Um exemplo das dificuldades que vão enfrentar a equipe do Ibama responsável pela Estação Ecológica da Serra Geral do Tocantins, foi o trabalho de reconhecimento de fronteiras realizado em maio de 2003. O Rota Brasil Oeste acompanhou com exclusividade a atividade que envolve contato com famílias isoladas, fazendeiros e vai muito além do GPS e a caminhonete 4×4.
Munidos do único veículo de tração 4X4 do Ibama na região, os técnicos iniciaram o processo pela parte sul do parque. Dentro das fronteiras estão localizadas 30 propriedades que terão de ser desapropriadas, mas o maior desafio não são os grandes proprietários.
Saindo de Ponte Alta por volta de meio-dia, seguimos por dezenas de quilômetros em uma trilha local típica: atoleiros, areia e vistas deslumbrantes. No caminho, hora de sol a pino, encontramos uma família de seis pessoas que se dirigiam para o Córrego Alto Alegre. Conversando, descobrimos que eles tinham deixado Ponte Alta ainda de noite e vinham caminhando por mais de quatro horas.
Miguel do Santos, funcionário do Ibama, trabalha na demarcação dos limites da estação ecológica. Foto: Fábio Pili.
– Pra gente isso é comum, a gente sai de lá de noite e chega para o almoço, explicava a moça com uma criança no colo.
Lombo de burro, bicicleta e as próprias pernas continuam sendo os meios mais comuns de locomoção para os moradores, que já estão acostumados com a poeira jogada da tração dos 4X4. O destino desse grupo era a casa de Maria Odina Pereira dos Santos, dona de uma cabana de pau-a-pique na beira de um córrego. Trabalhadora rural aposentada ela tem uma sorte rara na região: recebe R$ 200,00 do INSS. Com isso e alguma coisa que planta, ela mantém ou ajuda seus nove filhos e netos.
A chegada do carro do governo é vista por desconfiança. Só depois de muita explicação é que Miguel dos Santos consegue deixar claro que está ali para ajudar. Depois de anos de opressão, o reflexo automático é receber qualquer autoridade com respeito e, como diz a música: "falando de lado e olhando pro chão". um testemunho de sua vida de subsistência. Construída com barro numa armação de gravetos, o visitante se abaixa para adentrar uma sala de chão de terra batida com um forno também de barro no canto onde fervia uma panela. Quem nos dá as boas vindas na parte é uma de suas filhas que amamenta uma criança com menos de um ano de idade.
De novo do lado de fora – enquanto observávamos a pequena plantação de mandioca, abóbora e frutas em torno da casa – o GPS conectava via-satélite a um inflexível computador que indicava: a construção está localizada dentro das fronteiras da reserva. No entanto, Miguel explica que não será necessário removê-la. Hoje, a filosofia para casos de moradores antigos e isolados é cadastrá-los e deixá-los em suas terras. Nos despedimos e D. Maria pede várias desculpas porque não pôde nos oferecer café, "o pó acabou!"das que já estão em fase de desapropriação e, seguindo sempre o GPS, chegamos a uma nova casa, esta também isolada dentro da reserva.
Seguimos o mesmo ritual. Miguel aproxima-se para conversar com o chefe da família que vive ali. Manuel Bomfim (na foto ao lado) responde ao cadastramento. Ele conta que mantém dez pessoas apenas com agricultura familiar e trabalhos esporádicos para as fazendas da região , nos quais fatura entre R$30,00 e R$50,00. A alternativa para ele deve ser a mesma, continuar morando dentro da reserva e talvez até ajudar de alguma forma o trabalho dos fiscais.
Enquanto conversamos, sua mulher prepara um café novo no fogão à lenha. Servido quente, mesmo no calor escaldante, a bebida nacional parece aquecer um pouco mais a alma. A tradição, um verdadeiro ritual de boas vindas, é típica do interior brasileiro. Assim como os desafios, contradições e belezas do Jalapão.