O Ministério Público Federal (MPF) em Roraima recuperou na última semana amostras de sangue de 90 ianomâmis, que estavam na Universidade Federal do Pará (UFPA). Elas foram coletadas em 1990 sem o necessário consentimento informado, nem um pedido formal aos indígenas, que ignoravam seu uso imediato e futuro.
"Recebemos amostras de DNA em solução aquosa, já sem aparência de sangue", explicou hoje (6) à Radiobrás o procurador-geral da República no estado, Maurício Fabretti. "Estamos em contato com as lideranças indígenas para devolvê-las às seus verdadeiros donos".
"O sangue foi coletado em três localidades da terra indígena Ianomâmi: Alto Mucajaí, Baixo Mucajaí e Paapiú. Para ir até lá, é preciso pegar avião e nem sempre há vôo", explicou o antropólogo do MPF, Jankiel dos Santos. "Queremos entregar as amostras diretamente às comunidades. Acredito que no máximo em um mês isso tenha ocorrido".
De acordo com um documento enviado ao MPF pela UFPA, as amostras foram usadas em exames laboratoriais de investigação epidemiológica da malária. Esse era o objetivo original da coleta – mas após os primeiros testes, o sangue foi usado também para obtenção de DNA (informações da cadeia genética). "As amostras foram enviadas pela UFPA à faculdade de Medicina da USP ( Universidade de São Paulo ), em Ribeirão Preto. Depois, retornaram a Belém", detalhou Santos.
De acordo com ele, a devolução do material genético aos ianomâmis é essencial para o bem estar das comunidades. "Quando um ianomâmi morre, os parentes cremam seus restos mortais e seus bens rituais – e nunca mais tocam no seu nome. Agora que eles conhecem a fotografia, elas também são queimadas", explicou. "É difícil dizer exatamente o porquê desse ritual, mas ele está ligado à destruição da lembrança da pessoa morta, para que ela passe para o mundo sobrenatural e não perturbe a sociedade. A existência dessas amostras significa um sofrimento psicológico para os ianomâmis".
Santos afirmou ainda que recuperação das amostras sinaliza para a sociedade que o MPF está atento à ação dos cientistas. "Isso vai desencorajar a realização de novas coletas ilegais de sangue dos indígenas", ressaltou. "Além de estimular outras comunidades indígenas do Brasil a provocar o Ministério Público para que recupere o seu material genético coletado ilegalmente".