Jornal do Brasil – Uma das áreas mais visadas de Sobradinho, próxima ao Pólo de Cinema da cidade, começou a ser ocupada há cerca de dois meses, preocupando os moradores da região. Como nos casos clássicos de grilagem, o primeiro barraco foi montado na área em meio ao cerrado, sem chamar atenção. Aproximadamente um mês depois, outro barraco apareceu, construído de um dia para o outro. O local é considerado de extrema importância ecológica, concentrando inúmeras nascentes que abastecem a região. Ontem, a área começou a ser cercada às pressas.
Os moradores dos dois barracos, erguidos há dois meses no terreno, se consideram proprietários legítimos de toda o terreno. Eles seriam descendentes da família Gomes Rabelo, antiga proprietária das terras há mais de 40 anos. Segundo o advogado da família, Antônio Teixeira, existem ações na Justiça desde 1997 para reaver o terreno, que teria sido tomado da família por um grileiro chamado Milton Ferreira.
Mas a versão dos supostos descendentes do fazendeiro Gomes Rabelo é confrontada por antigos moradores da região. George Zarur, dono de uma chácara próxima à área ocupada desde 1964, diz que há cerca de vinte anos as terras teriam sido desapropriadas pela União e, a família, ressarcida. O morador também conta que os Gomes Rabelo continuaram morando nos arredores e nunca sequer pensaram em reaver a terra. Pouco antes da eleição, subitamente, a família humilde resolveu ocupar a área e contratou advogado.
Segundo o morador, o terreno foi usado como área de reflorestamento pela companhia Pró-Flora. Durante aproximadamente 20 anos, as terras foram tomadas pela plantação de pinheiros. Com a falência da companhia, o terreno ficou descampado e sem utilização, tornando-se alvo fácil para a ação de grileiros. Além do fato de ser adjacente ao Pólo de Cinema e Vídeo do DF, o histórico regional comprovaria que as terras são públicas.
– Esta área há muito tempo vem sendo visada por grileiros. Já houve ocupações anteriores, com cerca de cem barracos. Mas a área felizmente ainda não chegou a ser parcelada – afirma Zarur.
Procurados pela reportagem, membros da família que ocupam os barracos não quiseram se manifestar sobre a ocupação indevida. Uma das suspostas tataranetas do antigo dono do terreno, chamada Marli, informou que o advogado da família, Antônio Teixeira, teria orientado todos a não participarem de qualquer tipo de reportagem.
Teixeira diz que o terreno que faz divisa com a APA de Cafuringa nunca foi desapropriado da família Gomes Rabelo. E garante ter provas disso. As terras seriam registradas em um cartório de Planaltina em nome dos supostos quatro herdeiros de Gomes Rabelo.
– Esta área é a antiga Fazenda Olhos D Água. Quando o antigo proprietário (João Gomes Rabelo) morreu, as terras foram parar nas mãos de um grileiro – explica o advogado.
Novela jurídica
O advogado Antônio Teixeira acusa Milton Ferreira como o suposto grileiro de terras. Ferreira teria se apresentado à família para preparar o inventário dos herdeiros de Gomes Rabelo na época em que o patriarca morreu. Segundo Teixeira, Milton fez com que os quatro filhos de Gomes Rabelo assinassem uma procuração que autorizava a venda e a transferência de seus bens.
– Como os filhos de Gomes Rabelo eram todos semi-analfabetos, assinaram o documento sem saber o que estavam fazendo. A família acabou ficando totalmente desamparada – diz Teixeira.
Em 1997, diz ainda o advogado, a procuração foi cassada pelo Tribunal de Formosa, Goiás. Mas desde 1984 todas as propriedades já haviam sido vendidas. O suposto grileiro, de acordo com o advogado, produziu então um recibo falso de compra das terras de Gomes Rabelo. E, logo depois, entrou com um recurso na Justiça comum para
ecuperar o terreno.
Apesar da história complicada, os clientes de Teixeira seguem roteiro similar ao de muitas operações de grilagens no DF. As terras, além de economicamente atrativas por sua localização, também são extremamente relevantes do ponto de vista ecológico, de acordo com o ambientalista João Arnolfo, do Fórum das ONGs Ambientalistas do DF e Entorno. O terreno está na divisa da Área de Preservação Ambiental de Cafuringa (APA Cafuringa), onde pode-se encontrar dezenas de nascentes que abastecem as populações vizinhas de Sobradinho.
– Esta área é riquíssima como ecossistema e não pode, de maneira nenhuma, ser alvo de grilagem sob pena do extermínio das nascentes – diz João Arnolfo.
Ontem, cerca de vinte pessoas estiveram trabalhando no local. Com um carregamento de madeiras, montavam às pressas cercas para demarcar o terreno. Abordados, os trabalhadores se limitavam a dizer que a área pertencia à família Gomes Rabelo.
Larissa Guimarães