Seminário internacional discute co-gestão de unidades de conservação

ISA – A falta de infraestrutura e de recursos financeiros é um desafio antigo a quem se propõe gerir unidades de conservação. Encontrar alternativas para tentar modificar esse quadro foi o objetivo do seminário realizado em 05/05, denominado “Construindo um modelo de co-gestão de Unidades de Conservação para o Estado de São Paulo”. Promovido em conjunto pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente, o Instituto Florestal (IF), e as organizações não-governamentais Instituto Socioambiental (ISA), Fundação SOS Mata Atlântica e Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), o encontro reuniu, em 05/05, mais de 200 pessoas que ouviram relatos de experiências brasileiras, norte-americanas e latino-americanas em gestão de unidades de conservação, fizeram perguntas e levantaram dúvidas e questões.

O seminário foi fruto de parceria concretizada no início do ano entre o governo estadual e as ONGs para propor um modelo que discipline a co-gestão de unidades de conservação no Estado de São Paulo, possibilidade aberta pela Lei 9985/00 – a Lei do SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação).

Porém, para ser bem explorada precisa de uma regulamentação mais detalhada. O objetivo primordial era, assim, promover discussões conceituais, ouvir críticas e recolher sugestões, para apresentar à Secretaria do Meio Ambiente (SMA), em junho próximo, uma proposta de regulamentação a ser discutida e posteriormente adotada pelo estado.

Os convidados que palestraram pela manhã expuseram experiências concretas de gestão compartilhada em áreas protegidas no Brasil, na América Central e nos Estados Unidos, propondo a reflexão sobre avanços,e os entraves e impasses que podem ser criados em sua implementação.


Experiências brasileiras

Julio Gonchorosky apresentou a experiência do Parque Nacional do Iguaçu (PR), que é nacionalmente reconhecido pelo número de visitantes que atrai e pela qualidade da infra-estrutura disponível para atender a essa demanda, que é implantada e explorada por particulares, por meio de contratos de concessão. Embora não seja propriamente um caso de gestão compartilhada, foi apresentado como um modelo de atuação conjunta entre o poder público e a iniciativa privada para melhor sustentar uma unidade de conservação.

Cesar Victor do Espírito Santo, diretor da Funatura, falou sobre o trabalho de sua instituição no Parque Nacional Grande Sertão Veredas (MG), que, embora não seja oficialmente denominado como gestão compartilhada, na prática funciona assim. Além de expor a história da parceria com o Ibama, e de como o trabalho vem sendo realizado, pontuou também os pontos
positivos e negativos da convivência cotidiana com o órgão público.


Gestão transferida na Guatemala

Oscar Nuñes, da ONG guatemalteca Defensores de la Naturaleza, apresentou a experiência de sua organização na gestão de algumas áreas protegidas na Guatemala. Lá, ao contrário do Brasil, é possível transferir completamente a gestão de uma área protegida para uma ONG, que assume até atividades como fiscalização, manutenção de infra-estrutura, entre outras. Para Nuñes, a co-gestão deve ser entendida como “um processo dinâmico entre Estado e entidade civis com a finalidade de compartilhar responsabilidades no campo legal, técnico e financeiro para a implantação do plano de manejo ou plano operativo”, ressaltando que “o processo é dinâmico, já que não será um contrato, mas um trabalho compartilhado entre o Estado e vários grupos organizados da sociedade”.


Co-gestão verde nos EUA

Paul Haertel, administrador do Acadia National Park (Maine/EUA), falou da experiência no Parque Nacional Acadia. Haertel recordou a história dos serviços dos parques nacionais norte-americanos e toda a trajetória do Parque Acadia, que atualmente recebe 3 milhões de visitantes por ano e conta com o apoio de várias diversas comunidades locais, que vivem no entorno uma área de 45 mil hectares, com 108 pessoas fazendo a fiscalização e o seu monitoramento.

