Composto tóxico altera características de espécies marinhas

Agência Brasil – Nem sempre a população da região costeira do país pode aproveitar os ensolarados fins de semana no litoral, principalmente durante o verão. Isso porque é crescente a quantidade de praias consideradas impróprias para o banho devido à poluição de suas águas. O esgoto e o vazamento de combustíveis de embarcações não são, porém, os únicos responsáveis pela poluição oceânica.

Mesmo não sendo considerado um composto perigoso para os seres humanos, o tributilestanho (TBT), biocida usado em tintas antiincrustantes para cascos de navios e outras embarcações, é responsável por seqüelas em animais como golfinhos e moluscos. Os efeitos destas tintas venenosas em moluscos, especialmente os gastrópodos (caramujos, que no Nordeste são conhecidos como cambretas) são o foco da pesquisa realizada pelo oceanógrafo e professor adjunto da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Marcos Antônio Fernandez.

Segundo ele, por mais que o TBT seja eficiente como protetor de casco de embarcações, o seu grau de toxicidade em organismos marinhos é consideravelmente alto. “Devido a esta toxicidade, o uso do produto é restrito há 20 anos nos países do primeiro mundo. Além disso, o TBT deve ser banido do casco de navios até 2010 pela Imo (Organização Marítima Internacional)”, informa.

Contudo, destaca Fernandez, as novas tintas que substituirão o TBT também são tóxicas, e este problema ainda não foi devidamente pesquisado no país. A legislação nacional só agora deve restringir o uso de TBT (que é um antiincrustante de segunda geração), enquanto no exterior a de terceira geração já é restringida. “Temos, então, uns 15 anos, ou mais, de atraso”, alega o pesquisador.

Em invertebrados, como os gastrópodos, o TBT age como desregulador endócrino. Ou seja, este composto modifica o funcionamento das glândulas destes animais. A principal conseqüência da intoxicação em gastrópodos é o fenômeno conhecido como imposex (imposição sexual). “O imposex consiste no aparecimento de características sexuais masculinas, como pênis, em indivíduos do sexo feminino”, explica Fernandez. Este mau funcionamento do sistema endócrino faz com que fêmeas possam se tornar inférteis. “Logo, é muito possível que o número de indivíduos das populações atingidas comece a declinar”, acrescenta. De acordo com ele, há mais de 100 espécies de gastrópodos atingidas pelo imposex no mundo. No Brasil, até o momento, já foram encontradas seis espécies que apresentam a alteração, entre elas Leucozonia nassa, Olivaucillaria vesica e Snononita harinsona.

Informa o pesquisador que as regiões mais afetadas pelo TBT estão localizadas no Hemisfério Norte devido ao grande exercício da navegação nestes locais. “Podemos perceber esta relação inclusive no Brasil, pois as áreas mais atingidas estão entre o Sul e o Sudeste, onde há mais atividade marítima”, aponta. Em sua pesquisa, Fernandez focalizou a concentração do composto na Baía de Guanabara e a ocorrência de imposex em indivíduos da espécie Stramonita haemastoma, bastante comum em suas águas.

O professor expõe em sua tese de Doutorado que em todas as estações de observação estudadas onde houve a presença destes animais, “o fenômeno imposex foi detectado em maior ou menor grau”. Fernandez acrescenta que em estudos posteriores, com a participação de profissionais de outras universidades, foram encontrados casos de imposex na Baía de Sepetiba e em Arraial do Cabo. Além disso, diz que no Nordeste verificou-se casos de imposex em Fortaleza, Natal e Maceió.

Por se tratar de um composto bastante persistente em determinadas condições, e com capacidade de ser transferido para cadeias tróficas, o TBT também pode ser, em determinada escala, prejudicial à saúde humana. Algumas espécies de gastrópodos, inclusive, podem ser aproveitadas na nossa alimentação. Segundo Fernandez, nas décadas de 80 e 90, em vários países européus e nos Estados Unidos, foram realizadas várias pesquisas sobre os possíveis efeitos da intoxicação do TBT no homem.

Entretanto, só foram analisados indivíduos expostos ocupacionalmente ao composto, como os trabalhadores de estaleiros e portos. Para o professor, todavia, a pesquisa poderia ser mais abrangente. “Como o TBT atua como desregulador endócrino, as mulheres estão mais propensas aos seus efeitos, pois elas têm – além dos hormônios progesterona e estrogênio – a testosterona, que é um hormônio masculino. Logo, as modificações hormonais no corpo feminino, mesmo que ocorram em pequena escala, podem ser mais presentes do que nos masculinos. E estes estudos não foram realizados até hoje”, informa.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *