se fizermos a transversalidade dele, ou seja, a união de interesses de todos os ministérios e, da nossa parte, colocamos, nesse “front” de combate à fome, a variável educação ambiental, é possível conscientizar e sensibilizar essa parcela de excluídos de que o ambiente e a preservação dele é um dos fatores para que eles saiam da exclusão. Fazendo isso, o ambiente será muito mais preservado. E com empresários que insistem na degradação, a educação é na repressão. Mas para a população de excluídos, é preciso sensibilizar. O PT acredita nisso, e está hoje no poder, com 53 milhões de votos, porque acredita nisso.
C&T – Não seria essencial um programa para educação fundamental?
Barros – Claro. É isso, por exemplo, que o ministro Cristovam Buarque quer, acabar com o analfabetismo. Acabar com o analfabetismo, em si, é um ato heróico, mas não é tudo. Quer dizer, dar seqüência à inclusão social é que é o mais importante. Tem que quebrar aquela força inercial de quem está excluído e a educação tem um papel fundamental nessa formação. Tem que estar “paripassu” em relação a isso. E eu acredito nisso. Acreditei no Partido dos Trabalhadores, há 22 anos. Quando existia apenas uma pessoa que parecia manipular as massas, já estava ali, lutando. Por isso estou aqui, porque não dava para ter acompanhado o nosso presidente desde quando ele nasceu para o movimento sindical e dizer, agora : “toma que o filho é teu, vou ficar aqui na Amazônia, sem maiores incômodos, aqui no meu meio ambiente, com minha família, e agora você toca aí o Brasil”. Não, acho isso aético. Vim para cá, como já disse na minha posse: “pois aqui está minha vida pronta para ser usada. Vida que não se guarda, nem se esquiva. Assustada, vida sempre a serviço da vida”. É com esse espírito que estou aqui. Hoje ganho apenas R$ 280 a mais do que o meu salário no Inpa. É um salário mínimo. Isso mostra que é um sonho mesmo, e mais do que sonho é a responsabilidade, é o amor. São essas coisas que estão um pouco demodê quando a gente fala, é o amor pelo Brasil, é o amor pela Amazônia, é buscar ser coerente, é buscar ser amigo, ser solidário, é acreditar na luta ambiental, é acreditar que isso é um fator que contribui para o desenvolvimento sustentável. São essas coisas, podem estranhar, mas são essas coisas mesmo.
Lana Cristina
——
UJ