ISA – Após a decisão do STJ de manter como área contínua a TI Raposa-Serra do Sol, rizicultores da região deflagraram um movimento contrário, que afeta os 14 mil índios da área. Em resposta, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) divulgou nota denunciando a violação dos direitos indígenas
Desde que a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi anunciada em 27/11, notas na imprensa de Roraima, carros de som e comissões de arrozeiros em visita a escolas públicas e universidades vêm pregando que a homologação da Terra Indígena (TI) Raposa-Serra do Sol é uma ameaça à soberania nacional e impede o desenvolvimento econômico do estado. O argumento dos rizicultores é que se for mantida a área contínua de 1,6 milhão de hectares da TI, diversas lavouras de arroz serão desativadas, afetando o suprimento do produto no estado.
“Existe na verdade uma manifestação de racismo, pois se incita a população contra os povos indígenas com frases como os índios irão vender as terras para os gringos, veiculadas nos meios de comunicação”, relatou Joênia Batista de Carvalho, advogada do Conselho Indígena de Roraima (CIR). “A imprensa tem uma posicão tendenciosa”, classificou Joênia referindo-se a matérias que ligam a escassez de arroz nos supermercados à homologação da TI.
O que acontece, segundo a advogada, é que os rizicultores cortaram o fornecimento do produto. Joênia afirma ainda que existe no sul do estado uma área produtora de arroz que pode ser incrementada. E lembra que, atualmente, a região agrícola situada sobre a Terra Indígena é ocupada majoritariamente por latinfúndios formados em meados da década de 90, quando grandes produtores apoiados pelo governo do estado e pelo Banco da Amazônia (Basa) compraram as terras de pequenos agricultores.
O ponto culminante da campanha contra os direitos indígenas em Roraima aconteceu na quarta-feira, 04/12, com um protesto em frente à sede do governo estadual, onde os rizicultores permanecem acampados há cinco dias. Para prevenir que violações de direitos humanos e dos direitos indígenas acontecessem, o CIR encaminhou denúncia à Procuradoria da República em Brasília e à Polícia Federal, que enviou representantes para acompanhar as manifestações e documentar a campanha da mídia e dos arrozeiros junto à população local. Nenhum incidente foi registrado.
Preocupada com as tentativas de reverter a decisão do STJ e de violar os direitos dos povos indígenas que vivem na Raposa-Serra do Sol, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) divulgou ontem, 05/12, nota alertando o Poder Público e a sociedade civil e conclamando as organizações indígenas de todo o país, seus parceiros e aliados, a apoiar a homologação da TI Raposa-Serra do Sol.
MANIFESTO DA COIAB SOBRE A ÁREA INDÍGENA RAPOSA SERRA DO SOL
A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), instância máxima de articulação de 75 organizações indígenas e 165 povos indígenas da Amazônia Legal, em solidariedade aos povos indígenas e ao Conselho Indígena de Roraima (CIR), vem publicamente rechaçar a tentativa de setores políticos e econômicos e do próprio governo daquele Estado de reverter a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que no último dia 27 de novembro derrubou o mandado de segurança impetrado pelo governo desta unidade federativa, em março de 1999, contra a portaria 820/98 de demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol.
A decisão do STJ, que garante Raposa Serra do Sol como área contínua, conforme os anseios e a vontade dos mais de 14 mil indígenas que moram na região, foi recebida pela COIAB como uma vitória singular dos povos indígenas do país, uma vez que em instância máxima é ratificado um direito reconhecido há mais 14 anos pela Constituição Federal, mas que estava preso a sucessivos obstáculos, artimanhas e flagrantes violações à Lei Maior do país, por parte daqueles setores empenhados em inviabilizar a demarcação das terras indígenas, em favor de seus interesses.
A COIAB, como os próprios indígenas de Raposa Serra do Sol, as entidades de apoio e outros aliados nacionais e internacionais, acreditava que o mandato de segurança do governo de Roraima seria a última pendência judicial a ser vencida para a imediata homologação desta terra indígena. No entanto, os mais variados invasores da área – plantadores de arroz, militares e posseiros insistem em rasgar a Constituição Federal e ignorar o ato governamental que confere aos índios razão jurídica e confirmação de seu direito originário sobre as terras por eles ocupadas.
A notícia, divulgada no Jornal Estado de São Paulo, de 03/12/02, de que o Procurador do Estado de Roraima, Luciano Queiroz, irá recorrer contra a decisão do STJ, é inadmissível. A COIAB chama a todas a suas organizações membro, as organizações indígenas de todo o país e a todos os aliados e parceiros a que se manifestem em defesa desta conquista dos irmãos indígenas de Roraima e em favor da homologação imediata da Área Indígena Raposa Serra do Sol como área contínua.
Manaus, 5 de dezembro de 2002.
ISA, Ricardo Barretto, 06/12/2002