Pesquisa que será divulgada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostra que o foco do trabalho escravo no Brasil se localiza exatamente no "arco" do desmatamento da Amazônia – região da fronteira agrícola do país e com a presença direta do agronegócio. Trechos do estudo foram apresentados no 5º Fórum Social Mundial, em Porto Alegre.
O estudo, coordenado pelo cientista político e jornalista Leonardo Sakamoto e com a participação do Instituto de Apoio à Pesquisa da Universidade de São Paulo, cruzou os dados do trabalho escravo com imagens de satélite do desmatamento na Amazônia.
Entre janeiro de 2002 e novembro do ano passado, 118 municípios tiveram libertação de trabalhadores, na linha que sai de Rondônia, passa pelo Norte do Mato Grosso e Tocantins, Sul do Pará e Oeste do Maranhão, com 9.252 trabalhadores escravos encontrados. A pesquisa também informa que os conflitos com mortes de trabalhadores rurais coincidem com os flagrantes do trabalho escravo realizados pelos Grupos Móveis de Fiscalização do Ministério do Trabalho.
A cidade campeã em número de casos de trabalho escravo é São Félix do Xingu, no Sudeste do Pará: 19 ações que encontraram situações de escravidão. Ao mesmo tempo, foi o município com o maior índice de desmatamento até 2002 (9.951,4 quilômetros quadrados) e o líder no ranking dos assassinatos de trabalhadores rurais entre 2001 e julho de 2004 (11 mortes).
"O trabalho escravo não entra na operação das máquinas de ponta do agronegócio, mas está na retirada das raízes, na derrubada da mata e na preparação do solo. Ou seja, o trabalho escravo está ligado ao latifúndio", diz Leonardo Sakamoto. A relação entre trabalho escravo e desmatamento já era cogitada, embora não houvesse pesquisas científicas que comprovassem a tese.
Das ações de libertação de trabalhadores escravos, cerca de 80% estão vinculadas à pecuária, justamente o setor que mais desmata as regiões da fronteira agrícola. "O estudo Banco Mundial reconhece que a pecuária é o maior vetor de desmatamento na Amazônia. E com a soja e o algodão de forma indireta", disse.
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) concluiu uma pesquisa sugerindo que a expansão da área plantada de soja se baseia na conversão de "pastagens degradadas" e não de áreas "virgens", ou seja, de fronteira propriamente dita no cerrado ou na Amazônia. Porém, segundo Sakamoto, "muitos pecuaristas já desmatam pensando em vender a terra para os agricultores de soja e algodão". O mesmo que indica a hipótese do Ipea de que as áreas virgens de cerrado ou da floresta amazônica disponíveis não possuem a infra-estrutura para o cultivo da soja.
As atividades que discutiram o trabalho escravo no Fórum Social Mundial articularam grande número de entidades. Entre elas, a Comissão Pastoral da Terra, Organização Internacional do Trabalho, Instituo Ethos e associações de magistrados. Houve manifestações em solidariedade aos fiscais do trabalho assassinados há um ano em Unaí, Minas Gerais.
Durante a oficina "É possível erradicar o trabalho escravo?", o ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Nilmário Miranda, disse que o governo federal vem cumprindo mais da metade das metas estabelecidas no Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo. "Dois anos atrás, também no Fórum Social Mundial, o governo prometeu erradicar o trabalho escravo. E se nós não conseguirmos erradicá-lo em nosso governo, isso será uma derrota", afirmou.