Agência Brasil – ABr – A idéia de aproveitar água de solos profundos no semi-árido nordestino para consumo humano, uso agrícola e armazenamento em tanques de produção de peixes reuniu três institutos de pesquisa, o Centro de Tecnologia Mineral (Cetem), o Observatório Nacional (ON) e o Instituto de Radioproteção e Dosimetria (IRB). Foram escolhidas duas áreas como piloto para avaliar tecnologias de perfuração de poços, de dessalinizadores, de purificação da água e de criação de peixes, a Lagoa Real, na Bahia, e Guaribas, no Piauí.
Autor e coordenador do projeto, o engenheiro de minas e diretor do Cetem, Gildo de Sá Albuquerque, acredita que, quando ficar comprovada a eficácia do sistema, a tecnologia poderá ser repassada para prefeituras de municípios que sofrem com a carência de água. “Será fonte de renda e fonte de proteína para essas populações”, observa o pesquisador que vê na última fase do projeto, onde haverá produção de peixes, uma perfeita conjunção com o programa Fome Zero. Estudos de prospecção foram realizados nas duas regiões. O ON fez levantamentos geofísicos para avaliar a profundidade necessária para perfuração. O IRB, com um radioisótopo, calculou a capacidade de recarga das águas subterrâneas, os chamados aquíferos ou lençóis freáticos.
O próximo passo será a implantação do projeto nas áreas-piloto. Para isso, em julho, será feito pedido de financiamento junto ao ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), no âmbito do Instituto Semi-Árido. O custo dos estudos preliminares foi absorvido pelos próprios centros de pesquisa envolvidos no projeto, mas o gasto maior está previsto para a próxima fase. Só a perfuração de um poço deve ficar em torno de R$ 300 mil. É que, em rochas duras, encontra-se água em profundidades superiores a 100 metros, até 300 metros, segundo Albuquerque. “O preço do metro é de R$ 1.000”, informa.
A formação rochosa de Lagoa Real é de cristalino, uma estrutura que confere à água alto índice de sais. Os componentes da rocha vão sendo dissolvidos e tornam a água salobra. Por isso, pesquisadores do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) entraram como parceiros no projeto, aperfeiçoando o sistema de membranas, que funcionam como filtros para retirada do sal. É que as membranas encontradas no mercado recuperam apenas parte da água típica de rochas cristalinas, devido o alto teor de sais. “Chega-se a perder metade da água na filtragem, daí a necessidade de aumentar a eficiência”, conta Albuquerque.
Mesmo assim, calcula ele, haverá um percentual de água não aproveitável para consumo humano e esse excedente terá que ser descartado. Para não desperdiçar a água salobra, a idéia é preparar depósitos em cavidades que já foram usadas para atividades de mineração e que estão abandonadas. Essas áreas se transformarão em verdadeiros tanques de reprodução de peixes, desde que impermeabilizados. “Ali, seriam criados peixes de água salgada, obviamente” observa. A unidade da Embrapa, de Petrolina, será outra parceira e repassará a tecnologia para reprodução e criação de peixes, já na fase final do projeto.
O sal separado da água filtrada servirá de alimento para bodes. Antes, no entanto, terão que separar o magnésio, componente dos sais de rochas cristalinas que pode afetar as fêmeas por ser abortivo. De acordo com Albuquerque, o Cetem domina essa tecnologia. A água purificada, segundo o diretor do centro, pode ser usada na irrigação e inclusive ser bebida.
A característica do solo na região de Guaribas é diferente e o projeto ali se desenvolverá para, inclusive, servir de comparativo com o de Lagoa Real. A rocha de Guaribas é sedimentar e, por isso, a água sairá quase pura, não necessitando de processos complexos de filtragem. “O município foi escolhido, em primeiro lugar, por ser região muito castigada pela seca, como Lagoa Real. Mas as condições de solos diferenciadas nos darão um bom parâmetro para estudar tecnologias distintas que serão aplicáveis a cada caso”, justifica Albuquerque. Ali, como a água tem índices bem menores de sais, ele conta que poderiam ser introduzidos nos tanques peixes de água doce.
Outros estudos serão desenvolvidos paralelamente, como, por exemplo, a viabilidade de utilizar como matriz energética a luz solar. Isso dependerá das condições operacionais do local onde o projeto for instalado. Outra investigação é sobre a possibilidade de contaminação de urânio na região de Lagoa Real, onde funciona uma fábrica do mineral da Indústrias Nucleares do Brasil (INB). A própria empresa se interessou em colaborar com a iniciativa, nesse sentido. “À medida que o projeto estiver se dando na prática, as demandas surgirão e isso será muito positivo, inclusive para a valorização da tecnologia nacional. Veja o exemplo do Instituto de Química da UFRJ que trabalha no aperfeiçoamento das membranas. Eles são especialistas nisso e terão oportunidade de por em prática o que fazem e ainda abrirão campo para produção de membranas e dessalinizadores no Brasil”, observa.
Lana Cristina