ISA – Durante sua visita ao Brasil na semana passada, a secretária geral da AI, Irene Khan, reuniu-se com representantes da Coiab, do Cimi, do ISA e da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados pouco antes do seu encontro com o presidente Lula, na quinta-feira (13/11) à tarde. Ouviu diversas críticas relacionadas à política indigenista do atual governo, como a demora em promulgar a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Sobre o assunto, ouviu do presidente que esta é “uma questão burocrática, que encontra-se na Casa Civil e será resolvida em breve”.
Estevão Taukane, representante da da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), em Brasília, quebrou o gelo inicial da reunião com a secretária-executiva da Anistia Internacional, Irene Khan, lendo o documento final do Primeiro Fórum Permanente dos Povos Indígenas da Amazônia, realizado em Manaus, entre 3 e 6/11. As organizações indígenas que assinam o texto – a Coiab, a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME); a Coordinadora de las Organizaciones Indígenas de la Cuenca Amazónica (COICA); entre outros – reivindicam uma rubrica específica no orçamento nacional para atender as demandas e as necessidades dos povos indígenas; segurança a todas as Terras Indígenas e que seja homologada, em área contínua, a Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol (RR); garantia de vida ao povo Cinta-Larga, com proteção à sua terra e respeito à decisão da não-entrada de invasores em seu território; garantia da extensão territorial de todas as TIs do país e não a sua diminuição como aconteceu com a TI Baú (PA), do povo Kayapó; entre outros. Talkane entregou uma cópia do documento para Irene Khan, solicitando que ela o repassasse ao presidente Lula.
Edem Magalhães, coordenador do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), também comentou pontos de um documento, Governo Lula: A Morte Ameaça os Povos Indígenas divulgado pela instituição no dia 6/11, durante o Fórum Social Brasileiro. Destacou o aumento do número de assassinatos de lideranças indígenas neste ano, as negociações e as tentativas de mudança do procedimento de demarcação de Terras Indígenas, incluindo a redução da TI Baú e o envio de processo de homologações ao Conselho de Defesa Nacional; e a não promulgação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)– tratado sobre os povos indígenas e tribais em países independentes da agência multilateral da Organização das Nações Unidas (ONU) ratificada em julho de 2002 pelo Congresso Nacional – pelo presidente Lula.
O aumento expressivo de bases militares dentro ou próximos de TIs , sobretudo na Amazônia, foi outro tema tratado durante a reunião. “Isso desencadeia uma série de práticas lesivas às comunidades indígenas; são inúmeros os casos de violência sexual, sequestros e torturas, especialmente em Roraima e no Alto Rio Negro (AM) relacionados à presença de militares em TIs”, afirmou Magalhães.“O fortalecimento do projeto de militarização e ocupação das fronteiras, como o Calha Norte, mostra que o atual governo dá continuidade à política colonialista dos governos anteriores.”
Para exemplicar o continuismo como marca do primeiro ano do governo Lula, Sebastião Carlos Moreira, secretário-adjunto do Cimi, citou projetos de infra-estrutura na Amazônia que faziam parte do Programa Avança Brasil, de FHC, eram criticados pelo PT e pelo movimento ambientalista devido aos seus impactos, e foram mantidos no Plano Plurianual (PPA) 2004-2007; a expansão das fronteira agrícola na região e as propostas de governos estaduais, como o Mato Grosso, Blairo Maggi, de que seja dada uma trégua de dois anos na demarcação de Terras Indígenas no Estado.
“O que parece é que a atual política é uma política de negociação de direitos”, disse Moreira.
Irene Khan saiu com a mesma impressão da reunião realizada no dia anterior com o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. “Não recebemos dele uma resposta satisfatória”, afirmou Irene, referindo-se aos casos de assassinatos de lideranças indígenas.
A advogada Ana Flávia Rocha e a antropóloga Ticiana Imbroisi, do Programa de Direito e Política Socioambiental do ISA, reforçaram as críticas à não-homologação da TI Raposa Serra do Sol, ao descaso com os Cinta-Larga, à presença de miliatres em TIs e à política desenvolvimentista priorizada pelo governo Lula, e entregaram à secretária-executiva da Anistia Internacional uma cópia do documento entregue ao embaixador do Brasil na Organizações dos Estados Americanos (OEA), Valter Pecly Moreira, por Joênia Wapichana no qual são tratadas algumas dessas questões.
Mateus Afonso Medeiros, analista legislativo da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, pediu apoio para traduzir para o inglês o relatório da caravana realizada em outubro por três parlamentes da Comissão dos Direitos Humanos a sete Terras Indígenas, que será lançado na próxima terça- feira. Em relação aos Cinta-Larga, sugeriu que a Anistia Internacional apoiasse uma acusação formal contra o governo brasileiro em relação ao genocídio desse povo. “São nove funcionários da Fundação Nacional do Índio (Funai) para protegê-los, e uma pressão enorme, inclusive do governador de Rondônia para a reentrada dos garimpeiros na área. Eles aprenderam a ser garimpeiros e querem uma forma de regularizar a exploração do diamante existente em suas terras.”
A secretária geral da AI perguntou aos participantes sobre o andamento do Estatuto do Índio, considerada uma questão primordial pela Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas. Ticiana explicou que alguns temas abordados pelo estatuto estão sendo negociados paralelamente, como é o caso da educação e da saúde indígena, que ganharam nos últimos anos leis específicas.
“Ficou claro pelo o que eu ouvi de vocês, que não se abriu, ainda, um diálogo entre os povos indígenas e o governo atual. Parece que há pouco interesse pelo o que ouviu aqui e pelo o que eu ouviu, ontem, do ministro da Justiça”, afirmou Irene no encerramento da reunião.
Diversos assuntos foram tratados no encontro da secretária geral da AI com Lula, principalmente questões relacionadas à segurança pública e à campanha da instituição de controle da comercialização de armas de pequeno porte na América do Sul. Irene, entretanto, não deixou de questionar o governo em relação à homologação das Terras Indígenas e à Convenção 169. Apesar da resposta evasiva sobre o primeiro tema, em relação à promulgação do tratado internacional da OIT, ouviu de Lula que “esta é uma questão burocrática, que encontra-se na Casa Civil e será resolvida em breve”.
ISA, Cristiane Fontes