Agricultura irrigada X Saúde ambiental: existe um conflito?

Vânia da Silva Nunes (*)

Nos debates atuais sobre o gerenciamento dos recursos hídricos do planeta, chegou-se a conclusão de que sem a irrigação não seremos capazes de produzir toda a alimentação que a população mundial crescente demanda. Mas quanto da água disponível do planeta deverá ser alocada para a irrigação e quanto deverá ser mantida para o funcionamento saudável do ambiente? Este foi o tema do diálogo “Uso da Água na Produção de Alimentos e Segurança Ambiental” que se iniciou na República Democrática do Sri Lanka no final do ano de 2000 sobre como compatibilizar, no século XXI, a competição dos vários usos da água. O que se pretende, a longo prazo, é otimizar o uso da água na produção sustentável dos alimentos e ao mesmo tempo melhorar a qualidade e manter a biodiversidade dos recursos naturais.

Esta discussão é de extrema importância, pois sabe-se que a agricultura irrigada é a que mais desvia água da natureza para as necessidades humanas de produção de alimentos. Isto é verdade, principalmente em países da Ásia e do Saara Africano onde entre 80% e 90% da água doce é utilizada na produção de alimentos.

Atualmente, a irrigação é utilizada em 17% das áreas aráveis do planeta, sendo responsável por 40% da produção mundial de alimentos. A irrigação usa aproximadamente 70% das águas retiradas do sistema global de rios, lagos e mananciais subterrâneos. Os outros 30% são utilizados em outros usos, tais como o industrial e municipal, geração de energia, recreação, etc. Estimativas indicam que até o ano 2025, a irrigação deverá expandir entre 20 a 30% para atender a crescente demanda da população. Assumindo que o padrão de alimentação irá melhorar em vários países, cogita-se que haverá um aumento de 40% na quantidade de grãos que a população mundial necessitará.

Atentos a esta necessidade e ao uso racional da água, os setores de irrigação já contam com tecnologia para atender à nova realidade e divulgam amplamente o conceito “maior produção por gota de água”. Ambientalistas, por outro lado, lembram que o uso racional da água na irrigação, não é só uma questão de utilizar a melhor tecnologia disponível, mas também de ter preocupações ambientais e obter o aval das comunidades locais. Especial atenção deve ser dada também ao uso de técnicas de conservação de solo e a minimização do uso de biocidas na agricultura irrigada, pois essa atividade poderá resultar em um aumento da contaminação não só das águas superficiais como também das águas subterrâneas.

No Brasil a preocupação quanto ao gerenciamento dos recursos hídricos se iniciou em 1934 com o Código de Águas, mas o mesmo só foi regulamentado e plenamente aplicado quanto ao aproveitamento dos potenciais hidráulicos para a geração de energia elétrica. Com a escassez de água mundial, a questão voltou à tona havendo a promulgação da Lei nº 9.433 de janeiro de 1997, instituindo a Política Nacional de Recursos Hídricos e criando o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

Apesar do Brasil ser detentor de aproximadamente 15% da águas doces do planeta, a maior parte dessa água (70%) está na bacia Amazônica, onde só 7% da população vive. Assim sendo, a maior parte da população nacional tem que dividir os 30% restantes. Outro dado importante é que metade da água consumida no Brasil ocorre na agricultura irrigada, sendo que o país tem só cerca de 5% de área cultivada irrigada.

Devido a isto as águas na agricultura já foram contempladas pela Secretaria de Recursos Hídricos (SRH) do Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e a Amazônia Legal (MMA) com o desenvolvimento do Sistema de Suporte à Decisão Agrícola (Sisda), que contou também com a colaboração da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Este sistema auxilia o usuário na tomada de decisão sobre o manejo adequado da água na agricultura e tem trazido resultados extremamente positivos no seu uso racional.

Esta iniciativa demonstra que se formos capazes de fazer uma boa administração dos recursos hídricos e manter a sua qualidade, quem sabe num futuro não tão distante poderemos ser exportadores de água? Afinal a água será o ouro deste milênio.

(*) Vânia da Silva Nunes é pesquisadora da Embrapa Pantanal
– www.cpap.embrapa.br – (vania@cpap.embrapa.br)

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