Haertel destacou que nos Estados Unidos, há o que eles chamam de co-gestão verde, ou seja, o modelo é levado para uma agência ou ONG que aceite o projeto. E defendeu ainda que os benefícios devem ser de todos os envolvidos no plano: sócios, parques e colaboradores: “Para que um plano desses dê certo, é necessário suporte, programas voluntários, e outros mecanismos combinados para fazer a operação financeira funcionar. Os contratos de concessão e operação da área tem que ser viáveis para trazer benefícios e lucros, e todo mundo deve estar de acordo”.

A construção de um modelo para São Paulo

Na parte da tarde, o foco voltou-se especificamente ao modelo a ser construído para o Estado de São Paulo. Valdir de Cicco, diretor do IF, expôs a situação das unidades de conservação no estado, ressaltando a necessidade de haver planos de manejo já aprovados para que possa haver a gestão compartilhada, o que ainda não ocorreu na maioria das UCs paulistas. Ele ressaltou a importância de parcerias para a gestão dessas áreas, afirmou que “a premissa básica dessas novas parcerias a serem buscadas continuará sendo a conservação da biodiversidade para que as UCs cumpram seu papel, mas lembrou que “é importante buscar o novo modelo da co-gestão e não da concessão”.

Cláudio Maretti, da União Internacional para a Conservação da Natureza, apresentou um trabalho por ele elaborado e distribuído aos presentes no qual discute modelos possíveis de gestão compartilhada, enveredando para aspectos mais conceituais de como deve ser construído um modelo ideal para a realidade brasileira. Segundo ele, “embora os parceiros devam ter objetivos comuns (gerais) não é preciso que concordem em todos os detalhes dos objetivos específicos, o importante é ter clareza de cada ponto”.

Maretti explicou que a co-gestão é um tipo de parceria e, portanto, implica um objetivo comum. “Mas é acima de tudo um processo dinâmico. Nesse modelo, existem áreas onde o Estado não delega autoridade e há atividades que o setor privado pode cobrir. Assim a união entre o público e o privado é definida no campo da gestão compartilhada, e não de outros casos como numa terceirização ou numa privatização”.

Os aspectos jurídicos

Aprofundando-se na questão jurídica que envolve o tema, a advogada Silvia Nascimento, da Procuradoria Jurídica da Secretaria estadual do Meio Ambiente, afirmou que a regulamentação no Estado de São Paulo pode ser realizada pela via do decreto, e que é importante que a futura regulamentação delimite responsabilidades para as partes e quesitos de ordem técnica, para que a parceria chegue a bom termo. Finalizando a tarde de palestras, Raul do Valle, assessor jurídico do ISA, explicou a necessidade de que as ONGs que se interessem em realizar a gestão compartilhada de uma unidade de conservação, se qualifiquem antes como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), e apresentou alguns pontos a serem considerados quando da elaboração da regulamentação estadual. Raul do Valle e a advogada Rachel Bidermann elaboraram um documento para contribuir com a discussão.

O Secretário de Estado de Meio Ambiente, José Goldemberg, encerrou o evento reafirmando o interesse do governo em avançar no processo de regulamentação da co-gestão.

Próximos passos

Para que o processo seja transparente e aberto à participação de todos, foi divulgado um endereço eletrônico (ucsp@ipe.org.br) que receberá, até dia 15 de maio, as contribuições dos interessados em participar do processo de construção do modelo. Tais sugestões poderão ser incluídas ou excluídas na edição do futuro decreto. Após o recolhimento dessas sugestões, será elaborada uma proposta de regulamentação a ser entregue ao governo de estado, bem como uma proposta de metodologia que garanta a continuidade da transparência do processo. A idéia é apresentá-la até junho, para que então seja discutida internamente pelo governo de estado.

Fundação SOS Mata Atlântica
Intituto Socioambiental
Instituto de Pesquisas Ecologicas (IPÊ)

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