O Kuarup, homenagem tradicional aos mortos ilustres do Xingu, foi realizado este ano próximo a sítios arqueológicos cuja descoberta rendeu em 2003 um artigo em uma das principais revistas científicas do mundo, a americana Science. A aldeia de Ipatse, dos Kuikuro, que hoje tem pouco menos de 500 habitantes, fica próxima do local onde uma equipe liderada pelo americano Michael Heckenberger, da Universidade da Flórida, mapeou, nos últimos anos, vestígios da presença de uma população superior a 50 mil pessoas – hoje, em todo o parque o número de habitantes é de cerca de 5 mil.
Dois dos principais chefes de Ipatse, Afukaká Kuikuro e Urissapá Tabata Kuikuro, assinaram junto com a equipe do arqueólogo o artigo publicado na Science. "A gente fez questão de assinar junto. Nós escolhemos os dois chefes como forma de apontar para uma colaboração muito mais ampla da comunidade na pesquisa", explica o antropólogo Carlos Fausto, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ele foi um dos integrantes da equipe que fez as descobertas.
Os vestígios descobertos indicam a existência no Alto Xingu, entre os séculos XIV e XVI, de aldeias estruturalmente similares às atuais, mas fortificadas com paliçadas e fossos, com até 500 mil m² de área e até 5 mil habitantes. Foram 19 aldeias descobertas com a ajuda dos Kuikuro, que consideram os vestígios como sendo de seus ancestrais, conforme conhecimento que lhes foi transmitido oralmente. As aldeias eram ligadas por caminhos de cerca de 5 quilômetros de extensão e até 50 metros de largura.
A ocupação humana na região do Xingu tem cerca de 1.000 anos, segundo esses estudos. O presidente da Fundação Nacional do Índio, Mércio Pereira Gomes, que também é antropólogo, lembra que a região sofreu grande redução populacional após a chegada dos colonizadores europeus. "Só agora estamos chegando ao mesmo nível de população que havia por aqui no fim do século XIX", diz ele.
Mércio estima que os atuais níveis de fecundidade, com crescimento populacional de cerca de 4% ao ano, levam a população a dobrar a cada 12 anos. Ele diz que a instalação de poços artesianos na aldeia, com fornecimento de água tratada, foi um dos principais fatores responsáveis pela queda da mortalidade infantil, que, calcula, chegava a 200 por mil nascidos vivos algumas décadas atrás.
Para saber mais sobre as pesquisas arqueológicas no Xingu, veja o livro "Os povos do Alto Xingu–história e cultura" , coletânea organizada por Bruna Franchetto e Michael Heckenberger.