STF rejeita demarcação das terras indígenas no Rio Negro

A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal – STF negou provimento, dia 23 de março, ao recurso do Estado do Amazonas contra a demarcação das Terras Indígenas Médio Rio Negro, Rio Téa e Rio Apapóris. O ministro Gilmar Mendes, relator do acórdão, entendeu que o mandado de segurança não se presta a discutir a dominialidade das terras indígenas questionadas. A demarcação das terras indígenas da região do Rio Negro foi consolidada e concluída, em processo inédito de demarcação participativa feita pelos próprios indígenas, em 1998. O mandado de segurança impetrado pelo Estado do Amazonas data de 1994, época em que a portaria de declaração dos limites das referidas terras foi publicada no Diário Oficial.

Em abril de 2003, quase dez anos após o ajuizamento da ação, o Estado do Amazonas voltou a centrar esforços para detonar a demarcação das terras indígenas, solicitando a realização de sustentação oral no STF para defender sua posição. Em face da ameaça de retrocesso no reconhecimento dos direitos territoriais dos povos do Rio Negro, a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro – Foirn – enviou imediatamente carta ao governador Eduardo Braga solicitando a desistência do recurso. A Foirn havia sido surpreendida pelo fato de o governo daquele estado questionar as demarcações, ao mesmo tempo em que vinha trabalhando em diversas iniciativas de parceria com os povos indígenas, especialmente por meio da Fundação Estadual de Política Indigenista – FEPI – órgão responsável por articular tais parcerias, atualmente dirigido por um indígena justamente da região do Rio Negro.

O Instituto Socioambiental também enviou ofício ao Secretário de Estado do Meio Ambiente, Virgílio Viana, solicitando providências para que o Estado desistisse da ação. Sem efeito. A Fepi também chegou a solicitar à Procuradoria Geral do Estado – PGE – a desistência do mandado de segurança no STF. No entanto, ao invés de atender ao pleito vindo do órgão estadual responsável pela política indigenista, a PGE convocou, em março de 2004, uma reunião com representantes das prefeituras de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Japurá, para discutir a posição dos municípios sobre a ação contestando as terras indígenas. Previsivelmente, os municípios foram contrários ao arquivamento da ação, e conseqüentemente às demarcações questionadas.

Vale lembrar que a PGE tinha a prerrogativa de desistir da ação a qualquer tempo, sem necessidade de ouvir os municípios, o que faz crer que a insistência em manter o recurso no Judiciário poderia ter motivação política, face às eleições municipais deste ano, especialmente em São Gabriel da Cachoeira, onde há forte candidatura indígena. A decisão do STF mostra que as manobras políticas feitas pelo governo do AM para minar as demarcações não surtiram efeito no plano jurídico: a ação foi finalmente julgada improcedente, ainda que contra a vontade do estado e dos municípios. No plano político, entretanto, os estragos causados pela insistência do governo em manter viva essa ameaça aos direitos territoriais dos povos indígenas são irreversíveis. Desgastaram a confiança dos povos indígenas em um governo cujas políticas declaradas supostamente valorizavam e beneficiavam os povos indígenas, mas que por trás das cortinas, conspira contra seus direitos territoriais.

Fernando Mathias

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