Senadores enviam carta a Lula

Rota Brasil Oeste – Escrito em 28 de maio, o texto abaixo é assinado por 23 senadores que apóiam o governo petista. O ofício lembra diversos episódios que estão assustando as comunidades indígenas.  Cita, por exemplo, que “o número de homicídios e de desaparecidos entre os indígenas nos cinco primeiros meses deste ano supera o número de casos ocorridos em todo o ano de 2002”.

Além disso, a carta tem como objetivo sensibilizar o presidente para a questão num momento em que o Senado está prestes a votar o PEC 38. Segundo os senadores, a aprovação de tal lei “contribui sobremaneira para o agravamento da violência crescente (…)”. 

Apesar dos preocupantes dados relacionados à questão indígena desde o início de seu mandato, a expectativa é que o presidente Luis Inácio Lula da Silva siga as palavras que usou em seu discurso de posse quando citou a “defesa das populações indígenas e minorias” entre as prioridades de seu governo.

Saiba mais sobre o PEC 38

Leia íntegra da carta:

“Ofício n.º 048/2003 – GLDBAG Brasília, 28 de maio de 2003

A Sua Excelência o Senhor
Luís Inácio da Silva
Presidente da República
Brasília – DF
NESTA

Senhor Presidente,

Vimos por meio deste solicitar a especial atenção de Vossa Excelência para com a questão indígena. Preocupa-nos, sobremaneira, a situação das populações indígenas brasileiras, cujos direitos, reconhecidos pela Constituição Federal, vêm sendo sistematicamente desrespeitados, desde a sua promulgação. Em razão desta realidade, é bastante duro o conteúdo da Carta em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, firmada na data de 18 de março de 2003, por ocasião do Seminário Respeito aos Povos Indígenas, realizado no Auditório da Procuradoria Geral da República, e do Documento Final do Encontro Nacional dos Povos e Organizações Indígenas do Brasil, firmado em 30 de abril de 2003. Da mesma forma, a Carta do Conselho Indigenista da FUNAI ao Presidente Lula, de 24 de abril de 2003, alerta para os graves problemas decorrentes da não homologação de áreas indígenas.

Some-se a este quadro a previsão de votação, para o próximo dia 11 de junho, da Proposta de Emenda Constitucional nº 38, de 1999, de autoria do Senador Mozarildo Cavancanti (PPS-RR); a divulgação de Anteprojeto procedente do Gabinete de Segurança Institucional, que propõe alterar o Decreto 1775, de 08 de janeiro de 1996, incorporando ao Conselho de Defesa Nacional – CDN a consulta no processo administrativo de demarcação das terras indígenas; e a não publicação do Decreto de criação da Comissão de Política Indigenista.

Como sabemos, a Constituição de 1988 estabelece, em seu Art. 231, o reconhecimento aos direitos originários sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, fixando a responsabilidade da União em demarcá-las, ato administrativo de explicitação de seus limites. A Constituição de 1988 reconheceu, ainda, o direito à diferença cultural, fundamento de um Estado pluriétnico, e o caráter multicultural da Nação brasileira, bases para uma sociedade mais justa e para o efetivo Estado democrático de direito. Tais direitos, essenciais para a construção da cidadania dos povos indígenas do Brasil, estão intrinsecamente relacionados com a demarcação e a garantia de suas terras.

A não demarcação administrativa das terras indígenas contribui sobremaneira para o agravamento da violência crescente que, lamentavelmente, se verifica nas terras indígenas, vitimando lideranças e membros de suas comunidades. A situação é alarmante, uma vez que o número de homicídios e de desaparecidos entre os indígenas nos cinco primeiros meses deste ano supera o número de casos ocorridos em todo o ano de 2002. Destaque-se ainda a repercussão negativa, para a política externa que o novo Governo pretende estabelecer, dos questionamentos, em nível internacional, decorrentes de episódios como o que envolveu a leitura do Documento apresentado pela senhora Azelene Kaingang, do Instituto Warã, como subsídio para a representação indígena brasileira presente na 2ª Sessão do Fórum Permanente sobre Questões Indígenas da ONU, realizada em Nova York, no último dia 15 de maio.

A existência de fazendas produtivas no interior de áreas indígenas, o surgimento de tensões sociais decorrentes das medidas demarcatórias ou a imposição de dificuldades ao desenvolvimento econômico dos estados pela insuficiência de seus territórios não representam fundamento para se imporem obstáculos à demarcação das terras das populações indígenas.

Ao contrário, verificadas as condições para a caracterização da natureza de terra tradicionalmente ocupada pelos índios, conforme disciplina o § 1° do art. 231, evidencia-se a posse indígena assegurada pelo § 2°, que prevalece contra qualquer outra. Tal posse prepondera, inclusive, à de portadores de alegados títulos de propriedade, por força das disposições do § 6°, que declara nulos, extintos e incapazes de produzir efeitos jurídicos os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. Não devemos, Senhor Presidente, admitir a subversão da ordem jurídica e da natureza das coisas, fazendo prevalecer questão de caráter patrimonial sobre o próprio direito à vida.

Cabe lembrar que, para os índios, a terra transcende seu aspecto meramente patrimonial. Representa condição imanente à vida desses povos, por ser indispensável à existência física e cultural de suas gerações presentes e futuras. Trata-se de vida não apenas biológica, mas em suas múltiplas referências, pois, além da sobrevivência física de cada membro da comunidade, busca-se garantir a sobrevivência de grupos étnicos diferenciados e de seus respectivos sistemas culturais.

É, pois, no intuito de buscarmos juntos uma posição transparente, que contribua decisivamente para a eliminação das ameaças que cercam os direitos dos Povos Indígenas, que encarecemos a Vossa Excelência que todos os esforços sejam empreendidos no sentido de garantir e agilizar a criação da Comissão de Política Indigenista, e a imediata homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, bem como de todas as demais que aguardam o Decreto homologatório do Presidente da República. Os compromissos historicamente firmados pelo Partido dos Trabalhadores ao longo de sua história com os índios brasileiros tornam-nos hoje depositários de sua única, senão última esperança de verem protegidos e assegurados seus direitos fundamentais, sua cidadania e sua dignidade. Ao tomar para si essa responsabilidade o atual Governo estará dando um passo decisivo para mudar o quadro histórico de abandono e descaso em que vivem nossas populações indígenas e estabelecer, de fato, a tão ansiada política indigenista brasileira.

Certos de contar com seu efetivo apoio e reconhecida sensibilidade, aproveitamos a oportunidade para renovar-lhe nossos protestos de elevada estima e consideração.

Atenciosamente,

Senador Tião Viana
Líder do Pt e do Bloco de Apoio ao Governo

Senador Aloizio Mercadante
Líder do Governo

Senador Sibá Machado
Senadora Serys Slhessarenko
Senadora Ana Júlia Carepa
Senador Aelton Freitas
Senador Delcídio Amaral
Senador Magno Malta
Senador Eduardo Suplicy
Senador Marcelo Crivella
Senador Eurípedes Camargo
Senador Duciomar Costa
Senadora Fátima Cleide
Senador Fernando Bezerra
Senador Flávio Arns
Senador Sérgio Zambiasi
Senadora Heloísa Helena
Senador Antônio Carlos Valadares
Senadora Ideli Salvatti
Senador Geraldo Mesquita Júnior
Senador Paulo Paim
Senador João Capiberibe
Senador Roberto Saturnino”

(Carta divulgada pelo Instituto Sócio Ambiental)

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