Agência Brasil – “Nós não podemos considerar a Amazônia apenas como um santuário ecológico que ninguém pode tocar”, reage Leide de Aquino, presidente do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), que reúne 430 entidades, numa longa conversa sobre os movimentos comunitários da Região Norte. Quando lhe é perguntado o que é mais importante , na Amazônia, o jacaré ou as pessoas, responde sem titubear: “Com certeza, são as pessoas” .
Na entrevista à Agência Brasil, a presidente do GTA lamenta o que chama de “correlação de força muito desigual , que chega até a ser desumana”, entre as comunidades desatendidas, de um lado, e os “sojeiros, madeireiros e empresários”, do outro. No “pingue-pongue” a seguir, levado ao ar no programa “Revista Amazônia”, a companheira da Ministra Marina Silva, que é da mesma terra, Xapuri, no Acre, defende-se: “não nos colocamos contra obras de infra-estrutura na Amazônia até porque acreditamos que elas são necessárias”.
Leide de Aquino descarta as acusações de que as Organizações Não-Governamentais (ONGs) queiram internacionalizar a Amazônia : “Nós não trabalhamos para internacionalizar a Amazônia mas para amazonizar o Mundo”. Ela adverte, no entanto, que “o governo precisa implantar, urgentemente, na Amazônia, políticas que promovam o equilíbrio”.
A senhora esteve há pouco tempo com a Ministra Marina Silva (Meio Ambiente). O que foi tratado?
Conversamos sobre as perspectivas das políticas públicas para a Amazônia, neste ano de 2004, e também sobre o projeto de lei de Biossegurança, que já foi aprovado na Câmara dos Deputados. Fizemos também uma avaliação das dificuldades enfrentadas pelo Ministério e pelo movimento social da Amazônia no ano de 2003. Foi um ano cheio de tensão, de conflitos, com a questão das madeireiras e das invasões de terras indígenas. Por outro lado, foi um ano também bastante parado, do ponto de vista de implantação de políticas para a Amazônia, já que estava sendo o primeiro ano do Governo Lula, e estava sendo reestruturada toda a parte de política e de estrutura para a Região Norte. Não foi uma visita oficial. Na verdade, como a Ministra comentou, foi mais uma conversa de companheiras.
Quais são as perspectivas para este ano? Tem o Programa Nacional de Florestas, a Reserva Indígena Raposa/Serra do Sol, tem o pessoal do mogno que continua forte, o combate ao trabalho escravo, também. Então, o que a senhora espera de bom, neste ano, na Amazônia?
A gente tem uma série de atividades e políticas a serem implementadas, mas para a gente a prioridade, neste momento, é a questão do reordenamento fundiário na Amazônia. Nós da rede GTA a certeza de que esta é a prioridade zero na Amazônia, antes de qualquer política de desenvolvimento, seja ela florestal, agrícola ou mesmo de terra indígena. A gente acha que tem que haver um reordenamento de terras na Amazônia para poder, inclusive estar dando mais segurança para as comunidades com a implantação do Programa Nacional de Florestas. Do ponto de vista técnico, a gente avalia que ele está muito bom. Inclusive, já foi instalada a comissão organizadora desse plano,com a participação de vários segmentos da sociedade. Agora, tem outras políticas complementares que precisam ser incentivadas com a maior urgência.
Quais são elas?
É o caso do reordenamento fundiário na Amazônia. Esta questão da posse do território. Com quem vai ficar o território, para poder se decidir que tipo de desenvolvimento cada comunidade, cada empresa, cada segmento instalado na Amazônia vai estar desenvolvendo.
A Lei de Biossegurança agora vai para o exame dos Senadores. O Ibama ganhou espaço nesta questão. A própria Ministra ficou mais fortalecida. Então, como é que a senhora analisa esta nova lei?
Para nós, este projeto era motivo de muita preocupação, apesar de a discussão sobre Biossegurança não ter chegado, de maneira eficiente, na região amazônica. Se a gente perguntar sobre biossegurança, sobre transgênico, às pessoas da região, muitas delas nem saberão do que se trata. Mas, de maneira geral, as pessoas que estão à frente dos movimentos na Amazônia, estavam e ainda estão muito apreensivas porque, ao mesmo tempo em que está havendo este avanço da fronteira agrícola, com o plantio de soja na Amazônia, que já é uma preocupação, imagine então se esse projeto não tivesse sido aprovado. A gente considera que o que foi aprovado não foi o ideal, mas muita coisa foi assegurada.
Mas houve um fortalecimento do setor ambiental, não houve?
A gente considera que o Ministério do Meio Ambiente se fortaleceu nesse processo. A nossa maior expectativa agora é que o Senado Federal pelo menos mantenha o que foi aprovado na Câmara.
Nesse “desequilíbrio” de forças, como a senhora vê, por exemplo, esse pessoal do mogno, da soja, do contrabando? É uma turma difícil para conviver ou enfrentar?
