Programa Regional Indígena do Amazonas

ISA – Depois de dois dias de oficina patrocinada pela Fundação Estadual de Política Indigenista do Amazonas (FEPI) e realizada em parceria com a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), 30 lideranças indígenas da região do alto e médio Rio Negro aprovaram documento com recomendações ao governo estadual (veja documento na íntegra abaixo), no âmbito do Programa Regional de Desenvolvimento Indígena Sustentável do Rio Negro.

As linhas gerais do Programa Regional de Desenvolvimento Indígena Sustentável do Rio Negro, dirigido originalmente ao Governo Lula, foram formuladas e aprovadas por uma Assembléia Geral da Foirn no final de 2002. A oficina promovida pela FEPI em São Gabriel da Cachoeira, encerrada hoje (29/05) na maloca da Foirn, faz parte de uma série de eventos semelhantes em várias sub-regiões do Estado do Amazonas, como etapa preliminar de mapeamento de propostas e demandas dos povos indígenas ao governo do Amazonas, as quais serão consolidadas em uma proposta articulada a ser levada ao governador Eduardo Braga no final de julho.

Como parte de uma nova atitude em relação aos povos indígenas, considerados parceiros potenciais de um programa de desenvolvimento sustentável do interior denominado “Zona Franca Verde”, o governador Eduardo Braga entregou a direção da FEPI a uma liderança indígena rionegrina, Bonifácio José Baniwa. Em reunião com os prefeitos do Estado, ocorrida recentemente em Coari, o governador chamou a atenção dos prefeitos que ainda continuam tratando os índios baseados em conceitos do século XIX.

No encerramento da oficina, os participantes receberam a visita do deputado Luis Castro, Secretário de Produção do Amazonas, que estava acompanhado de alguns técnicos, entre eles Amilton Gadelha, ex-prefeito de S. Gabriel e atual assessor do Secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do estado, o engenheiro florestal Virgílio Viana. O ISA e a Foirn aproveitaram para lançar o mapa-fôlder que elaboraram em 2002 com apoio do Ministério do Meio Ambiente com os resultados do macrozoneamento participativo das terras indígenas do alto e médio Rio Negro.

Beto Ricardo


Proposta dos povos indígenas do Rio Negro ao Governo do Amazonas

Prezado governador Eduardo Braga

Inicialmente gostaríamos de manifestar nossa satisfação pela iniciativa do Governo do Amazonas abrir uma possibilidade de diálogo, através da FEPI e pela disposição do senhor para receber e considerar as nossas propostas e recomendações.

Aqui no alto e médio Rio Negro vivem 23 povos indígenas diferentes, que somam pelo menos 35 mil pessoas e constituem a grande maioria da população. Representamos cerca de 10 % da diversidade e da população indígena atual do Brasil e ocupamos tradicionalmente uma parte significativa do território do Estado do Amazonas (cerca de 7%). Estamos organizados em comunidades e 49 associações, formando uma Federação. Boa parte das nossas terras – cerca de onze milhões de hectares – já foi reconhecida e demarcada pelo governo federal, como determina a Constituição de 1988. Outras terras indígenas na bacia do Rio Negro estão em processo de reconhecimento pelo governo federal. Mas o Brasil não está preparado para conversar conosco, respeitar nossos direitos coletivos, escutar as nossas línguas e as nossas visões e propostas para o futuro. Ao contrário, o velho Brasil se preparou para integrar e assimilar os povos indígenas do Rio Negro, reprimindo nossas culturas, reduzindo nossos direitos e tentando colonizar nossas terras. As relações com o governo do Amazonas e com as prefeituras locais não têm sido diferentes.

Nós não aceitamos esse rumo e depois de 15 anos de luta da FOIRN (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro), já tivemos algum reconhecimento dos nossos direitos e já temos algumas soluções para resolver os principais problemas que nos afetam, mas muita coisa precisa melhorar rapidamente. Não adianta apenas uma demarcação no papel e algumas boas ações isoladas das políticas públicas. As nossas terras estão situadas em vários municípios, cujo poder está controlado por setores que não reconhecem nossos direitos e fica muito difícil coordenar os recursos das políticas públicas federais e estaduais que passam pelo canal da municipalização.

Assim sendo, a nossa proposta principal é que o governo do Amazonas e o governo federal criem as condições institucionais para conversar conosco de maneira adequada, para apoiar o que nós chamamos de PROGRAMA REGIONAL DE DESENVOLVIMENTO INDÍGENA SUSTENTAVEL DO RIO NEGRO (PRDIS-RN).

Este programa deveria reunir um conjunto de ações integradas, sejam das políticas públicas federais e estaduais, sejam das demais parcerias não-governamentais, de forma a construir e implementar um tipo de desenvolvimento que tenha o nosso jeito de ser e de trabalhar e que valorize a nossa diversidade e os nossos conhecimentos e garanta um novo patamar de bem estar para as nossas comunidades . Não queremos apenas um programa com os nossos assuntos e algumas das nossas palavras, mas um programa que seja executado de acordo com as nossas determinações e prioridades, valorizando o nosso controle social e a nossa participação direta na sua execução.

