ONG avalia positivamente relação de governo com quilombos

ISA – Iniciativas recentes do governo Lula abrem a perspectiva de um melhor relacionamento entre as comunidades remanescentes de quilombos e o Estado brasileiro, e de respeito efetivo a seus direitos constitucionais. Merece destaque a edição do Decreto s/nº, de 13/05/2003, que institui um Grupo de Trabalho (GT) com a finalidade de rever as disposições contidas no Decreto nº 3.912/01. Esta norma define as diretrizes para o reconhecimento, a delimitação, a demarcação, a titulação e o registro imobiliário das terras remanescentes de quilombos, designando como instituição responsável por esses procedimentos a Fundação Cultural Palmares.

“A Palmares não tem infra-estrutura, equipe ou recursos para cuidar da questão fundiária quilombola”, afirma Ivo Fonseca, coordenador da Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Maranhão (Aconeruq) e integrante da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Rurais Quilombolas (Conaq). “Desde 1993 reivindicávamos do governo a regulamentação do artigo 68 e tínhamos propostas a esse respeito. Mas, para ganhar visibilidade, o governo FHC decidiu lançar o Decreto 3.912/01 e atropelou nossa discussão”. O Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias define que “aos remanescente das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o estado emitir-lhes os títulos respectivos”.

Ao propor a criação do Grupo de Trabalho, o governo Lula marcou sua posição. “O Decreto 3.912 deve ser revogado. A missão originária da Fundação Palmares, estabelecida pela Constituição de 1988, é de fomento à cultura e não de regularização fundiária, que é uma atribuição do Incra”, afirma a ministra Matilde Ribeiro, da recém-criada Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Sepir). Para ela, o trabalho feito até aqui é muito reduzido, já que das cerca de 2.000 comunidades quilombolas existentes no Brasil, apenas 29 têm suas terras tituladas.

Com a nova regulamentação que será proposta pelo GT, o reconhecimento e titulação das terras quilombolas deve voltar a ser feito pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforama Agrária (Incra).


O Grupo de Trabalho

Espera-se que até a semana que vem estejam definidos os nomes dos integrantes do conselho, que será formado por um representante titular e um suplente da Casa Civil; dos Ministérios da Justiça, da Defesa, da Educação, do Trabalho e Emprego, da Saúde, do Planejamento, da Cultura, do Meio Ambiente, do Desenvolvimento Agrário, e da Assistência e Promoção Social; do Gabinete do Ministro de Estado Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome; da Advocacia Geral da União; da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Também farão parte do GT três representantes titulares e suplentes dos remanescentes das comunidades de quilombos, que serão designados pela Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.

Além de rever o Decreto 3.912/01, o GT deverá sugerir medidas para o desenvolvimento das áreas já reconhecidas e tituladas pela Fundação Palmares e pelo Incra, e para assegurar a identidade cultural e o desenvolvimento sustentável das comunidades quilombolas. O GT tem um prazo de 60 dias, a partir de sua primeira reunião, para concluir seus trabalhos, que serão coordenados pela Casa Civil da Presidência e pela Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Sepir). “Durante o processo de funcionamento do GT será possível criar fóruns de debates para ouvir parlamentares, representantes quilombolas e organizações da sociedade civil, de modo a garantir a absorção de discussões já existentes”.


Base de Alcântara

Ivo Fonseca, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Rurais Quilombolas, lembrou que as comunidades quilombolas têm outra razão para comemorar: a iniciativa do governo de retirar do Congresso Nacional o acordo que concede aos Estados Unidos o direito de uso da base militar aeroespacial de Alcântara, no Maranhão. A decisão, que ainda aguarda uma mensagem presidencial para ser oficializada, foi anunciada pelo líder do governo na Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo (PCdoB-SP) em 24/04.

Se fosse aprovado, o projeto levaria ao deslocamento forçado de inúmeras famílias quilombolas que vivem nos arredores da base para outras regiões, para que a infra-estrutura de operação fosse ampliada e por razões de segurança. A medida representava uma ameaça à própria sobrevivência das comunidades locais, já que seu sustento e identidade cultural dependem do ambiente que ocupam.

Apesar disso, a questão quilombola não teve grande atenção na discussão sobre Alcântara. O principal motivo para se retirar o acordo da pauta do Congresso, segundo comunicado do deputado Aldo Rebelo, foi a existência de dispositivos como a exigência de autorização dos norte-americanos para o acesso de militares, cientistas e auditores fiscais brasileiros à Base de Alcântara; e a proibição de investimento dos recursos financeiros obtidos com o aluguel da base no programa espacial brasileiro.


Saúde quilombola

A outra novidade na relação entre os quilombolas e o Estado brasileiro diz respeito ao atendimento de saúde às comunidades. O Ministério da Saúde (MS), seu órgão executor – a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) – , e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) estão discutindo a possibilidade de se criar uma infra-estrutura de atendimento à saúde específica para as comunidades quilombolas.

A iniciativa aconteceu depois que uma equipe da Fiocruz realizou em março, uma expedição à região do Baixo Amazonas, no Pará, onde visitou seis comunidades quilombolas e constatou um quadro gravíssimo de condições de saúde. “O dado mais alarmante diz respeito à des nutrição, que em alguns casos é semelhante à situação de tribos africanas”, relatou Luciano Toledo, um dos diretores da Fiocruz em Manaus (AM). Um relatório com os resultados da expedição foi encaminhado ao MS, à Funasa e ao Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CNSA).

Como conseqüência, as seis comunidades foram incluídas no programa Fome Zero e a Fiocruz enviou medicamentos emergenciais para a região. De sua parte, o MS deu início à discussão sobre implementação de um sistema de atendimento à saúde para aprimorar o acesso e a qualidade dos serviços de saúde para as comunidades quilombolas. A primeira reunião a respeito aconteceu em 30/04, quando especulou-se até a possibilidade de criação de Distritos Sanitários Especiais, a exemplo do modelo que já existe para as populações indígenas, conforme relata Luciano Toledo. A discussão está ainda em fase inicial, mas nessa primeira reunião já foi definido que as comunidades quilombolas terão tratamento prioritário do Ministério da Saúde e que todas os quilombos do Baixo Amazonas que foram atingidos por barragens serão incluídos imediatamente no Programa Fome Zero do governo federal.

Ricardo Barretto

 

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