Ministério Indígena

ISA – Entre 25 e 30/04, cerca de 250 pessoas, a maioria membros de organizações indígenas e indigenistas e lideranças de 54 povos indígenas, estiveram presentes ao Encontro Nacional dos Povos e Organizações Indígenas do Brasil, em Luziânia (GO).

Os debates centraram-se nos caminhos da atual política indigenista, entre os quais os processos de violação de direitos indígenas em relação à homologação de Terras Indígenas, e na formulação de propostas para o futuro próximo, incluindo a reestruturação dos órgãos do Estado brasileiro responsáveis por questões indígenas.

Por considerarem que as questões indígenas correm o risco de continuar sendo tratadas como assunto periférico pelo novo governo, os participantes do encontro incluíram a formação de um Ministério Indígena entre as 24 prioridades listadas em um documento produzido no final do evento e já (na íntegra abaixo) entregue ao presidente Lula e à Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas.

Com caráter temporário até a estruturação do Ministério Indígena, foi prevista a formação de uma Comissão de Política Indigenista, presidida pelo Presidência da República, sem participação do Ministério da Justiça, e composta por 36 representantes indígenas, sete representantes governamentais, dois representantes de organizações indigenistas e um representante da Associação Brasileira de Antropologia (ABA).

O estabelecimento de uma Comissão de Política Indigenista surgiu originalmente como um desdobramento de um Conselho de Política Indigenista desenhado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e previsto no caderno temático Compromisso com os Povos Indígenas no Brasil – parte do programa de governo do Partido dos Trabalhadores (PT). Este conselho teria caráter permanente, com composição de metade mais um de representantes de organizações indígenas e povos indígenas e participação paritária do governo e sociedade civil, cujos membros seriam indicados nominalmente.

Posteriormente, a sugestão sofreu modificações dos participantes do seminário Bases para uma Nova Política Indigenista, organizado pela Confederação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), pela Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme) e pelo Laboratório de Pesquisas em Etnicidade, Cultura e Desenvolvimento (Laced) do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em dezembro de 2002 no Rio de Janeiro (RJ) e das reuniões realizadas nos últimos meses pelo Ministério da Justiça para discutir o tema.

Após as reuniões, o Ministério da Justiça havia optado pela criação de uma Comissão de Política Indigenista temporária, voltada à criação de um conselho permanente, que contaria com sete representantes governamentais, 13 representantes indígenas, dois representantes de organizações indigenistas, um representante de instituições de pesquisa e um representante da Associação Brasileira de Antropologia (ABA).

Com as novas modificações sugeridas pelos participantes do Encontro Nacional dos Povos e Organizações Indígenas do Brasil, o assunto deve voltar a ser debatido pelo governo.

Documento Final do Encontro Nacional dos Povos e Organizações Indígenas do Brasil

Nós, lideranças indígenas de 54 povos de todas as regiões do país, reunidas no Encontro Nacional dos Povos e Organizações Indígenas do Brasil com 250 participantes, no Centro de Formação Vicente Cañas, Luziânia/GO, nos dias 25 a 30 de abril de 2003, discutimos, a partir da realidade concreta de nossas comunidades, a política indigenista que queremos.

Estamos profundamente preocupados com a escalada da violência contra os nossos povos que nesse início de ano já resultou no assassinato de 07 índios em decorrência da falta de garantia dos nossos territórios e devido ao preconceito.

Após quatro meses do governo eleito onde a esperança venceu o medo, estamos surpresos com a falta de definição da política indigenista e do protelamento injustificado das homologações das Terras Indígenas. A apreciação da demarcação pelo Conselho de Segurança Nacional constitui uma flagrante ilegalidade. Constatamos que a violência contra nossos povos está aumentando, devido a incapacidade do governo em garantir o nosso direito histórico sobre as terras que tradicionalmente ocupamos.

Não aceitamos a sobreposição de Unidades de Conservação nas terras indígenas, pois confrontam com nosso direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e criam enormes transtornos para as nossas comunidades.

Esperamos que, após longos anos de luta do movimento indígena, finalmente se garantam políticas públicas de educação, saúde e autosustentação específicas e diferenciadas que possibilitem o respeito a diversidade étnica e cultural e os recursos necessários para a sua implementação.

Rejeitamos enfaticamente a PEC nº 38 do Senador Mozarildo Cavalcanti/RR que limita o tamanho das terras indígenas por Estado e elimina o direito originário sobre as nossas terras tradicionalmente ocupadas. Condenamos igualmente as outras Propostas de Emenda Constitucional e Projetos de Lei que pretendem restringir nossos direitos conquistados e possibilitar que terceiros explorem os recursos naturais de nossas terras.

