Antropólogos enviam carta a Lula em defesa da homologação de Raposa Serra do Sol

Instituto Socioambiental – A Associação Brasileira de Antropologia (ABA) manifestou-se, mais uma vez, em defesa da homologação contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR), em carta enviada ontem ao presidente Lula [ leia na íntegra abaixo].

“É com base no acúmulo de conhecimentos, ao longo de mais de duas décadas atuando em processos de identificação de terras indígenas e de quilombos, que cremos, em vista dos estudos antropológicos idôneos que informam a demarcação já realizada da área Raposa-Serra do Sol, que a solução de uma demarcação contínua não apenas fará justiça aos direitos que arduamente vêm sendo reivindicados pelos Macuxi, Wapichana, Ingarikó, Taurepang, Patamona, vítimas de toda sorte de violência na região, mas também porá fim a um foco de tensões que a demora na homologação só tem levado a incrementar. Entendemos que os brasileiros indígenas ocupantes da região são dela os verdadeiros guardiões. Não duvidamos de que V. Excia. optará pelos signos de um desenvolvimento sustentável, adequado ao meio-ambiente da região, emblema de um novo Brasil, onde o Estado não mais sustentará elites improdutivas através de múltiplos incentivos financeiros”, ressalta o documento, assinado pelo presidente da ABA, Gustavo Lins Ribeiro.

Também ontem Lula esteve reunido no início da noite com os ministros José Dirceu (Casa Civil), Aldo Rebelo (Articulação Política), Luiz Dulci (Secretaria Geral da Presidência), Márcio Thomaz Bastos (Justiça), José Viegas Filho (Defesa), Miguel Rossetto (Desenvolvimento Agrário), Celso Amorin (Relações Exteriores) e Marina Silva (Meio Ambiente) e os presidentes da Fundação Nacional do Índio (Funai), Mércio Gomes, e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Rolf Hackbart, para discutir a homologação da TI Raposa Serra do Sol. O presidente estabeleceu um prazo de 15 dias para que seja apresentada pelo governo uma “solução definitiva” para o caso.

Diante do impasse do governo Lula em relação à Raposa Serra do Sol, pronta para ser homologada desde o fim do governo FHC, diversas manifestações antiindígenas e extemporâneas ao processo demarcatório de Terras Indígenas têm surgido, como a criação em fevereiro deste ano de uma comissão externa na Câmara dos Deputados para “avaliar a demarcação da terra indígena”, cujo relato propõe que sejam excluídos da área a ser homologada 12 mil hectares de terras griladas por arrozeiros; Uiramutã, base de apoio do garimpo transformada em município, ainda sub júdice, em 1997; e uma faixa de terra de 15 quilômetros ao longo da faixa de fronteira com a Venezuela e Guiana, deverá ser votado amanhã (14/4).

A votação será acompanhada por dezenas de lideranças indígenas que se mobilizam em Brasília nesta semana, promovendo diversas manifestações até a próxima segunda-feira [Dia do Índio], como uma vigília em frente ao Palácio do Planalto a partir de hoje.

Carta da ABA ao presidente Lula

Brasília, 12 de abril de 2004

Ofício nº 52/ABA/PRES

Exmo Sr.

Luiz Inácio Lula da Silva

Presidente da República Federativa do Brasil

Palácio do Planalto

Brasília – DF

Sr. Presidente.

A Associação Brasileira de Antropologia vem expressar junto a V. Excia., de conformidade com a posição de um conjunto de entidades das sociedades civil e política brasileiras, sua posição de defesa da homologação da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol em área contínua, com ações de retirada de ocupantes não-índios e da sede do município de Uiramutã de seu perímetro, conforme estabelecido na portaria ministerial nº 820/98, consoante a defesa da legalidade e dos princípios de um Estado de Direito como consagrados na Constituição de 1988.

Ao longo de seus 50 anos de existência, nossa associação, a mais antiga sociedade científica na área das ciências sociais no Brasil, e uma das três maiores associações antropológicas no mundo, esteve engajada em numerosas causas sociais, de acordo com o imperativo de responsabilidade moral e ética que impele o antropólogo à defesa dos grupos socialmente minoritários com que trabalha. Não nos faltaram momentos para demonstrar esse compromisso, em tempos de regime ditatorial ou na democracia. Nosso fazer profissional, nosso compromisso moral e ético têm nos colocado diante da situação de agirmos fundamentando as bases da ação de Estado no reconhecimento dos direitos indígenas aos territórios que tradicionalmente ocupam, seja sob a forma de relatórios originados no trabalho de identificação dessas terras, seja sob a forma de laudos periciais para fins judiciais.

É com base no acúmulo de conhecimentos, ao longo de mais de duas décadas atuando em processos de identificação de terras indígenas e de quilombos, que cremos, em vista dos estudos antropológicos idôneos que informam a demarcação já realizada da área Raposa-Serra do Sol, que a solução de uma demarcação contínua não apenas fará justiça aos direitos que arduamente vêm sendo reivindicados pelos Macuxi, Wapichana, Ingarikó, Taurepang, Patamona, vítimas de toda sorte de violência na região, mas também porá fim a um foco de tensões que a demora na homologação só tem levado a incrementar. Entendemos que os brasileiros indígenas ocupantes da região são dela os verdadeiros guardiões. Não duvidamos de que V. Excia. optará pelos signos de um desenvolvimento sustentável, adequado ao meio-ambiente da região, emblema de um novo Brasil, onde o Estado não mais sustentará elites improdutivas através de múltiplos incentivos financeiros.

Nesse ato que será, de certo, um divisor de águas na ação indigenista governamental em sua gestão, esperamos ver que a intensa campanha mantida até agora por forças sociais freqüentemente marcadas pelo racismo, pelo desejo de manutenção de privilégios que têm assegurado as desigualdades sociais, pelo desconhecimento do Estado de Direito em nosso país e do caráter pluriétnico da nação brasileira, encontrará finalmente resposta à altura e digna da proposta de governo de V. Excia.

Na certeza de que V. Excia. homologará de forma contínua a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, a ABA coloca-se à disposição para contribuir na direção do pleno reconhecimento dos direitos indígenas no Brasil.

Atenciosamente,

Gustavo Lins Ribeiro

Presidente

Cc.: Vice-Presidente da República – José Alencar Gomes da Silva

Ministro da Articulação Política – José Aldo Rebelo Figueiredo

Ministro Chefe da Casa Civil – José Dirceu de Oliveira e Silva

Ministro da Justiça – Márcio Thomaz Bastos

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