Esta é uma preocupação grande. Por isso que, quando eu falo na implantação do Plano Nacional de Floresta, a gente considera que o reordenamento territorial é necessário e urgente antes de qualquer coisa.
Por que?
Porque esta correlação de forças na Amazônia, ela é muito desigual e chega até a ser desumana. Se você for comparar uma comunidade que vive na região com um consórcio de empresários que está aí no plantio da soja, por exemplo, que consegue, inclusive, implantar a sua própria estrutura para desenvolver seus projetos …se você for comparar com uma comunidade, que não tem sequer sua terra legalizada, não tem nenhum tipo de infra-estrutura, então, aí é a nossa preocupação. Para a gente desenvolver a Amazônia, da forma como a gente tanto tem discutido, fazendo o desenvolvimento sustentável, é preciso que cada um tenha o seu espaço e cada um tenha a sua condição mínima de desenvolvimento.
Por exemplo?
Se você for ver a capacidade dos madeireiros, a capacidade dos sojeiros, comparando com as comunidades… não é brincadeira. Então, a gente acha que nesta preocupação, o governo tem que ter um conjunto de políticas, inclusive de fortalecimento dessas comunidades, a partir de um ordenamento, de uma legalização das terras na Amazônia. Aí então a gente vai saber quem vai fazer o que e onde. A gente tem o avanço, por exemplo, da soja naquela região da BR-163 (Cuiabá-MT a Santarém-PA). São milhares e milhares de hectares de terras que as pessoas estão comprando, grilando, fazendo todo tipo de negócio. Isto porque área de floresta na Amazônia hoje está sendo muito visada.
E por que as pessoas vendem?
Porque as pessoas estão lá sem nenhuma condição de vida, de trabalho, de desenvolvimento… daí chega uma pessoa com qualquer quantia, em dinheiro, compra a área, toma a posse de uma família, de uma comunidade que está lá há muitos anos. Então, esta é a preocupação que a gente está tendo, nesta correlação de forças, das empresas, dos madeireiros e dos sojeiros. Para não continuar este desequilíbrio tão grande a gente acha que o governo tem que, urgentemente, estar implantando políticas que dêem um pouco de equilíbrio a esta situação.
Já existe alguma coisa neste sentido?
Sim. É o caso do Plano Safra, do Governo Lula, no ano 2003. A gente acha que,na parte de financiamento, de fomento, está mais ou menos funcionando. Mas tem ainda um conjunto de outras políticas que precisam ser desenvolvidas.
A partir de agora, dona Leide, a senhora pode responder a algumas acusações do “grupo de lá”? A primeira acusação deles é que existe muita ONG (Organização não-Governamental) na mão de estrangeiros e que está havendo uma invasão de ONGs na nossa Amazônia. Qual a sua resposta?
A gente não tem nem porque responder a uma acusação dessas. Até porque no GTA, nós somos uma rede onde 70 por cento de filiados são oriundos de movimentos sociais e de trabalhadores. O restante é de ONGs, de pessoas que moram e trabalham na Amazônia. E esta história de internacionalização da Amazônia pelas ONGs não é verdade. Nós não trabalhamos para a internacionalização da Amazônia mas para “amazonizar” o Mundo, para que as pessoas vejam que a Amazônia é um espaço muito rico mas ele é, em primeiro lugar, dos amazônicos, e em segundo, do restante dos brasileiros.
Outra acusação do “lado de lá”, dona Leide, é que os “do lado de cá”, os ambientalistas, os senhores e senhoras são contra o progresso na Amazônia, contra hidrelétricas, gasodutos, rodovias…
Nunca fomos contra a discussão em torno de quaisquer obras na Amazônia. O que é preciso é abrir o debate em torno de cada uma dessas obras e ver que impasse ambiental a obra vai causar para a comunidade. Qual a compensação que a obra vai fornecer à comunidade. A gente não se coloca contra obras de infra-estrutura na Amazônia até porque acreditamos que elas são necessárias. Agora, elas não podem é ser feitas sem o entendimento entre as duas partes.
Para terminar esta conversa me permita uma questão até no sentido de elevarmos esta discussão 😮 que é mais importante na nossa Amazônia. O jacaré ou a pessoa?
Para mim é a pessoa. E dou até o exemplo da reserva extrativista que gera o desenvolvimento sustentável. As comunidades amazônicas estão acostumadas a conviver com a natureza. Mas não podemos considerar a Amazônia apenas como um santuário ecológico que ninguém pode tocar, ou que as pessoas tenham que ser retiradas ou que, quem está lá, tenha que morrer de fome. Por isso eu respondo. O que é mais importante. O jacaré ou a pessoa? Com certeza são as pessoas, porque nós entendemos que as comunidades da Amazônia nunca fizeram este tipo de destruição. A não ser que tenha alguém mal intencionado por trás da comunidade.
Eduardo Mancasz