Queremos, com ampla discussão dos povos e organizações indígenas, a aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas, para que o mesmo fortaleça nossos direitos e atenda as nossas necessidades.

Reconhecemos como de grande importância a iniciativa da criação da Frente Parlamentar de Defesa dos Direitos Indígenas e contamos com a mesma para a aprovação das propostas articuladas do movimento indígena.

Considerando essa situação propomos:

1. A criação da Comissão de Política indigenista para formular a política do Estado Brasileiro baseada em um amplo processo de participação indígena, de caráter temporário, até a criação do Ministério Indígena.

2. A criação do Ministério Indígena para fortalecer as políticas públicas, que assegurem os nossos direitos históricos e constitucionais e que possa responder as demandas concretas de nossos povos.

3. A imediata homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol e de todas as demais que aguardam o Decreto homologatório do Presidente da República.

4. A punição dos assassinos de nossas lideranças (Aldo da Silva Mota – Macuxi/RR; Leopoldo Crespo – Kaingang/RS; Marcos Veron – Guarani-Kaiowá/MS; Adenilson Barbosa Xucuru/PE; Joseilton José Atikum/PE; João Batista Truká/PE; Roberto Batista Truká/PE, Cacique Joaquim Xavante/MT, e Raimundo Silvino Shawanawá/AC e uma ação prioritária para a solução dos problemas que afetam os povos Xuxuru de Ororubá/PE, Tuxá/BA, Pataxó Hã-Hã-Hãe/BA, Pataxó/BA, Cinta Larga/RO, e os povos da terra indígena Raposa Serra Sol.

5. A retirada imediata dos invasores da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau e Karipuna em Rondônia, e Guajajara no Maranhão que estão sendo invadidas por madeireiros e posseiros.

6. A agilização de GTs para identificação e delimitação das terras indígenas.

7. O reconhecimento dos povos indígenas ressurgidos e a demarcação de suas terras.

8. A imediata desintrusão das terras indígenas tradicionalmente ocupadas para assegurar o nosso direito e erradicar a violência.

9. Que medidas urgentes sejam tomadas para embargar todas as hidrelétricas que atingem a Terra Indígena Rio Branco no município de Alta Floresta/RO, pois ameaçam a sobrevivência física e cultural dos indígenas atingidos, a exemplo do que aconteceu com os Tuxá da Bahia.

10. Garantia de acordo com o artigo 231 da Constituição Federal, que os recursos naturais sejam de usufruto exclusivo das comunidades indígenas, impedindo a exploração de terceiros.

11. A revogação do Decreto 1775/96 que restringe nossos direitos sobre a terra e do decreto 4.412/02, flagrantemente inconstitucional, que dispõe sobre o trânsito dos militares e da Polícia Federal nas terras indígenas.

12. A aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas pelo Congresso Nacional.

13. A revogação das Unidades de Conservação incidentes nas terras indígenas

14. Garantia dos recursos financeiros específicos no PPA (Plano Plurianual –2004 – 2007) para demarcação e proteção das terras, saúde, educação e autosustentação de nossos povos.

15. A realização da Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena.

16. A criação da Secretaria Nacional de Educação Escolar Indígena no âmbito do MEC.

17. A garantia de um representante indígena na Câmara Superior, do Conselho Nacional de Educação.

18. A garantia da participação de indígenas nas equipes técnicas, nos Departamentos que tratam da Educação Escolar Indígena, no MEC e nas secretarias de Estados

19. Autonomia administrativa e financeira dos DSEIs, garantindo a competência federal e fazendo valer as resoluções da III Conferência Nacional de Saúde.

20. A garantia de 04 representantes indígenas no Conselho Nacional de Saúde.

21. A garantia de participação de indígenas nos cargos de direção dos DSEIs.

22. A exoneração do coordenador do DESAI (Departamento de Saúde Indígena da Funasa)

23. Criação das condições necessárias para o fortalecimento do controle social das políticas públicas voltadas para nossos povos.

24. A elaboração de uma política específica para a autosustentação de nossas comunidades, através da formulação de programas que contemplem a proteção e recuperação ambiental de nossas terras, o apoio as economias indígenas e a certificação dos nossos produtos.

“Pedimos que tenham mais respeito pelo nosso jeito de ser, que é como nós queremos continuar sendo”. (Augusto Kaingang cacique da Aldeia Irai/RS)

Luziânia – GO, 30 de abril de 2003.

Fernando Vianna e Cristiane Fontes, 05/05/2003.

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