Além de exímio carpinteiro, fazendeiro, tocador de sanfona e ótimo contador de casos, seo Francisco Chagas é o primeiro artesão a fabricar carrancas já na nascente do rio São Francisco.
Ligado ao rio até pelo nome, seo Chico Chagas, como é conhecido, mora num sítio no sopé da Serra da Canastra. Natural de São Roque de Minas, ele ficou conhecido nas redondezas quando começou a fazer carrancas, atividade que era apenas um passatempo quando esteve proibido de sair de casa depois uma operação de hérnia.
A extrema habilidade para trabalhar a madeira é uma herança do avô carpinteiro, e deu facilidade ás primeiras caretas esculpidas, usando como molde apenas suas lembranças. Ele explica didaticamente que a carranca é usada para afastar o mau. Ao lado de cada explicação, segue uma pequena história:
“Meu avô sempre ia pescar com meu tio-avô, nuns rios que tinham aí pra cima. Meu tio sempre falava pra tomar cuidado com o caboclo d´água, uma mistura de homem e macaco que vira a canoa para comer as pessoas. Meu avô num acreditava em nada disso. Mas um dia ele tava pescando, a canoa começou a bambear. Quando ele viu uma mão agarrada na borda, ele tirou o facão e cortou. Era a mão do caboclo d´água, ela era preta com umas coisas assim no dedo que nem pato. Ele guardou isso até as vésperas de sua morte. A carranca é pra isso, o caboclo d´água vê aquela cara mais feia que ele e vai embora”.
Seu Chico Chagas conta seus causos ao redor de sua sanfona. Foto: Fernando Zarur.
Além dos causos, seo Chico também é conhecedor dos problemas que a região enfrenta atualmente. Reclama da degradação ambiental no Parque da Serra da Canastra, do rio São Francisco e de que as autoridades deviam pensar mais sério sobre o meio ambiente. Ele sugere, por exemplo, a construção de pequenas usinas para aproveitar a queda natural das dezenas de cachoeiras da região.
Chico defende que em locais onde não há tratamento de esgoto, as pessoas deveriam usar mais o banheiro ao ar livre. “Eu acho que as pessoas tinham que usar mais o campo para defecar. Poderia até ser construída uma fossa comunitária. Aí, deixava encher e doava tudo como adubo para os fazendeiros”.