Agência Brasil – ABr – O Guarani, título de livro do escritor José de Alencar e da célebre ópera de Carlos Gomes, é sinônimo de Brasil. É também nome de uma tribo quase dizimada após 500 anos da chegada do homem branco à América. A grande nação Guarani, que à época da conquista conglomerava diversos povos, hoje está reduzida a 7 mil pessoas.
Os Guaranis são hoje apenas símbolo da destruição de um povo. Desesperados com as péssimas condições de vida, são levados ao suicídio ou ao abandono de suas tradições, mas não são os únicos. Em outras tribos, o índice de suicídio também é alto e, se teima em ficar vivo, o índio é vítima da violência patrocinada pela chamada “civilização branca”.
A população indígena brasileira, que na época do descobrimento era de cerca de 6 milhões de indivíduos, hoje soma aproximadamente 380 mil pessoas, de 216 etnias. Cerca de 350 mil são pertencem a etnias já identificadas e o restante, estima-se, são grupos que mantêm contatos intermitentes com o homem branco.
Só nos três primeiros meses desse ano, mais de dez índios foram assassinados. Como o Kaingang Leopoldo Crespo, de 77 anos, que no dia 7 de janeiro, foi apedrejado até à morte por um grupo de rapazes, no Rio Grande do Sul. À semelhança de Galdino, o Pataxó queimado vivo por “uma brincadeira” de jovens de Brasília, o índio gaúcho morreu sem chance alguma de defesa. Muitos outros estão desaparecidos.
O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Eduardo Aguiar de Almeida, que assumiu a instituição no início deste ano, lamentou, em entrevista exclusiva à Agência Brasil, que o índio brasileiro ainda enfrente tanto preconceito por parte do homem branco. “Não é possível que em um país de vocação democrática como o nosso, tão pluri-étnico, não assuma sua diversidade e continue a olhar com desprezo o índio”, condenou o presidente.
O reflexo do preconceito está no espaço exíguo que o índio ocupa na vida nacional. Em 500 anos de história, poucos representantes desses povos alcançaram alguma projeção no país, menos ainda são reconhecidos como pessoas de saber em alguma área específica e nenhum ocupou cargo de ministro, governador ou de diplomata.
Eduardo Almeida lembrou que, tão importante quanto a luta contra o preconceito, é manter as terras indígenas livres dos invasores, o que exige trabalho contínuo e demanda um grande esforço para a preservação do domínio indígena sobre elas.
Agora, por exemplo, a reserva dos Cinta-Larga, no limite de Mato Grosso e Rondônia, enfrenta novamente tentativa de invasão de garimpeiros, atraídos pela potencialidade de uma das maiores minas de diamantes do mundo, segundo dados de um levantamento elaborado pela Companhia de Pesquisa e Recursos Minerais (CPRM), do Ministério de Minas e Energia.
O governo federal já retirou mais de cinco mil garimpeiros das três reservas contíguas dessa etnia, em quatro operações mas, continuamente, eles retornam com dragas, dinamite e armamento pesado. Algumas vezes essas invasões ocorrem com a conivência de algumas lideranças indígenas, no intuito de obter pequenas vantagens com a extração de pedras preciosas. Outras, com o uso da força bruta.
Nos últimos anos muitas reservas indígenas foram demarcadas na tentativa de garantir aos nativos os seus direitos e a sua sobrevivência. A Constituição de 1988 reconheceu como Terra Indígena (TI) 101,991 milhões de hectares, o que representa 12% do território brasileiro. Das 589 terras indígenas, então reconhecidas, 230 ainda esperam a demarcação definitiva.
A quase totalidade das áreas que já obtiveram o registro cartorial e inscrição junto à Secretaria de
Patrimônio da União está localizada na Amazônia e a relativa agilidade em todo o processo de reconhecimento contou com recursos do Programa Piloto para Florestas Tropicais do Brasil (PPG-7), elaborado em parceria com o governo dos sete países mais ricos do mundo.
As outras áreas, situadas em regiões mais densamente povoadas do país, se encontram em processo de identificação, delimitação, demarcação, ou homologação. Aguiar de Almeida disse que a Funai tem feito o possível para garantir a posse da terra aos índios, mas admitiu que “os recursos financeiros e humanos são escassos”.
Ele lembrou que um problema adicional na empreitada é a presença de intrusos onde deveriam habitar apenas índios. “Em cerca de 80% dessas áreas há invasores a serem retirados. E como há também muitas construções que foram feitas de boa-fé, é necessário idenizá-las. E ainda há outra questão: muitas etnias reivindicam ampliação de áreas que foram demarcadas de maneira insuficiente, tal como a reserva dos Guarani Kayowa, em Mato Grosso, onde vivem 9.000 pessoas, em 3.500 hectares. É quase uma favela, onde a maioria somente tem moradia, sem espaço para plantar”, explicou.
O presidente da Funai reconheceu que a situação do índio brasileiro continua precária e que, apesar de alguns avanços no reconhecimento de seus direitos, “é ainda bastante preocupante”. Para ele, a questão indígena exige um grande esforço do governo e que, para atender todas as demandas dessas nações, será necessário uma restruturação da própria Funai, “já que seus mecanismos estão muito defasados e deteriorados e, há 17 anos, não vêm sendo feitos quaisquer investimento em recursos humanos”.
Eduardo Aguiar de Almeida acrescentou que toda o arcabouço legal envolvendo a questão indígena precisa ser revisto e que tramita no Congresso Nacional, “de forma bastante lenta”, uma nova legislação para os índios.
Mas, para ele, ainda há espaço para lutar. Como na Conferência Nacional de Política Indigenista, prevista para o segundo semestre deste ano, quando um novo Estatuto do Índio será proposto, “que, inclusive, faz parte dos compromissos de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva”.
Débora Xavier