Estação Vida – Enquanto se comemora o aumento do consumo e da produção de álcool no Brasil, principalmente como combustível e bebida, os trabalhadores da monocultura da cana-de-açúcar denunciam a utilização de mão-de-obra escrava, o prejuízo ao meio ambiente causado pelas queimadas de cana e o uso do agronegócio como gerador de desigualdades sociais. Essas são algumas conclusões do Encontro da Comissão Pastoral da Terá (CPT) sobre o setor sucro-alcooleiro, realizado esta semana em Recife, Pernambuco. Em nota divulgada à imprensa, com o título “Açúcar com Gosto de Sangue” as 12 regionais da CPT, que atuam nas regiões de monocultura da cana, denunciam a exploração e violação dos direitos humanos, sociais e ambientais, e o favorecimento das atividades dos grandes oligopólios. “Vamos refletir e elaborar estratégias conjuntas de enfrentamento dos problemas advindos da nefasta expansão do latifúndio canavieiro, patrocinada pelas políticas internacionais de aumento do consumo do álcool”, diz a carta da CPT.
Durante a reunião, representantes das regiões produtoras de cana fizeram um panorama histórico de cada área. Foram apresentadas as experiências das plantações dos estados do nordeste (Pernambuco, Alagoas, Ceará, Bahia e Maranhão), sudeste (São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais), centro-oeste (Mato Grosso do Sul e Goiás) e sul (Paraná). “Não tenho ouvido nada em relação ao Pró-Álcool (programa do governo de incentivo à produção de álcool), porque a expressão está gasta. Preferem falar em desenvolvimento sustentável, seqüestro de carbono, créditos de carbono, biorefinaria, biocombustível”, diz Antônio Thomaz Júnior, um dos participantes do encontro. Para ele, a questão da queimada da cana é polêmica, porque é um problema ambiental, mas investir no fim da queimada resultaria num batalhão de desempregados, numa região semi-árida que possui um dos menores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do mundo.
De acordo com o que foi apresentado no encontro em Pernambuco, a situação é de violência, crime organizado e tráfico de drogas. “Há uma guerra civil, com muitos assassinatos, seqüestros, perseguições, torturas, massacres, onde os homens dormem durante seis meses e nos outros seis trabalham em longas jornadas”, relata a experiência do Estado do Pernambuco, registrada em relatório da CPT. Alagoas é o estado que mais exporta mão-de-obra para as plantações do sul do país. Duas usinas foram fechadas e os grileiros se apossaram das terras das usinas falidas. Com o fechamento das usinas, cresceu o número de favelas.
A Bahia tem 79,7 mil hectares de cana cultivados em três regiões do estado. Numa delas, no Recôncavo Baiano, depois da crise do açúcar e do fim do Pró-Álcool, três usinas fecharam. No Ceará, a maior plantação está na região do Vale do Cariri, onde estão localizados 42 engenhos, três destilarias e uma usina. Dos 6 mil trabalhadores contratados, hoje não passam de 500. Lá, foi feita a denúncia de que a Delegacia Regional do Trabalho estaria sendo cooptada pela empresa para não fazer cumprir os direitos trabalhistas.Com a produção de rapadura e cachaça, a cana é uma das culturas mais tradicionais do Maranhão. Mas, a partir dos anos 80, com a chegada da empresa Agroserra, houve a contaminação de um dos rios que abastecem a capital. Na região do cerrado, observa-se o desmatamento e morte de boa parte da fauna e da flora. Há migração dos trabalhadores e denúncias de uso do regime de semi-escravidão.
São Paulo, na região sudeste, é responsável por 61% da produção nacional de cana-de-açúcar e de álcool. Segundo o relato da CPT, o progresso tecnológico caminha lado a lado com o trabalho escravo. “Nos últimos 20 anos, os grupos usineiros consolidaram um poder que não está restrito á planta fabril, mas tem também o poder sobre a matéria-prima, diferentemente dos outros estados. No Mato Grosso do Sul, as denúncias são ainda mais graves: casos de crianças que nascem sem cérebro e com câncer, uso de agrotóxicos e poluição dos rios. O Vale do Jequitinhonha (uma das regiões mais pobres de Minas Gerais, que integra o Polígono das Secas) é um dos maiores fornecedores de mão-de-obra canavieira para outros estados (70 a 80 mil pessoas por ano).
Hoje, no Brasil existem 324 empresas que absorvem 1,3 milhão de trabalhadores no setor. São 5,1 milhões de hectares plantados. Segundo o geógrafo Antonio Thomaz Júnior, que assessorava o encontro, a vigência do decreto que sinaliza para a redução gradual de queimadas até sua extinção total, prevista para 2015, deve ser debatida. “Não existe nenhuma ação concreta para discutir o que vai acontecer com os trabalhadores quando a produção for mecanizada”, alerta.
Com o aumento das vendas de automóveis adaptados para o consumo de álcool e gasolina e o reaquecimento das vendas de veículos a álcool (em 2003, foram vendidos 84 mil carros a álcool), a tendência é que se invista também no crescimento da produção de cana. “Reafirmamos a urgência da efetivação da Reforma Agrária e da valorização da agricultura camponesa como construção de outro modelo de agricultura e de sociedade. Apoiamos e convocamos toda a sociedade para aderir à campanha em favor do projeto de lei que pretende aprovar a expropriação das terras onde há a ocorrência do trabalho escravo, a PEC 40. Sentimo-nos desafiados a articular ações efetivas de denúncias das conseqüências perniciosas do chamado agronegócio da cana”, diz a nota da CPT. Entre as propostas do encontro, estão o enfrentamento do latifúndio sucro-alcooleiro, formação de trabalhadores, ampliação da campanha contra o trabalho escravo, formação de parcerias e apoio às ocupações dos latifúndios do agronegócio da cana.