Pantanal sofre com clima

Agência Brasil – Uma área de aproximadamente 55 mil Km² do Pantanal passa por um período de estiagem severa, segundo estimativas da unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). São mais de 50 dias sem chuva em sub-regiões pantaneiras que ainda não se beneficiaram da cheia anormal pela qual passa o rio Paraguai. Na cidade de Ladário (MS), que tem registros diários de mais de 100 anos, o Paraguai registrou, na 2ª feira (18), altura de 4,38 metros, ou seja, 35% acima da média histórica para essa época do ano, que é de 3,24 metros.

As sub-regiões de Nhecolândia, Paiaguás e Nabileque, todas no Pantanal sul-mato-grossense, são as que mais sofrem os efeitos da seca. O gado está mais magro e os animais silvestres buscam por alimento e água nas fazendas. Capivaras e jacarés morrem de sede e de fome. No caso do jacaré, a procura por água é uma armadilha. O réptil acaba se “enterrando” nas lagoas onde se deitou em busca de umidade para o corpo. Ele fica imobilizado por causa do barro em que se transformam as lagoas e pode mesmo morrer com a demora da chuva. 

A oferta de alimento é menor porque a vegetação está seca, o que prejudica também as pastagens nativas. Com a redução do volume de chuva, muitas baías e salinas (lagoas de água salgada) estão secando. Para salvar o gado, o pantaneiro escava o solo até a água aflorar, os poços de draga, ou ainda armazena água em reservatórios artificiais, as pilhetas. As estratégias acabam por beneficiar também os animais silvestres. Até agora, não há relato de perda de reses. O prejuízo fica por conta do baixo peso do animal, em função da má alimentação.

Em outra sub-região, a que leva o nome do principal rio que banha o Pantanal, a situação é totalmente inversa. Ali, devido ao atraso das chuvas no planalto onde nasce o Paraguai, na porção Norte da bacia, há água em abundância. “Os pantaneiros da sub-região Paraguai estão rindo à toa”, comenta o pesquisador Sérgio Galdino, da área de hidrologia da Embrapa Pantanal.

O ecossistema pantaneiro tem 138 mil Km² de área, segundo Galdino. A bacia do Paraguai, em território brasileiro, ocupa 366 mil Km², de acordo com o Plano de Conservação da Bacia do Alto Paraguai (PCBAP), projeto desenvolvido de 94 a 97, com recursos do Banco Mundial e coordenado pelo ministério do Meio Ambiente. “Esse é o melhor diagnóstico da BAP e também do próprio Pantanal”, observa o pesquisador. Como a área da bacia é muito grande, pode ocorrer simultaneamente, excesso de chuvas em algumas regiões e, em outros locais pode chover pouco, como ocorreu neste ano.

A cheia atípica do Paraguai, na avaliação de Galdino, ocorreu devido ao maior volume de chuva nas cabeceiras do próprio Paraguai, e de rios como o Cuiabá, principal tributário do Paraguai, o São Lourenço e o Piquiri. Apesar de não haver registros de volume de chuva para o Pantanal, tão antigos quanto os registros de nível de água do rio Paraguai, Galdino arrisca dizer que a quantidade de chuva nas cabeceiras pode até ser a mesma de outras épocas. Para ele, o que aumentou, de fato, foi o volume de água da chuva que chega a Ladário, cidade vizinha a Corumbá. 

É que os planaltos adjacentes ao Pantanal, praticamente intocados até a década de 70, passaram a sofrer pressão humana quando, por estímulo do governo, inclusive com incentivos fiscais, abriu-se ali uma fronteira agrícola. Com isso, o desmatamento se acelerou. Agricultura e pecuária se desenvolveram, muitas vezes, sem técnicas de manejo de solo adequadas. O solo, assim, ficou mais exposto e a ausência de vegetação nativa o tornou menos permeável. “A água infiltra menos no solo sem vegetação e escorre mais, formando enxurradas. Ou seja, o volume de chuva pode ser o mesmo, mas a entrada de água no Pantanal é maior”, avalia Galdino.

O posto de medição do nível d’água do Paraguai, em Ladário, fica no 6º Distrito Naval da Marinha. A corporação faz medições também nas cidades de Cuiabá e Cáceres, ambas em Mato Grosso e em Porto Murtinho, que fica abaixo de Ladário. Cáceres é o ponto de interseção entre o planalto e a planície. Galdino explica que a água desce com velocidade até ali, em função da maior declividade das terras do planalto. Já na planície, onde a declividade é quase nula, a água desce lentamente. “De Cáceres a Ladário, são dois meses para a cheia tomar corpo e de Ladário a Porto Murtinho, mais um mês”, conta. Daí o motivo do atraso de chuva nos planaltos beneficiar a região agora alagada.

O Paraguai, em Ladário, registrou, nesse ano, a maior pico de cheia dos últimos seis anos. Em Porto Murtinho, por exemplo, o nível do rio estava em 5,44 metros na segunda-feira (18) e ainda estava subindo. O rio transborda e alaga margens e planícies adjacentes. As baías próximas, que se alimentam do rio, ficam extremamente ricas em material orgânico, transportado pelas águas. Duas vantagens da cheia, apontadas pela pesquisadora Emiko Kawakami de Resende, chefe da Embrapa Pantanal, é a reposição do estoque pesqueiro e a renovação das pastagens nativas.

Surpresa – Com uma situação tão favorável na parte acima de Ladário, os pesquisadores da Embrapa Pantanal admitem surpresa com a seca nas sub-regiões pantaneiras de Paiaguás, Nhecolândia e Nabileque. “A situação é tão atípica que talvez precisemos rever os conceitos de seca e cheia”, observa Galdino. A fazenda Nhumirim, sede da unidade de pesquisa, fica na Nhecolândia. Ali, está localizada a única estação climatológica que avalia dados como temperatura, volume de chuva, umidade e ventos. De acordo com a pesquisadora Balbina Maria Araújo Soriano, o volume de chuva nesta região, desde outubro de 2002, está 35% menor, quando se faz a comparações com o mesmo período de anos anteriores. Choveu apenas 694,1 milímetros durante todo o período chuvoso dessa temporada.

Segundo Balbina, além do menor volume de chuva, essas sub-regiões sofrem com as altas temperaturas e a baixa umidade relativa do ar. “O cenário de estiagem é preocupante”, diz a pesquisadora. A situação tende a se agravar porque as previsões até outubro, quando reinicia o período de chuva, é de que o volume seja o mesmo da média histórica. “Isso significa um baixo volume de chuva para os próximos meses”, afirma. As previsões do regime pluvial são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Lana Cristina

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