Pronunciamento da Ministra do Meio Ambiente

IBAMA – Texto referido pela ministra Marina Silva em seu discurso de posse no auditório do Ibama. Esse texto, chamado por ela de “discurso oficial”, não foi efetivamente lido, o que foi justificado pela Ministra pela sua dificuldade de visão para leitura.

Lula disse no Parlatório, após a posse, que ele é resultado não de uma eleição, mas de uma história. É o que sinto em relação a minha trajetória pessoal e coletiva. Ela é resultado de valores cultivados nas dificuldades e na união da vida familiar e da influência de três fontes de inspiração: minha fé cristã, meu pai, o seringueiro Pedro Agostinho; e Chico Mendes. E é resultado, particularmente, de minha participação num movimento social que contribuiu decisivamente para a criação do conceito “socioambiental”, ao defender a floresta e as pessoas que nela vivem como um único e indissociável objetivo. A geração que implantou o Governo da Floresta, no Acre, é herdeira dessa luta, que procura levar o desenvolvimento sustentável, em todas as suas dimensões, para o coração dos governos e das decisões de Estado.

Participar do governo Lula é uma honra e um desafio de vida. Estar à frente do Ministério do Meio Ambiente neste governo é uma oportunidade única de honrar nossa história e especialmente os companheiros que no Acre e em vários locais do Brasil deram suas vidas em nome da causa de um mundo com mais justiça social, qualidade de vida para todos e respeito ao meio ambiente. Podemos agora levar à prática, na dimensão do poder executivo federal, o aprendizado resultante de tantas e tão convergentes militâncias.

No meu caso, trago o aprendizado das comunidades eclesiais de base, do movimento social, da participação sindical e dos mandatos públicos até aqui exercidos. Faz parte desse aprendizado a convicção de que o poder tem que fazer um sentido público e coletivo, ou seja, de que ele é tão mais legítimo quanto mais diluído for. É no compartilhar que o poder se fortalece. Ao contrário, quanto mais concentrado, mais se esteriliza, distanciando-se de valores humanos, sociais e espirituais e passando a ser um objetivo em si.

Se o governante não quer para si a doença degenerativa da ambição pelo poder em si, deve ser precavido, em benefício tanto de sua própria essência humana e do sentido maior de sua vida, quanto em nome da sociedade, por um imperativo ético.

Essa precaução implica criar estruturas de formulação, avaliação e decisão mais horizontalizadas, capazes de gerar eficiência menos pelo brilhantismo das individualidades e mais pela operação das competências pessoais num ambiente de respeito pela diversidade de opiniões, culturas e idéias, com dedicação e criatividade. Daí surgirá a competência coletiva de que o País precisa para mudar.

Esse será o princípio geral de minha gestão à frente do Ministério. Não é fácil colocá-lo em prática. Essa deve ser necessariamente uma tarefa consciente e ética que cada membro deste Ministário deve se colocar, antes mesmo de encará-la como tarefa técnica e profissional. Para isso, vamos nos conceder mutuamente um voto de confiança, de modo a fazermos nossa parte na grande aliança pelo Brasil, que é o governo Lula.

O Ministério do Meio Ambiente, a depender de todos nós, pode ser o símbolo da grande mudança estratégica sinalizada pelo presidente da República. Internalizar o Meio Ambiente no coração das decisões de governo é um grande e emblemático desafio que vai do presidente Lula ao conjunto dos ministros e outras autoridades de governo, mas, em primeiro lugar, deve motivar-nos, a nós que aqui estamos e à ampla e diversificada comunidade que há décadas tem levado adiante, em meio a enormes dificuldades, a causa socioambientalista.

É nosso papel induzir, oferecer soluções, despertar consciências, procurar e estimular parcerias, demandar participação em decisões nas quais o componente ambiental deva ser considerado. Devemos mostrar, enfim, a viabilidade de se chegar a uma realidade na qual, ao se falar em políticas públicas, estaremos de fato falando em um projeto de desenvolvimento integrado, nacional, voltado para um futuro melhor para todos, sem descuidar das emergências do presente.

