ISA – De 07 a 15 de julho, o Comitê Intergovernamental da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Ompi), organismo da ONU, realizou a V Sessão em Genebra, na Suíça. O tema da reunião, que contou com delegações dos 179 países-membros da ONU, foi a proteção do folclore, dos conhecimentos tradicionais e da biodiversidade. Na delegação oficial brasileira estavam: Leonardo de Athayde, da missão do Brasil em Genebra; Vanessa Dolce de Faria, da Divisão de Propriedade Intelectual do Itamaraty, Vilmar Guarany, da Coordenação Geral de Defesa dos Direitos Indígenas (CGDDI) da Fundação Nacional do Índio (Funai), e o advogado Paulo Celso de Oliveira – Pankararu, representando o Warã Instituto Indígena Brasileiro.
Foram apresentados documentos elaborados pelo Comitê Intergovernamental e países-membros sobre os sistemas nacionais de proteção dos conhecimentos tradicionais e da biodiversidade, banco de dados para registros dos conhecimentos tradicionais e a participação indígena no comitê. Como o mandato do atual comitê estava se encerrando nesta V Sessão, o principal tema de debate acabou girando em torno de sua continuidade ou não. Ao final,a decisão foi postergada, transferida para a Assembléia Geral da Ompi, a ser realizada em setembro deste ano.
Elogios e críticas
O Brasil, que coordenou o bloco de países da América Latina e Caribe, apresentou significativas contribuições para a proteção dos direitos indígenas. A delegação brasileira elogiou o comitê pela produção e organização dos documentos apresentados, mas protestou porque não foram traduzidos do inglês para o espanhol, dificultando a leitura para os povos indígenas. Criticou ainda a sugestão de se criar bancos de dados, argumentando que isso geraria ônus para as comunidades indígenas e defendeu a obrigatoriedade de que produtos ou processos realizados a partir de conhecimentos tradicionais indígenas tenham identificação da origem. Desta forma, pode-se fazer o controle do acesso aos conhecimentos tradicionais e aplicar cláusulas contratuais que determinem a repartição de benefícios junto às comunidades indígenas.
A discussão sobre continuidade ou não do Comitê Intergovernamental obedeceu a lógica da divisão entre países ricos e em desenvolvimento. Os Estados Unidos e os países europeus estavam inclinados à continuidade, especificamente para seguir realizando estudos e debates sobre os mecanismos de proteção dos conhecimentos tradicionais, da biodiversidade e folclore a partir das legislações nacionais. Já os países africanos pretendiam que se instaurasse a negociação de um instrumento internacional de proteção dos conhecimentos tradicionais por meio de um sistema específico.
A posição brasileira era mais conciliadora, considerando ser necessário encaminhar a discussão para a criação de um instrumento internacional de proteção a esses conhecimentos. Antes, porém, defendeu que o Comitê Intergovernamental deveria criar as condições básicas para que se iniciasse a discussão de tal instrumento, admitindo também a continuidade dos estudos e debates sobre as legislações nacionais. Ou seja: considerando a complexidade do assunto e a divergência de interesses e opiniões entre países ricos e em desenvolvimento a manifestação brasileira era bastante plausível.
Porém, na hora de decidir, os países africanos não abriram mão de estabelecer o início do processo de negociação do instrumento internacional. Por isso não houve consenso e a questão será levada para apreciação e decisão da Assembléia Geral da Ompi. Se for confirmada a continuidade do comitê, a próxima sessão está marcada para o período entre 15 e 24 de março de 2004.
Participação indígena restrita
A participação indígena no evento foi bastante limitada. Não só porque foram poucas as possibilidades de manifestação, mas também porque eram poucos os dirigentes indígenas presentes. Eles ficaram praticamente restritos à participação nas delegações oficiais do Brasil, Estados Unidos, México, Panamá, e como participantes de algumas organizações indígenas das Filipinas, Noruega, Peru, Colômbia e Bolívia. Além do mais, as regras para o uso da palavra deixaram para o final de cada período da sessão a manifestação das ONG e das organizações indígenas. Isso fez com que não houvesse tempo para debates.
ONGs e líderes indígenas presentes se manifestaram defendendo a proteção dos conhecimentos tradicionais por meio de um sistema específico, independentemente do sistema tradicional de proteção da propriedade intelectual. Eles alegaram que dada a peculiaridade dos conhecimentos tradicionais, a necessidade de tratar os povos indígenas enquanto povos, reconhecer seus direitos territoriais e a livre determinação e a necessidade de proteger suas culturas diante da globalização exigia um sistema totalmente diferente do tradicional.
Todavia esse assunto ainda não é consenso. Embora seja importante buscar mecanismos para proteger os povos indígenas, seus territórios e suas culturas diante da globalização, há setores do movimento indígena que acreditam ser possível criar um ramo especial dentro do atual sistema de proteção dos conhecimentos tradicionais, reconhecendo: a natureza coletiva dos direitos indígenas; a necessidade de estabelecer um processo para a obtenção do consentimento prévio e informado das comunidades indígenas; e a repartição eqüitativa dos benefícios entre outros itens diferenciados.
Além disso, a proteção dos direitos indígenas deve ser discutida considerando a natureza especifica de cada organismo internacional. Ou seja, na Ompi a discussão é sobre a proteção dos direitos intelectuais coletivos dos povos indígenas e não é possível ir muito além disso. Assim, é fundamental que as organizações indígenas passem a participar das discussões da Ompi para proteger seus direitos. Para isso, devem preencher um formulário com pedido de credenciamento a ser encaminhado à Ompi. Os interessados em receber o formulário podem entrar em contato com o Instituto Warã pelo fone/fax: 61 322-7447, ou pelo email warã.brasil@uol.com.br
ISA, Paulo Celso de Oliveira
Pankararu, advogado do Instituto Warã