Vinte e dois anos após descortinar para o Brasil e o mundo a beleza, mistérios e encantamentos dos povos indígenas do Xingu, o documentarista Washington Novaes faz um retorno a esse universo mágico e o reencontra transformado. Ilhado entre pastagens, estradas, e extensas áreas desmatadas para o plantio de soja, o Parque Indígena do Xingu e seus habitantes sofrem os efeitos da devastação ambiental ao seu redor e da proximidade, cada vez maior, com a chamada sociedade envolvente. As aldeias estão invadidas por antenas parabólicas. Os pajés vão desaparecendo, porque os jovens não querem mais saber da missão sacrificante. Hoje, assistem televisão, querem usar roupas de fábrica, tênis, óculos escuros e – suprema ambição – passear de moto pela aldeia.
Porém, mesmo transformado, o Xingu preserva sua magia e penetrar nesse universo, segundo Washington Novaes, ainda exige “uma mudança radical de perspectiva”. Em 1984, ele mesmo experimentou essa mudança, durante um mergulho de dois meses no cotidiano dos grupos indígenas Waurá, Kuikuro, Txukarramãe (atual Mentuktire) e Kren-Akarore (hoje Panará). Dessa experiência resultou uma das mais belas séries de não-ficção já exibidas pela tv brasileira: “Xingu, a Terra Mágica”, projeto executado pela Intevídeo Comunicação, para a extinta Rede Manchete. A série, de 10 programas, foi aplaudida pelo público e pela crítica, chegando ao último capítulo consagrada por 20 pontos no Ibope em todo o país.
Com a série de Washington Novaes, pela primeira vez, o Brasil conseguia enxergar sem preconceitos o mundo e a cultura do índio. Descobria encantado as crenças, os mitos, a organização social, o jeito de viver dos povos do Xingu. O cacique Raoni se lançava para o mundo como porta-voz das nações indígenas. O próprio documentarista se transformou e ensinava: “O encontro com o índio é um mergulho em outro espaço, em outro tempo, Um espaço aberto, de céu e terra, amplo, água e fogo. Um espaço colorido e pródigo, povoado por animais, vegetais, minerais e espíritos”.
Em seu novo mergulho no Xingu, em 2006, Washington Novaes reviveu as mesmas sensações. Como ele diz: “Este ainda é um momento de coexistência das duas culturas, a do índio e a do branco”. Graças a isso, pode registrar não só as mudanças negativas ocorridas ao longo das duas últimas décadas, mas também belos e comoventes flagrantes de manifestações culturais mantidas bem vivas pelos quatro grupos indígenas novamente documentados. A Festa do Pequi, a Festa do Espírito do Beija Flor, a Dança do Papagaio, o Kuarup, um ritual para agradar o espírito que roubou a alma de um rapaz, a iniciação dos jovens com a bateção de marimbondos e uma emocionante e espontânea reconstituição feita pelos Metuktire do momento histórico do primeiro contato com os irmãos Villas-Boas. Todos esses acontecimentos serão mostrados na nova série.
Para esse reencontro com o Xingu, Washington conseguiu reunir companheiros que partilharam com ele as emoções da primeira aventura: Lula Araújo como diretor de fotografia e João Paulo Carvalho, como diretor de edição. Antônio Gomes, o Painho, técnico de som, não pode acompanhar a turma desta vez. Entre os integrantes da equipe da nova série estão Siron Franco, diretor de arte; Pedro Novaes, diretor de produção; Marcelo Novaes, fotógrafo de still; Pedro Moreira, técnico de som; João Novaes e Cláudio Pereira, produtores executivos. A equipe incorporou ainda, como assistentes de fotografia, dois jovens cineastas das aldeias Kuikuro e Panará: Marica Kuikuro e Paturi Panará, ambos treinados pelo projeto “Vídeo nas Aldeias” e com filmes já exibidos em festivais.
Batizada como “Xingu, a Terra Ameaçada”, a nova série de Washington Novaes será lançada em abril, sob o patrocínio da Petrobrás, da Natura e da Ancine. Dividida em cinco programas, de 50 minutos cada, formará um conjunto com os dez capítulos da série anterior, que serão exibidos novamente. Washington também pretende relançar o livro “Xingu, Uma Flecha do Coração” e ainda publicar o diário da nova experiência. Com mais de 50 anos de atuação profissional, Washington Novaes, foi editor-chefe do Globo Repórter na época de ouro do programa, de 1977 a 1981. Desde então iniciou sua bem sucedida trajetória como documentarista, ligado sobretudo às questões ambientais. Tem vários trabalhos premiados no Brasil e no exterior, como o próprio “Xingu”, o documentário “Amazônia, a Pátria da Água” e as séries “O Desafio do Lixo” e “Os Caminhos da Sobrevivência”.