Temos uma alentada agenda de trabalho pela frente com os demais ministérios e devo dizer que já começamos os primeiros contatos para implementá-la com os ministros de Minas e Energia, da Agricultura, da Integração Nacional, da Secretaria de Pesca. A partir de agora, essa agenda será parte importante do nosso cotidiano e temos que nos preparar política e tecnicamente para cumprí-la com humildade, competência e espírito de governo.

Faz parte destacada dessa agenda o trabalho integrado no semi-árido, para o qual a equipe de transição na área ambiental propôs o Sede Zero, como a outra face do Programa Fome Zero anunciado pelo presidente Lula. É no semi-árido que se dá, mais do que em qualquer outra região do País, o encontro da pobreza com a necessidade de uma política ambiental transversal.

O Sede Zero quer, por meio de um conjunto de intervenções integradas de governo, assegurar a cada brasileiro o direito a uma quantidade mínima de água de boa qualidade diária, conforme prevê a Agenda 21. Desse esforço farão parte ações de recuperação das nascentes, das matas ciliares, o combate ao desperdício, medidas de baixo custo para propiciar o acesso à água potável e até a realização de grandes obras de saneamento ambiental.

A ONU proclamou 2003 o Ano Internacional da Água Doce. Em 2004 a Água será o tema da Campanha da Fraternidade da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, colocando o tema na agenda política da sociedade civil. Estaremos juntos a esses e outros parceiros para enfrentar esse problema, por meio da Secretaria de Recursos Hídricos, da Agência Nacional de Águas e de outros setores do Ministério que possam contribuir.

Com o novo Ministério das Cidades temos também uma parceria evidente e importante para o controle da emissão de resíduos, da ocupação desordenada do espaço, para a expansão para áreas de pobreza e degradação ambiental das tecnologias de controle de emissão hoje usadas basicamente nas áreas mais organizadas e bem aquinhoadas das cidades. É na meio urbano que temos a missão de governo, junto com a sociedade organizada, de fazer justiça ambiental.

Em nossa seara temos a tarefa histórica de processar adequadamente tanto nossa própria necessidade de ação transversal entre os vários organismos e setores do Ministério, quanto a operação do conceito de socioambientalismo. A prioridade expressa por Lula de combate à pobreza nos está profundamente colocada, pois, como sabemos, a tragédia ambiental é, muitas vezes, também a tragédia humana e social.

Convoco a todos para encararmos de maneira enfática, forte e decidida, o nosso papel no combate à pobreza. Temos muito a dizer sobre esse assunto e vamos fazê-lo. Para isso já temos um excelente ponto de partida: a Agenda 21. Na sua combinação de elementos condicionantes da ação sustentável, ela deixa claro que é impossível ver a questão ambiental sem ver ao mesmo tempo a pobreza como problema interligado, ambos objetos da mesma luta.

Está na hora de o Brasil assumir papel estratégico no mundo pela posição privilegiada que ocupa em termos de recursos naturais. Sua biodiversidade excepcional testemunha esta condição. E essa nova postura internacional só acontecerá como reflexo de uma postura interna de governo, capaz de ver com outros olhos esse nosso imenso trunfo para o desenvolvimento. Ele pode e deve ser melhor utilizado para balizar nossas relações no contexto global, na busca de alinhamento ético e troca respeitosa entre os que são ricos em recursos naturais e conhecimentos tradicionais associados e os que detêm tecnologia e recuros financeiros.

Nossa orientação básica será a da busca de parcerias, porém, dentro dos termos de uma política ambiental brasileira estratégica. Queremos apoio financeiro, sim, mas necessitamos também do que se poderia chamar de justiça tecnológica, ou seja, fornecimento de tecnologia em bases justas, com reconhecimento da capacidade do Brasil de também contribuir tecnologicamente para o mundo, tanto pelo trabalho de seus centros de pesquisa quanto pelo conhecimento acumulado por suas populações tradicionais.

