Domingo, 20/05/2001

Leitores,

Hoje vou escrever para todos os que conheço, mas principalmente para os colegas da Comunicação, professores e alunos.

Primeiro queria contar que – não sei se já escreveram antes – a estadia aqui no parque é muito interessante, reveladora. Só para ter uma idéia: para chegar na aldeia Iaualapiti, nós pegamos carona no barco do cacique Aritana, dirigido pelo seu filho, Ualá, de 14 anos. Até aí, tudo bem, mas existe algo que, para mim, é extraordinário: o garoto dirigiu o barco à noite, sem nenhuma iluminação, por quase seis horas. E conseguiu a proeza de não bater em nenhuma pedra ou galho. Imagino como está São Paulo sem luz ou se eu tivesse de dirigir para casa só com a luz das estrelas, sem nem mesmo o clarão da lua. Algo bucólico e desastroso…

Outra lembrança interessante: conversei um tempo com o pai do Aritana, o rezador e raizeiro Parú. Novamente: até aí, nada demais. Mas o velho já vivia aqui antes de qualquer contato com o branco, e já se virava muito bem no mato, sem machado de metal, espingarda ou lanterna. ‘Ora, índios vivem no mato, sem nenhum problema, já há muito tempo’, muitos devem pensar. É, mas já escrevi, ele é raizeiro, e para conseguir raiz, tem de se embrenhar no mato por dias, muitas vezes sozinho. Complicou um pouco… Ainda mais se acrescentar um perigo que parece distante, mas aqui é real e incomodamente comum: ataque de onças. Bem, para encurtar a história: Parú, que já foi também Tapiruatá e Okanato (abandonou os nomes para passar aos netos primogênitos de cada filho), nunca foi atacado, pois faz reza que afasta onça. Difícil de acreditar, não é, mas como explicar?

Também têm as crianças (que merecem muito mais do que um parágrafo, mas, infelizmente, é só o que posso dar hoje). Resumindo: elas são completamente independentes, sempre – não sei como, se descobrir, aviso – risonhas e alegres, e têm um senso de união, de coletivo, que dá inveja a qualquer político ou governo.

Mas não é sobre isso que queria escrever, e sim sobre a experiência que tive esta noite, junto com o Fernando. Fomos à casa do chefe do Posto Leonardo, o Kokoti Aweti, e lá tinha uma TV (embora passe a idéia de um lugar distante e inóspito, o que não deixa de ser verdade, em todo o Parque do Xingu você encontra energia elétrica, seja de gerador ou célula solar). E ela estava ligada na Globo, que transmitia o principal veículo de informação do nosso país, o mais acessível em cerca de 97% do território brasileiro, o esperado Jornal Nacional.

A matéria que passava era sobre o efeito negativo do racionamento de energia na indústria da construção civil, segmento da economia com faturamento de bilhões todos os anos, grande empregadora da massa ignorante que habita esta terra abençoada por Deus. No meio da reportagem aparecia o depoimento de um empresário que havia investido R$ 500 mil na obra de um conjunto de lojas, mas estava impedido de negociar seu investimento enquanto durar o racionamento, pois novas ligações elétricas estão proibidas.

Logo depois, começaram os comerciais e vimos uma loira bem formada nos oferecer uma Skol gelada, seguida por uma galera-jovem-muito-divertida-que-agita-todas-e-se-diverte-a-valer-bebendo-um-(também)-gelado-e-saboroso Guaraná Antarctica.

Somente um comentário: absurdo.

Estranho, mas a alteridade (papo chato e academicista espalhado como panacéia no Departamento de Antropologia) e toda a crítica a cultura de massas (praga na Comunicação…) pode adquirir algum sentido prático.

Bem, era isso.

Bruno Rocha Radicchi

PS: o Fernando assistiu um pedacinho da novela das seis e se recusa a escrever, pois só comentaria o assunto em porta de banheiro.

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