O dia no Posto Indígena Leonardo Villas Bôas, lugar onde estamos hospedados no Alto Xingu, começou antes do sol nascer. Ainda escuro, o cozinheiro preparava a refeição: leite, café e umas bolachas água e sal que trouxemos de Canarana. Enquanto isso, as mulheres e crianças índias tomavam banho no rio, fazendo um barulho que tornou impossível o sono.
Às 7:30, quando levantamos, Aumary, irmão do cacique Aritana, da tribo Yawalapiti, já nos esperava com a Toyota. Nos preparamos, subimos na caçamba e tomamos o rumo da aldeia. Ao chegar, encontramos os homens ajudando na construção de uma maloca. Eles fazem mutirões no qual o dono da casa deve arrumar todo material, como imbira, sapê e madeira para armação, enquanto o resto dos homens da tribo ajuda na construção. No meio de toda a atividade, foi morta uma inocente jararaca que perambulava por ali, motivo de agitação e curiosidade entre as crianças da aldeia.
Com trabalho coletivo, os homens da tribo ajudam na construção de cada oca da aldeia. Foto: Fernando Zarur
Após vermos e fotografarmos o trabalho na oca, passamos o resto da manhã conversando no centro da aldeia. Este seria o local da casa dos homens, hoje, provisoriamente, substituída por uma choupana. No ano passado uma forte tempestade derrubou a casa do Piracumã, irmão do Aritana e diretor do Parque Indígena do Xingu, e a antiga casa dos homens. Normalmente, este seria um lugar reservado aos homens, onde estariam guardados máscaras, flautas e diversos instrumentos rituais proibidos para as mulheres. Do modo como está, é somente um local de reunião.
Conversamos e comemos peixe com beiju com a maioria dos chefes de família Yawalapiti. Entre eles, chamava a atenção o velho Parú, pai de Aritana, antigo cacique e rezador da tribo. Grande amigo de Orlando Villas Bôas e responsável pela reunião de sua tribo (espalhada e reduzida a somente 12 membros na década de 1940), ele é capaz de encontrar raízes que sugam veneno de qualquer cobra, de rezar para manter onça afastada e fazer peixe pular na rede durante a pesca do timbó.
Por volta do meio-dia, fomos com mais uns 15 meninos tomar banho no rio Tuatuari. Com certeza foi um dos momentos mais divertidos da viagem. Jogamos uma partida de futebol das mais confusas da história, ninguém tinha idéia de que time era, só sabíamos o lado do gol. Também descobrimos que existe uma divisão entre a praia das mulheres e a dos homens. Ontem, desavisados, tomamos banho na praia das mulheres, mas hoje fomos levados pelas crianças ao local correto.
Duas horas depois, voltamos para a tribo. Era hora de começar o treinamento do Huka-Huka. A luta é muito semelhante ao judô e à greco-romana, envolve força e, sobretudo, muita técnica. O treino dura mais de uma hora e só permite aos participantes rápidos descansos de um ou dois minutos. Participavam alguns guerreiros que treinavam para competição com outras aldeias do Alto Xingu, e três jovens que estão passando pelo Awawoiá.
Jovens descansam durante poucos minutos entre cada combate de huka-huka. Foto: Fábio Pili
O Awawoiá é a passagem da criança para a fase adulta. O jovem Yawalapiti, entre 14 e 17 anos (a idade depende do participante), começa uma preparação para se tornar um adulto respeitado diante da tribo. Para isso, fica isolado dentro de sua casa, sem nenhum contato com mulheres, sem poder sair e participar do cotidiano tribal. A exceção é o treinamento diário de huka-huka, uma das condições para o fim da transição. Até o banho acontece à noite, quando os outros índios não usam mais o rio. O Awawoiá só termina quando o treinador do jovem o considera preparado, o que pode durar de dois a cinco anos.
PS – Fernando pede espaço para comentar que depois de vários dias tomou água gelada, em segredo, na casa do Kokoti.
acho que podiam explicar melhor as coisas