Organizações ligadas à educação indígena entregam carta ao MEC

ISA – As nove ONGs indígenas e indigenistas que integram a Rede de Cooperação Alternativa, entre elas o ISA, encaminharam na semana passada, à professora Maria José Feres, secretária de Educação Fundamental do Ministério da Educação (MEC), um documento sobre o impasse da política adotada pelo órgão federal no apoio a projetos de educação indígena.

Leia a seguir o texto na íntegra.

Brasília, 19 de maio de 2003

Prof. Maria José Feres
Secretaria de Educação Fundamental
Ministério da Educação
Esplanada dos Ministérios – Bloco L – sala 500
70047-900 Brasília DF

Prezada Sra.

Vimos externar nesta carta nossa preocupação quanto à indefinição, por parte do Ministério da Educação, de medidas concretas que venham possibilitar a continuidade de programas de apoio à educação indígena propostos por organizações não governamentais, sem fins lucrativos, que trabalham em parceria com os povos indígenas no Brasil.

Nós, que assinamos esta carta, fazemos parte da Rede de Cooperação Alternativa (RCA-Brasil), composta por nove instituições não governamentais indígenas e indigenistas, responsáveis pela condução de programas de educação indígena junto a inúmeras comunidades de diferentes povos em diferentes regiões do Brasil. Esta rede recebe recursos da cooperação norueguesa, por intermédio da Fundação Rainforest da Noruega. Alguns de nossos programas já duram mais de vinte anos e nossas práticas serviram de referência tanto para a nova legislação educacional indigenista, que se consolidou nos últimos anos, quanto ao próprio estado brasileiro na definição das diretrizes que orientaram a formulação de novos paradigmas e de modelos de escola indígena, que o MEC vem tentando propor como política pública nessa área.

No MEC, a questão do financiamento à iniciativas de melhoria da qualidade do ensino em terras indígenas seguiu dois caminhos distintos. Para as secretarias estaduais e municipais de educação foram destinados recursos do FNDF. Para as ONGS e universidades, criou-se uma linha de financiamento, via convênio MEC-PNUD, que ainda que limitada e restrita, possibilitou apoios importantes para o início e para a continuidade de programas de formação de professores indígenas e de produção e publicação de materiais didático-pedagógicos diferenciados. Esse financiamento sempre foi parcial, sendo necessário contar com o apoio de agências internacionais, cujos recursos tornam-se cada vez mais escassos.

A interrupção no financiamento do MEC aos projetos propostos pelas ongs desde o ano passado e a não sinalização do equacionamento dessa questão, deixa-nos apreensivos e compromete o programa de trabalho que vimos desenvolvendo há vários anos junto a diferentes povos indígenas. Nesse sentido, precisamos saber como e quando as parcerias do MEC com a sociedade civil irão se definir, e em que bases elas serão construídas.

Sabemos que as escolas indígenas são responsabilidade dos governos estaduais e municipais e que seus orçamentos anuais já deveriam estar alocando recursos para garantir o prosseguimento das aulas nas comunidades indígenas em todo país. Mas lembramos que o MEC também está comprometido com uma boa parcela da qualidade de ensino que tem sido aplicado em projetos que, se não majoritários, foram formulados para servir de apoio ou mesmo de referência para algumas iniciativas em diversas terras indígenas no Brasil. Sejam iniciativas em parceria com municípios ou estados, sejam iniciativas autônomas, mas que dialogam com setores do governo e seguem as diretrizes do MEC. Essas instituições não-governamentais contam com a participação do estado brasileiro para realizar uma parte representativa de seu trabalho.

Nossa preocupação reside da constatação de que o pressuposto dos doadores – na maior parte fundações estrangeiras que atentam para os aspectos jurídico-legais dos países beneficiários – é que, nos países democráticos, as áreas de saúde e educação são compromisso dos estados nacionais. O campo de negociação de instituições sem fins lucrativos e não governamentais para a execução de projetos nessas áreas fica comprometido quando não apresentam uma contrapartida das instâncias governamentais, expressando sua responsabilidade com a questão da educação no país.

Ainda que em número reduzido, mas expressivos qualitativamente, os projetos de educação desenvolvidos por nossas instituições vinham contando com linhas de financiamento do MEC. Por isso nossa preocupação quanto à paralisação desses aportes financeiros.

Passamos, na gestão anterior, por um governo que se esqueceu de incluir no PPA a rubrica da educação indígena, dando sinais de que seria esse um assunto secundário dentro das prioridades do executivo. Desde que, em 1991, ao MEC foi passada a responsabilidade de assumir, no plano do ensino fundamental, a regência do ensino escolar às populações indígenas no Brasil, vimos que a FUNAI, desincumbida legalmente da tarefa, tem se mostrado muito mais mobilizada em captar recursos do PPA para assegurar, ainda que minimamente, a continuidade de planos de trabalhos que ela tinha em sua agenda.

Desde a promissora reunião extraordinária do Conselho Nacional de Educação, ocorrida em março deste ano, pudemos testemunhar a disposição do atual governo de instalar o diálogo da SEF-MEC com os setores governamentais competentes e a sociedade civil comprometida com a educação indígena. Assumimos como certa a prontidão da SEF em tomar medidas efetivas, inclusive com o apoio da Procuradoria Geral da República, para enquadrar a enorme demanda por qualidade e efetividade de ações no campo da educação escolar conforme os dispositivos jurídico-legais.

Confiantes de que o governo popular buscará reforçar as alianças do estado com a sociedade civil organizada, no sentido de melhorar a qualidade dos programas educacionais em áreas indígenas, despedimo-nos, aguardando um posicionamento efetivo do MEC quanto à continuidade do financiamento de projetos e de criação de um espaço de discussão e de construção coletiva da política nacional de educação indígena.

Aguardamos um posicionamento, externando nossa consideração.

Atenciosamente,

Marina da Silva Kahn – ISA
Coordenadora da RCA-Brasil

ATIX – Associação Terra Indígena Xingu
CCPY – Comissão Pró Yanomami­­­­­
CTI – Centro de Trabalho Indigenista
CPI-AC – Comissão Pró-Índio do Acre
FOIRN – Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro
Iepé – Instituto de Pesquisa e Formação em Educação Indígena
ISA – Instituto Socioambiental
OPIAC – Organização dos Professores Indígenas do Acre
Vyty-Cati –Associação das Comunidades Timbira do Maranhão e Tocantins

c.c. Comissão Nacional de Professores Indígenas

 

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