O Rota Brasil Oeste foi uma oportunidade única para colocarmos em prática todo o conhecimento acumulado durante a vida acadêmica aliado a uma experiência pessoal de reconhecimento da diversidade cultural brasileira.
No caminho, tivemos contato com os mais diferentes tipos humanos. Nas cidades, apesar da unidade na língua, algumas dezenas de quilômetros eram o bastante para nos depararmos com tipos físicos, realidades e modos de vida próprios. Em Barra do Garças conhecemos antigos políticos do interior; em Xavantina, típicos sertanejos mato-grossenses além daqueles que foram para a região fugindo das grandes cidades e procurando um modo de vida alternativo; em Água Boa e Canarana, gaúchos imigrantes.
Os indígenas do Brasil Central, por sua vez, representam uma visão de mundo ainda mais rica em diferenças. Os quinze dias que passamos entre as tribos, tanto xinguanas como xavantes, nos levaram a questionar a artificialidade de valores considerados naturais e verdadeiros em nossa sociedade.
A equipe do Rota Brasil Oeste pega uma carona na caçamba do trator improvisado como transporte no percurso de 8km entre o Posto Indígena da Funai, Leonardo Villas Bôas e a comunidade Yawalapiti, Alto Xingu. Foto: Fernando Zarur
Completando nossa iniciativa, tivemos a chance de resgatar um dos temas mais importantes da história recente do desenvolvimento nacional. Adjetivos como epopéia e saga, são pouco para descrever o aspecto heróico da biografia, não só dos irmãos Villas Bôas, mas de dezenas de trabalhadores anônimos que fizeram parte da Expedição Roncador-Xingu.
Pudemos constatar, também, o valor da iniciativa dos Villas Bôas. Jovens da classe média paulista, abandonaram seus bons empregos em empresas da capital, para se aventurar no Centro-Oeste. Disfarçados de sertanejos, os primeiros empregos na Expedição Roncador-Xingu foram: Orlando, auxiliar de pedreiro; Cláudio e Leonardo na enxada.
Mesmo não tendo formação humanística específica, os Villas Bôas tiveram a consciência, ainda na década de 40, de lutar pela preservação da natureza e as tradições dos índios. Apesar de algumas críticas existentes sobre sua filosofia de trabalho, o fato é que esta ação protecionista manteve relativamente bem preservadas as culturas originais em cerca de 16 etnias dentro do Parque Indígena do Xingu.
Travessia de um pântano para chegar à aldeia Kuikuro, Alto Xingu. Ainda relativamente isolada, há pouco mais de 60 anos, a região era praticamente desconhecida, representava um imenso ponto de interrogação na cartografia e alimentava lendas no imaginário nacional. Foto: Fernando Zarur
Um claro exemplo deste trabalho são os Yawalapiti, povo que estava desaparecendo e foi salvo por Cláudio e Orlando. Como escreveu Darcy Ribeiro, “sua façanha mais extraodinária, a meu ver, foi a criação, ou recriação, de todo um povo – os yawalapitis, que só existiam dispersos nas várias aldeias xinguanas, até que os Villas Boas os juntassem, novamente, para retomarem seu destino de uma das caras do fenômeno humano”.
Nos anos passados dentro da selva, cada um dos Villas Bôas enfrentou malárias, mato fechado, onças, fome, ameaças de morte e até falta de roupas e calçados. Em contraste, nossos problemas foram arranjar computadores, câmera digital, conexão via satélite, carro, combustível e outros produtos.
Realizado 58 anos depois do início da Expedição Roncador-Xingu, o Rota Brasil Oeste resgatou a memória deste lado épico da história brasileira alimentando uma página na Internet. Usando este aparato tecnológico, conseguimos cumprir o objetivo de registrar em texto e fotos as impressões sobre o meio de vida, realidade e problemas das populações nas cidades e nas aldeias, além da inesquecível experiência pessoal.