Ibama- Junto com a destruição de cerca de 2,6 milhões de hectares de Cerrado a cada ano – principalmente para o avanço das lavouras de soja – o Brasil perde muito mais do que as belas paisagens que caracterizam o bioma. Diariamente, sem que ninguém veja, milhares de animais também são dizimados pela esteira de um “progresso” que só beneficia uns poucos produtores rurais. Dono de uma das maiores biodiversidades em anfíbios do Planeta, o Cerrado brasileiro está perdendo diversas espécies de rãs, sapos e pererecas que nem tiveram tempo de ser devidamente estudadas, apesar de estarem na região há milhões de anos e serem testemunhas da história da região.
Quando o tempo, os recursos financeiros e a disposição dos pesquisadores permite, o Cerrado revela verdadeiros tesouros de vida silvestre em meio à sua anfibiofauna. Atualmente, existem em seus 2 milhões de quilômetros quadrados cerca de 142 espécies (52 endêmicas) de anfíbios devidamente identificadas, mas não o suficiente para que cessem as investigações científicas sobre elas. Apesar de estarem no Cerrado há mais tempo do que o homem, sabe-se muito pouco sobre os anfíbios, porém o suficiente para que se estabelecem medidas urgentes para conservação desses animais e de tantos outros animais por meio da criação de áreas de proteção integral.
“É preciso que se implante de maneira emergencial e definitiva uma política que seja diferente da atual, que privilegia a construção de usinas hidrelétricas e o desmatamento para a monocultura da soja”, defende o herpetólogo Reuber Brandão, um dos mais ativos estudiosos sobre os anfíbios no bioma Cerrado. A reivindicação do pesquisador está lastreada em dados que ele próprio vem amealhando ao longo da última.
Nas 11 localidades estudadas pelo especialista entre os estados de Goiás, Tocantins, Bahia e Distrito Federal, ele encontrou em cada uma cerca de 30 espécies de anfíbios diferentes. Em locais como a Chapada dos Veadeiros, por exemplo, existem cerca 42 espécies conhecidas. Próximo à Usina Hidrelétrica de Manso, MT, há 44 espécies distintas.
Tamanha diversidade – uma das mais expressivas na América do Sul – explica-se pelas características de localização, hidrografia, altitude, vegetação e clima dos cerrados. Trata-se de um bioma que faz intercessão com a Mata Atlântica, a Caatinga, o Pantanal, os Campos Sulinos e a Amazônia. O Cerrado mantém intenso fluxo de organismos com os seus vizinhos por meio de um intricando sistema fluvial. No Cerrado, nascem rios que formam as bacias do Paraná, do Amazonas e do São Francisco.
“As relações com os demais biomas fazem com que encontremos no Cerrado espécies típicas dessas outras regiões, formando um painel muito rico de diversidade entre os anfíbios da região”, explica Brandão.
É toda essa riqueza que se vai junto com o desmatamento ou a inundação para a formação de lagos para as usinas hidrelétricas. Para realizar os estudos que fundamentaram sua tese de doutorado na Universidade de Brasília, Reuber Brandão realizou monitoramentos de longo prazo durante o enchimento do lago da usina de Serra da Mesa, em Goiás. Das 31 espécies de anfíbios que haviam antes da inundação, apenas uma ocorre atualmente na área monitorada.
Indicadores de qualidade ambiental
Os anfíbios apresentam alto grau de endemismo. Na prática, isso significa que várias espécies vivem apenas em áreas restritas com condições ambientais específicas. Se a área for degradada e essas condições desaparecem, muitas espécies podem ser extintas. Devido às suas características fisiológicas, principalmente as relacionadas à sua pele, os anfíbios são muito suscetíveis à contaminação química das águas, explica Reuber Brandão. Segundo ele, a introdução de espécies invasoras, as mudanças climáticas globais, os desmatamentos, a poluição e a diminuição da camada de ozônio são fatores que colocam a vida desses animais em perigo.
Com pele permeável e ovos aquáticos envolvidos em uma delgada camada gelatinosa, os anfíbios absorvem rapidamente substâncias diluídas no meio à sua volta. “Por necessitarem de boa qualidade dos ambientes para a reprodução, os anfíbios são excelentes indicadores ambientais. Sua presença pode denunciar a saúde do ecossistema em que habita” diz o herpetólogo.
Diversidade em anfíbios
O Brasil é pródigo em espécies de anfíbios. Está entre os maiores do mundo, com cerca de 650 espécies conhecidas, sendo 150 delas estimadas para o Cerrado. Mas este é um número considerado pequeno diante do que o bioma ainda esconde. “Esse fato mostra o quanto estamos longe de um conhecimento minimamente satisfatório em relação às nossas espécies, sobretudo no Cerrado”, diz o pesquisador Reuber Brandão. Falta de recursos para pesquisas e a velocidade com que se avança a destruição do bioma são fatores que impedem o avanço das investigações.
“No primeiro caso, ainda se pode recuperar o tempo perdido. Resta saber se no futuro haverá Cerrado para abrigar as espécies para que as estudemos”, questiona. A lista oficial do Ibama apresenta 16 espécies de anfíbios em perigo de extinção. Número que, provavelmente, é bem maior considerando a escassez de dados mais abrangentes sobre as perdas da biodiversidade nacional.
Jaime Gesisky