Em relação ao PRDIS-RN gostaríamos que o Governo do Amazonas considerasse as seguintes propostas:

1. valorizar as demarcações das terras indígenas, incluindo informações em todos os materiais oficiais de divulgação, considerando-as adequadamente no zoneamento ecológico-econômico do estado e viabilizando a participação do IPAAM de forma integrada com a rede de proteção e fiscalização das instituições federais, especialmente para as áreas de entorno das terras demarcadas.

2. desistir definitivamente da ação judicial no STF (Recurso em Mandado de Segurança n º 22.913) contra as demarcações das terras indígenas Rio Téa e Médio Rio Negro I .

3. criar um programa de formação continuada de agentes indígenas de saúde, com a valorização da medicina tradicional e assumir as responsabilidades na manutenção e funcionamento dos hospitais de Iauaretê, Pari-Cachoeira e Assunção do Içana, assim como implantar uma rede de saneamento básico e tratamento de lixo em Iauaretê.

4. desenvolver programas para que as nossas tradições culturais sejam valorizadas e tenham espaço na agenda cultural do estado, com linhas de apoio para o registro, formação e gerenciamento de acervos próprios, bem como a construção de espaços públicos adequados para as nossas manifestações culturais nas cidades de S. Gabriel da Cachoeira, S. Isabel e Barcelos. Seria desejável o estabelecimento de parcerias com o Ministério da Cultura.

5. valorizar as experiências-piloto de escolas indígenas autônomas da nossa região, reconhecendo e apoiando as escolas Pamaáli Baniwa-Coripaco, Escola Indígena Utapinopona Tuyuka e o Centro de Revitalização Tariana – e outras escolas indígenas desse tipo que venham a ser criadas – com recursos para manutenção e produção de material didático; criar os sub-sistemas de ensino indígena no sistema estadual; criar programas de ensino técnico-profissionalizante no ensino fundamental e médio nas áreas de interesse das comunidades (por exemplo, piscicultura, manejo agroflorestal, educação e vigilância ambiental, enfermagem, odontologia, arte e artesanato, gestão e administração);

6. criar um programa de bibliotecas para as escolas indígenas, articulado com oficinas de produção de materiais didáticos nas línguas indígenas.

7. iniciar a implantação de cursos superiores voltados para as áreas temáticas de interesse das comunidades indígenas.

8. instar o poder municipal a destinar os recursos da merenda escolar para a gestão direta das associações de pais e mestres das escolas indígenas.
9. acompanhar, através da FEPI, o processo de redefinição e reestruturação da Escola Agrotécnica Federal de S. Gabriel da Cachoeira.

10. apoiar a nossa proposta para que o SEBRAE nacional faça um programa especial de apoio para povos indígenas, começando por implantar em 2003 um processo de planejamento participativo em Iauareté, através da adaptação da metodologia DLIS (Desenvolvimento Local Integrado, INDÍGENA e Sustentável) .

11. criar, através do IDAM/AFEAM , uma linha especial de apoio aos povos indígenas do Rio Negro, valorizando a nossa agrobiodiversidade e nossas formas de manejo dos recursos da floresta, criando uma linha de crédito e apoio de infraestrutura para a segurança alimentar e a comercialização da nossa produção. Queremos transporte e mercados indígenas livres nas cidades regionais.

12. apoiar e financiar a construção do Centro de Capacitação e Comercialização da FOIRN na cidade de S. Gabriel da Cachoeira, com base no terreno e projeto de arquitetura já existentes.

13. apoiar a instalação de energia no entreposto comercial da OIBI (Organização Indígena do Içana) na cidade S. Gabriel da Cachoeira, ponto de apoio importante para o gerenciamento do projeto Arte Baniwa e outros produtos.

14. estabelecer uma parceria, através da Secretaria de Pesca do AM, com as organizações que vêm desenvolvendo um projeto-piloto pioneiro de piscicultura e manejo de recursos pesqueiros na Terra Indígena do Alto Rio Negro, a saber: FOIRN/ISA/ATRIART/COIDI/OIBI, com apoio do CEPTA/IBAMA.

15. criar postos permanentes do PAC (Pronto Atendimento ao Cidadão) nas sedes municipais do Rio Negro e em Iauaretê e ampliar os serviços itinerantes de documentação, contribuindo dessa forma com o Balcão da Cidadania Indígena do Rio Negro, que a FOIRN vem mantendo em parceria com o Ministério da Justiça, o qual tem permitido que as pessoas das nossas comunidades mais remotas tenham acesso à documentação básica e às informações sobre seus direitos.

16. articular uma parceria com a OAB-AM para viabilizar a instalação de defensorias públicas para a região do Rio Negro.

17. apoiar, em cooperação com o Ministério das Relações Exteriores, as nossas iniciativas de intercâmbio cultural e técnico com nossos parentes e contrapartes da Colômbia e Venezuela.

18. instar as empresas de telecomunicações para que instalem telefones públicos em todas as comunidades.

19. apoiar um programa de energia solar e outras formas alternativas com baixo impacto ambiental para todas as comunidades, especialmente para os edifícios de uso comum, como escolas, centro comunitários e de saúde.

Foirn – Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro –
S. Gabriel da Cachoeira, 29 de maio de 2003

 

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