Luta pelos direitos dos trabalhadores rurais

Agência Brasil – No movimento sindical, José Francisco da Silva já é considerado memória viva de uma batalha que nasceu nas igrejas e escolas, engatinhou diante dos olhos repressivos dos militares e ergueu-se de vez com a redemocratização. Dos 64 anos de vida, pelo menos 40 foram dedicados à luta pelos direitos dos trabalhadores rurais.

Como prova da força do movimento sindical no campo, Silva cita os dez anos do movimento Grito da Terra Brasil, organizado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Agricultura (Contag), entidade que reúne 15 milhões de agricultores filiados. Nesta semana, a mobilização trouxe à capital o próprio líder pernambucano – um dos primeiros presidentes da Contag – e outros cerca de 5 mil agriculltores de todo o país.

Na bagagem, uma pauta com quase 200 reivindicações. No final da tarde de quarta-feira (19), o governo federal deu resposta para a principal delas: prometeu aumento de 30% no financiamento da safra 2004/2005. Em vez dos R$ 13 bilhões pedidos pelos agricultores, R$ 7 bilhões – um bilhão a menos do que a Contag pediu no ano passado e dois bilhões a mais do que o movimento levou.

A diferença entre o reivindicado e o oferecido dividiu opiniões dos trabalhadores, que hoje analisam a resposta do governo a outros itens da pauta. “Algumas pessoas do movimento acham que estamos perdidos, desprestigiados”, conta José Francisco. Aos companheiros, o sindicalista faz questão de lembrar que a Contag ajudou a eleger o “presidente-operário”. Nesta entrevista, ele ressalva: “As coisas não caem do céu, não. Precisamos cavar o nosso espaço nesse governo. Afinal de contas, a direitona continua aí.”

Confira, a seguir, o primeiro trecho da entrevista:

– De que forma o senhor começou a participar do movimento dos trabalhadores rurais?
O pré-movimento sindical aconteceu no final da década de 50, com a juventude agrária católica, os movimentos de educação de base. Eu entrei no movimento por aí. Desde os sete anos trabalho na roça. Passava seis meses plantando de tudo em casa e outros seis meses, durante a seca, na Zona da Mata (PE), trabalhando com a cana. Naquela época, éramos alfabetizados pelo método Paulo Freire. As cartilhas diziam: “Viver é lutar, a vida é luta”. Em matemática a gente estudava com base no salário. Pedro ganha tanto, tem direito a tanto no décimo-terceiro. Quando fui convidado para fazer o curso do movimento sindical, já foi dentro dessa linha de defender o direito dos trabalhadores.

– A partir de quando o movimento dos trabalhadores rurais passou a se organizar em sindicatos?
No final da década de 50. Eu comecei como delegado sindical em Vicência (PE), no final de 1961. Em uma etapa seguinte, fui eleito secretário-geral da Fetape. A Contag foi criada em seguida, mas logo sofreu intervenção. De 64 a 68, o presidente era o José Rota, um interventor, uma pessoa que desejava a continuação da ditadura. As federações não aceitavam esse tipo de gestão.

– Quais eram as principais reivindicações do movimento nesses primeiros anos de existência?
O movimento tinha sempre como o objetivo reivindicar o direito dos trabalhadores. Reivindicávamos o salário mínimo, décimo terceiro, hora de trabalho, previdência. Era um elenco de beneficio da área do assalariado. Com o tempo, isso se constituiu no primeiro documento trabalhista do campo: o estatuto do trabalhador rural, que disciplina o direito do assalariado. Mas tinham outras reivindicações também. Dos posseiros, o direito da posse, ter terra para plantar, a luta contra o latifundiário. Dos pequenos agricultores, crédito, organização em cooperativa.

– Além da Igreja, quais foram os outros setores que ajudaram os trabalhadores rurais a se organizar?
Tivemos apoio também dos partidos de esquerda, como o Comunista. Em Pernambuco, contamos com pessoas como Gregório Bezerra, Chico Julião das Ligas Camponesas. Eram grupos com objetivos semelhantes: melhorar as condições de vida dos trabalhadores do campo. Tudo isso se somou com a abertura dada por alguns governos estaduais. Em Pernambuco, tivemos o Miguel Arrais. Ele fez o possível para apoiar a organização do campo. Chamava para a mesa de discussão. Não reprimia, abria espaço.

– Havia algum apoio federal?
A articulação nacional aconteceu com o Jango (ex-presidente João Goulart) e permitiu a criação do Estatuto do Trabalhador Rural. Se não fosse a revolução, quase que se conseguiria o Estatuto da Terra naquela época. Ele estava esboçado pelo movimento quando veio o golpe de 64. A elite venceu. Em Pernambuco, os usineiros partiram para a repressão. Queriam desmoralizar o movimento, afastar as lideranças. Foi pra cadeia Julião, Arrais e outras lideranças religiosas. Eu cheguei a ser detido, fui processado e liberado, mas o sindicato ficou 15 dias fechado depois do golpe.

– O movimento sindical do campo saiu muito enfraquecido da ditadura?
Não diria isso. O movimento foi sempre tão acertado, firme e claro nas posições que, apesar dos bombardeios, sempre sobrou conquista. Hoje, na Contag, existem divergências, mas não para desorganizar e se dividir. É divergência para encontrar um caminho melhor de fortalecimento. Tivemos várias conquistas: direitos trabalhistas assegurados, previdência social rural com base na contribuição indireta (sai da produção e, não, do trabalhador), direitos da mulher. Até a questão da reforma agrária vem avançando.

– Os dez anos de Grito da Terra contribuíram para esses avanços?
Com certeza. Basta ver quantas e quantas propriedades desapropriadas. O poder dos latifundiários está enfraquecendo. Os trabalhadores vão se fortalecendo e conquistando a terra. Isso não existia antes. É claro que há desemprego, salário baixo. Mas, se não fosse a organização sindical dos trabalhadores rurais, vários direitos não estariam assegurados. Você vê a dificuldade que as domésticas e o pessoal da construção civil têm. Muita gente do nosso movimento diz que está tudo perdido. Não é bem assim.

– O senhor está satisfeito com o governo Lula?
Sou otimista em relação a esse governo que ajudamos a eleger. Mas continuo achando que precisamos construir o poder do lado de cá, de baixo pra cima. Cabe à classe trabalhadora cada dia mais fortalecer a sua organização para ganhar espaço dentro do governo. É uma grande conquista ter o Lula na presidência da República. Foi uma conquista da classe trabalhadora. A elite não se conforma em ver um homem a quem falta um dedo, um operário, governando esse país. Agora, as coisas não caem do céu, não. Precisamos cavar o nosso espaço dentro desse governo. Afinal de contas, a direitona continua aí.

Juliana Cézar

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