A seca que nos últimos três meses assola o Pantanal não é a única ameaça à fauna e flora da maior planície alagável do planeta. Um projeto de lei apresentado pelo governo do Mato Grosso do Sul, e que começou a tramitar na Assembléia Legislativa do estado na quinta-feira 8 de setembro, pretende permitir que usinas sucroalcooleiras se instalem na bacia do Alto Rio Paraguai. É a terceira tentativa do governador Zeca do PT de emplacar uma mudança na Lei Estadual nº 328, criada em 1982, que veta este tipo de empreendimento em toda a bacia do Paraguai.
O projeto visa liberar a construção de usinas de álcool e açúcar em 18 dos 33 municípios da região peri-pantaneira. Se aprovado, a cana poderia ser plantada em uma região serrana que divide de norte a sul o estado do Mato Grosso do Sul, delimitando as bacias dos rios Paraguai e Paraná. A planície pantaneira seria, portanto, preservada. Clique no mapa ao lado para ver, em detalhe, onde fica o Pantanal e a região proposta para abrigar as usinas.
O que preocupa organizações ambientalistas e políticos do estado contrários à mudança na lei, contudo, é a possibilidade de contaminação dos rios que correm do planalto para o Pantanal. Os defensores da manutenção da atual legislação afirmam que as usinas podem descarregar nos cursos dágua o vinhoto, um líquido tóxico e residual do processo de destilação do álcool da cana-de-açúcar. Em contato com a água, a substância absorve oxigênio e pode comprometer a sobrevivência das espécies aquáticas.
Alessandro Menezes, da ONG Ecologia e Ação (Ecoa), alerta também que as usinas podem despejar no solo e em rios outros poluentes, como a água cáustica utilizada na lavagem da cana e anticorrosivos e detergentes aplicados nos equipamentos das instalações. “Além disso a monocultura da cana pode alterar grandes áreas de Cerrado, comprometendo a biodiversidade e desfigurando o entorno do Pantanal, região considerada Patrimônio da Humanidade pela Unesco, que tem no turismo uma de suas principais atividades econômicas”, adverte.
O ambientalista ressalva ainda que nenhum estudo sobre a viabilidade de usinas na bacia do rio Paraguai foi apresentado à sociedade civil do Mato Grosso do Sul. “Sem estas análises não podemos dizer quais são os riscos e custos do projeto para a região”. Ele lembra que o Aquífero Guarani, uma das maiores reservas subterrâneas de água doce do mundo, localizado em grande parte na região, também poderia ter seus pontos de recarga contaminados.
O deputado estadual Pedro Kemp (PT), apesar de ser o líder do governo na Assembléia Legislativa do estado, diz estar convencido de que a instalação de usinas na região peri-pantaneira, mesmo com os cuidados e as atuais tecnologias disponíveis, pode resultar em acidentes que comprometem o equilíbrio ecológico de todo o Pantanal. “Queremos debater outra alternativas para a região norte do estado, como o cultivo de girassol e mamona para a produção de biodisel”, diz Kemp.
O deputado articula uma frente parlamentar para barrar a aprovação do projeto. Afirma que atualmente 14 dos 24 deputados estaduais do MS compõem o bloco contra as usinas, mas que o lobby do governo e dos prefeitos dos municípios contemplados no projeto de lei pode mudar o jogo. “Existem interesses políticos muito fortes por trás deste projeto, mas nossa intenção é pautar o debate do ponto de vista técnico”.
Alessandro Menezes, da Ecoa, diz que os municípios favoráveis à mudança na lei precisam avaliar corretamente os benefícios que estão sendo vinculados à chegada das usinas. “Os prefeitos acham que os caixas municipais vão engordar com a chegada das empresas, mas o que estão esquecendo é que, para atraí-las, o estado vai ter que oferecer altos incentivos fiscais”.
A Ecoa e outras entidades ambientalistas têm articulado uma campanha de mobilização no estado contra a aprovação do projeto e, desde o começo de setembro, recolheram cinco mil assinaturas contra a mudança na legislação. “Temos que esclarecer a população pois o governo garante que a cana vai ser a salvação do Mato Grosso do Sul”.
Exigências ambientais
O governo estadual afirma que o projeto pretende apenas gerar uma alternativa de desenvolvimento para os municípios da região do norte do estado. Sustenta também que os riscos ambientais serão evitados pela tecnologia disponível e pelo controle sobre o manejo da cana e seus resíduos.
O projeto exige uma série de quesitos do ponto de vista de viabilidade ambiental para a instalação das usinas. Entre outras coisas, que cada empreendimento seja objeto de Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima), apresente ao governo um plano de manejo do vinhoto, seja construído em local com altitude a partir ou acima de 230 metros do nível do mar, fique a pelo menos mil metros de qualquer corpo dágua e a 3 quilômetros de núcleos urbanos.
O secretário estadual de Produção e Turismo, Dagoberto Nogueira Filho, principal defensor do projeto, frisa que, com os cuidados previsto na lei e com a atual tecnologia empregada em usinas, a cana-de-açúcar é a melhor opção para uma região cujas principais atividades econômicas são a pecuária e a soja. “Com o preço destas mercadorias caindo, nosso estado está padecendo de uma saída lucrativa”, diz o secretário. “Com este tipo de investimento, vejo o Brasil no futuro como uma espécie de Arábia Saudita de uma das principais fontes de energia renovável do mundo”. O secretário garante que as plantações de cana impedem o assoreamento de rios. “A cana é ambientalmente correta, entre outros motivos porque suas raízes seguram a terra e evitam o assoreamento dos rios”.
O próximo embate entre os defensores da atual lei e os pró-usinas será em audiência pública sobre o projeto, marcada para o dia 21 de setembro em Campo Grande, quando uma dezena de prefeitos favoráveis à mudança da legislação deve comparecer. Até lá, as entidades ambientalistas do estado esperam que o abaixo-assinado contra as usinas próximas ao Pantanal tenha recebido o apoio de pelo menos dez mil pessoas.