Quero reafirmar, ainda, que o papel estratégico do Ministério será exercido em três eixos principais: o da transversalidade interna e externa na construção de políticas públicas de governo; o da participação e controle social, para garantir os benefícios do poder compartilhado e diluído; e o da sustentabilidade, materializado no objetivo de fazer crescer, em nossas ações, a educação para o “como fazer”, reduzindo a necessidade da função punitiva ou proibitiva, embora ela deva ser fortalecida e melhorada – inclusive tecnologicamente – para que, onde se aplique, seja aplicada de maneira conseqüente.

O Ministério do Meio Ambiente deverá ser indutor de boas experiências que aliem competência social e ambiental e, mais do que isso, procurar fazer com que elas se transformem em políticas públicas de desenvolvimento. Dará a elas, portanto, a escala e a integração imprescindíveis para atingir esse objetivo. Também atuará na promoção de pesquisa em manejo; proporá novas normas jurídicas e procurará aperfeiçoar as existentes para atingir o objetivo de internalizar definitivamente a variável ambienta nas decisões tanto do setor público quanto do setor privado.

O IBAMA também pode e deve ampliar a sua contribuição para o desenvolvimento sustentável ao lado de sua inalienável função controladora, fiscalizadora e punitiva. Comando e controle também podem ser entendidos como indução de procedimentos sustentáveis. Todos os que quiserem agir dentro da legalidade terão apoio e estímulo para capacitação e adequação de suas atividades. Com a ilegalidade renitente e delinqüente, será usado todo o rigor.

O Brasil tem um encontro com a floresta. Somos os maiores consumidores e produtores da floresta tropical. 84% da produção comercial de madeira é consumida no Sul e no Sudeste do país. São Paulo é o sexto maior consumidor de madeira do mundo. Assim, não podemos desconsiderar essa realidade e apenas ficar na defensiva frente às iniciativas dos grupos legitimamente interessados. É preciso acolhê-las e exercer, por meio da negociação, as prerrogativas e os deveres de Estado de fazer a lógica econômica integrar-se à lógica maior do interesse público. É preciso lembrar que dentro do conceito de interesse público estão abrigados interesses materiais desde que eles estejam imbuídos da defesa de valores de justiça, ética, eqüidade, bem como dos valores sociais, econômicos e ambientais.

Essa questão, especialmente relevante na Amazônia, me leva a fazer uma convocação a todos os segmentos sociais da região, sobretudo os setores produtivos. Hoje, muitos de seus representantes sinalizam para uma disposição construtiva, legal e sustentável. Vamos juntar ampliar e consolidar essa disposição. A Amazônia é um dos espaços onde teremos que fortalecer especialmente os laços da ação transversal do governo Lula, em diálogo sobretudo com os agentes que financiam o desenvolvimento.

Não procuraremos reinventar a roda na Amazônia, mas talvez seja o caso de produzi-la de maneira sustentável… Para isso temos muito o que nos inspirar nas múltiplas ações em curso de entidades da sociedade civil e em outras que mostram a eficiência da parceria sociedade-governos locais. Vamos, se Deus quiser, transformar o Arco do Desmatamento no Arco do Desenvolvimento Sustentável.

É preciso afastar de nosso horizonte a idéia equivocada de que a defesa de nossos ecossistemas seja algo incompatível com o desenvolvimento. A Mata Atlântica é um exemplo poderoso de que a degradação ambiental é contra o desenvolvimento. Destruídos 93% do bioma, em toda a vasta área por ele abrangido, subsistem a miséria, as desigualdades gritantes, a degradação urbana, mostrando a todo momento que, na verdade, proteção ambiental e uso correto dos recursos naturais é que são os aliados do desenvolvimento. Mostrando também que quando se fala em desenvolvimento é preciso, sim, identifica-lo: é aquele que vale a pena, que promove a qualidade de vida para todos, que dignifica a vida humana.

