CNPq – A história do fomento à pesquisa no Brasil passa, necessariamente, pelas atividades do CNPq, agência vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, no seu papel de promover o desenvolvimento científico e tecnológico no país. E, em meio à modernização, ao avanço econômico, reconhecimento internacional e a tantas vitórias conquistadas para o país com o progresso neste setor, o CNPq faz parte, também, de trajetórias individuais importantes, não só pelo seu mérito científico, mas, principalmente, pelo contexto social.
Percorrendo uma carreira quase completa dentro das modalidades de bolsas oferecidas pelo CNPq, o terena Rogério Ferreira da Silva, de 34 anos, foi o primeiro indígena brasileiro a concluir o curso de mestrado (em Ciência do Solo, em 1998 – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro) e um dos primeiros a cursar o doutoramento (em fase de conclusão- Universidade Estadual de Londrina). Segundo a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), há somente mais um registro de indígena em cursos de doutorado.
Ainda na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), no curso de graduação em Agronomia, Rogério foi bolsista de Iniciação Científica. Após obter o título de Engenheiro Agrônomo, em 1995, teve, novamente, o auxílio do CNPq com bolsas de Mestrado, Desenvolvimento Científico Regional, e, atualmente, de Doutorado.
Indígena da etnia terena (últimos remanescentes da nação Guaná, da família Aruak) e originário da aldeia Cachoeirinha, município de Miranda-MS, Rogério está desenvolvendo sua tese na Embrapa Agropecuária Oeste (empresa vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), em Dourados-MS.
Os indicadores mostram que a elite da pesquisa científica brasileira é um círculo fechado para as minorias étnicas; assim, a chegada de Rogério representa uma exceção às estatísticas da pós-graduação brasileira. De acordo com a FUNAI (Fundação Nacional do Índio), a ascensão escolar dos indígenas ainda é um privilégio de poucos. Dos 400 mil indígenas, apenas 1,3 mil (0,32%) conseguiram ingressar em um curso universitário.
Dessa forma, não foi fácil para Rogério chegar tão longe, superando preconceitos e as dificuldades naturais de quem nasceu na roça e é filho de mãe analfabeta e pai que completou apenas quatro anos de estudos. Além das bolsas obtidas e cooperação de profissionais, que fomentaram e motivaram o desenvolvimento de seus estudos, Rogério também contou com a ajuda de amigos. Quando foi ao Rio de Janeiro prestar o primeiro vestibular, não passou e não tinha dinheiro para voltar para a aldeia. “Procurei a FUNAI-RJ, onde consegui apoio de uma conselheira daquela instituição e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que, sensibilizada com minha grande vontade de ingressar na Universidade, convidou-me para colaborar nos trabalhos do sítio onde morava com o esposo, professor da UFRRJ, proporcionando condições de me preparar melhor para o vestibular no ano seguinte. Fui aprovado e, finalmente, pude realizar meu desejo de cursar Agronomia”, conta.
A PESQUISA – A tese que Rogério está produzindo na UEL visa intensificar o conhecimento do funcionamento biodinâmico do solo, buscando a obtenção de índices de aferição da sustentabilidade de sistemas de produção agropecuária.
A pesquisa aborda a diversidade de organismos da macrofauna invertebrada do solo (organismos de diâmetro corporal acima de 2 mm, como artrópodos, minhocas e outros). Os estudos têm sido conduzidos em áreas ocupadas pelo Sistema Plantio Direto e integração lavoura-pecuária, sendo comparados com sistema convencional de cultivo e áreas cultivadas com pastagens permanentes. Para comparação da sustentabilidade, são monitorados fragmentos de mata nativa – considerada um sistema ecológico em equilíbrio dinâmico.
Para o Dr. Fábio Mercante, co-orientador de Rogério no curso de doutorado, o trabalho de pesquisa desenvolvido por ele ajuda a estabelecer parâmetros mais sensíveis de detecção da qualidade do solo. “Quanto maior a biodiversidade, maior é a qualidade do solo. A nossa intenção é estabelecer um indicador biológico da qualidade do solo para ser uma referência ao lado de outros indicadores, como os atributos físicos e químicos”, explica.
Em outras palavras, isto significa mais conhecimento sobre o impacto ambiental dos sistemas produtivos agropecuários e, mais profundamente, uma contribuição no campo da sustentabilidade ambiental da produção brasileira.
A dedicação e perseverança demonstradas por Rogério, como o primeiro indígena do Estado de Mato Grosso do Sul e um dos primeiros do Brasil a conquistar o nível mais elevado da carreira acadêmica, levou à aprovação da “Ordem do Mérito Legislativo” concedida pela Assembléia Legislativa de Mato Grosso do Sul, por indicação do Deputado Estadual Akira Otsubo. No próximo dia 20 de abril, em Campo Grande, Rogério estará recebendo esta honrosa homenagem, na presença de seus pais, amigos e representantes da comunidade indígena de Mato Grosso do Sul.
Mariana Galiza