A Mata Atlântica remete-nos a uma questão de grande magnitude para o País. A nosso privilegiado território marítimo, que não pode mais continuar a ser visto principalmente como solução para lançamento de esgoto. As reservas extrativistas marinhas, em fase de afirmação e crescimento, apontam também para um veio de sustentabilidade promissor.

Da mesma forma há lições a serem aprendidas com o Cerrado – bioma cuja inclusão na Constituição como patrimônio nacional, juntamente com a caatinga, deverá ser objeto de esforço do Ministério. Trata-se de um bioma de importância estratégica para os objetivos do Ministério, graças a sua expressiva economia extrativista sustentável invisível. É um exemplo da viabilidade de compatibilizar conservação e geração de emprego e renda. Ao mesmo tempo é fonte de preocupação, justamente por ser visto como o território quase natural da expansão tradicional da grande economia e pouco como o depositário de uma excepcional biodiversidade e de potencialidade de desenvolver-se a partir dela.

Sempre digo que, se tivermos o propósito ético de nos desenvolvermos com justiça social e ambiental, haveremos de achar as respostas técnicas. Daí ser fundamental que este propósito se construa nos diferentes diálogos que constituirão o grande pacto ambiental da Nação Brasileira.

A I Conferência Nacional de Meio Ambiente e Desenvolvimento, a ser realizada ainda em 2003, será instrumento de articulação, sistematização e consolidação da participação social e momento para se estabelecer as grande3s diretrizes de políticas ambientais do governo que ora se inicia.

Para realizar esse propósito, temos como base de sustentação todos os funcionários do Ministério do Meio Ambiente, no âmbito de suas respectivas Secretarias e Programas; do Ibama; da ANA; e do Jardim Botânico, com a imprescindível participação da sociedade brasileira.

Não podemos assumir este Ministério sem registrar um forte reconhecimento ao trabalho da sociedade na área ambiental – das redes de organizações não-governamentais (ONGs), de empresários responsáveis, de comunidades. Proponho que esta parceria continue, se amplie e se organize para que Estado e sociedade, cada um dentro de seus papéis e responsabilidades específicos possam fazer avançar a meta do desenvolvimento sustentável.

Com o mesmo objetivo, estaremos em permanente diálogo com parceiros indispensáveis: os estados, os municípios e o Congresso Nacional, onde certamente teremos uma pauta de trabalho intensiva.

Quero agradecer e registrar a parceria que sempre tivemos, em meu mandato no Senado, com a comunidade do Ministério do Meio Ambiente. Ao mesmo tempo, como ministra – não mais como senadora – cumprimento todos os funcionários do Ministério, do IBAMA, da ANA, do Jardim Botânico, na pessoa do ministro José Carlos Carvalho. Quero lhes assegurar que daremos continuidade aos trabalhos de reconhecido mérito aqui feitos nas gestões do ministro José Sarney Filho e do ministro José Carlos Carvalho.

Por último, o presidente Lula disse que era o homem mais otimista do mundo. Como ele, contrariando as circunstâncias difíceis da vida, também aprendi a ser otimista. Não acredito na preponderância do erro em face da legítima força do acerto. Não acho que deva,os nos render à lógica do possível. O homem feito à imagem e semelhança de Deus deve sempre ter o impossível em seu horizonte.

Talvez o que tenhamos que aprender a fazer seja algo que tenho chamado de “aeróbica da musculatura do acerto”, fortalecendo-a como a melhor forma de combater a “musculatura do erro”. Oferecendo para este último o melhor dos ensinamentos do amor, que é o ato de oferecer a outra face. Para a face da prepotência, a humildade de aceitar-se também como falho. Para a face do descaso, o compromisso que cria e gera alianças. Para a face da vaidade, da voracidade pelo poder e para a autoria das coisas, o compartilhar autorias, realizações, reconhecimentos. E só assim vamos poder fazer o que Lula tem-nos pedido como funcionários, dirigentes e ministros: fazer parte do grande mutirão para mudar o Brasil.

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