Agência Brasil – Abr – O Pantanal, considerado patrimônio nacional pela Constituição Federal de 1988 e, mais recentemente, intitulado patrimônio da humanidade ou reserva da biosfera pelas Nações Unidas, vem sendo explorado segundo antigos conceitos e tradições, sendo praticamente regido pela mesma legislação das demais regiões brasileiras. É considerado a maior área contínua inundável do planeta. A sua integridade, no entanto, está ameaçada por atividades humanas implementadas nos planaltos da bacia do Alto Paraguai nas últimas três décadas.
O Pantanal abrange uma área aproximada de 140 mil km2, o equivalente à soma das superfícies da Bélgica, Dinamarca, Holanda e Suíça, e caracteriza-se como uma planície sedimentar susceptível a inundações periódicas com intensidade e duração variadas; mas que, atualmente, funciona como um grande depósito de sedimentos contaminados por mercúrio e por resíduos de pesticidas.
Apresenta, também, solos predominantemente arenosos (Pdzól Hidromórfico), revestidos com forrageiras nativas. Detém aproximadamente três milhões de cabeças de bovinos de corte, criadas em regime extensivo de exploração em grandes propriedades, o que faz da pecuária sua principal atividade econômica há mais de 200 anos. Esse sistema tradicional de exploração se caracteriza como de baixa agressividade ao ambiente, porém a região pantaneira está sofrendo impactos externos que ameaçam a biodiversidade e, conseqüentemente, colocam em risco a sustentabilidade dos ecossistemas dessa imensa planície.
Quando se observa a tranqüilidade do curso natural das águas do caudaloso Paraguai, o cantar das aves ao amanhecer e o pôr-do-sol, tem-se a impressão de que está tudo em equilíbrio e funcionando às mil maravilhas. Será, todavia, que se os moluscos, peixes, aves, jacarés e demais animais silvestres que habitam os rios, corichos e lagoas falassem, diriam que se encontram alegres e satisfeitos com o que está ocorrendo? Ou que estariam nervosos, impacientes e com muita raiva daqueles que cruzam os braços e fingem não perceberem a gravidade da situação? E é exatamente essa a verdade: a ausência de ação, o “deixa como está para ver o que acontece”; ou seja, ninguém faz nada para mudar essa condição ameaçadora que ora vive o Pantanal.
Então perguntamos? O que devemos fazer para tentar reverter esse quadro de passividade? E onde estão os responsáveis pela manutenção desse “estatus quo”? E as autoridades que têm papel de decisão, também, onde estão? Será que são dignos de serem chamados de responsáveis? Não seriam melhor chamados de irresponsáveis, ou mesmo inconseqüentes, pela desastrosa política de expansão da fronteira agrícola do Governo Federal, que não impôs limites técnicos para o desmatamento e uso do solo? Processo este que, além de reduzir a fertilidade natural do solo pela remoção do horizonte A e lixiviação de nutrientes, está impactando a planície pelas elevadas e progressivas taxas de assoreamento dos rios. Em conseqüência, está provocando grandes e crescentes inundações no Pantanal, em anos sucessivos, o que vem, paulatinamente, inviabilizando a principal atividade sócio-econômica da região.
Parece até que os pecuaristas, de tão desanimados, estão querendo mudar de atividade. Se persistir esse quadro de inundações consecutivas, qual o destino sócio-econômico que deve ser dado ao Pantanal? Implementar o ecoturismo em bases ecossustentáveis ou passá-lo para o IBAMA, e transformá-lo num grande Parque Internacional do Pantanal? Ou a implantação de uma política do Governo Federal direcionada para indenizar os pecuaristas proprietários de terras baixas com problemas de inundações periódicas seria, de fato, uma alternativa viável?
O exemplo mais típico de rio, em Mato Grosso do Sul, com sérios problemas de degradação acelerada é o agonizante rio Taquari. Com o advento do Pólo Centro, Pólo Noroeste, Prodegran, Prodepan e outros programas especiais do Governo Federal, implantados na década de 70, desencadeou-se um rápido processo de desmatamento para implantação de pastagens cultivadas e, posteriormente, de soja em Mato Grosso do Sul. O empirismo e a irresponsabilidade dominantes na época são hoje os grandes responsáveis pelo dano causado a esse rio.
Em Mato Grosso, a extração de ouro, principalmente no município de Poconé, com utilização indiscriminada de mercúrio constitui uma outra grave ameaça ao Pantanal. O mercúrio é biotóxico, bioacumulável nas cadeias alimentares e, comprovadamente cancerígeno, mutagênico e teratogênico. Os rins e o sistema nervoso central são os órgãos mais atingidos. Os organismos localizados no topo das cadeias alimentares são os mais susceptíveis e vulneráveis. Assim, os peixes carnívoros, tais como pintado, cachara, dourado, piranha e traíra são os que têm maior potencial de concentrarem mercúrio na carne. Por isso, a saúde do homem, até mesmo a das populações da bacia platina localizadas a grandes distâncias das fontes emissoras, pode também ficar comprometida definitivamente pela elevada freqüência da ingestão de peixe contaminado. Será também que a adoção de métodos e técnicas modernas de extração de ouro de aluvião sem a utilização de mercúrio não seria interessante? Será que não estamos sendo paulatinamente contaminados pelo mercúrio, mesmo que com doses sub-clínicas?
Diante dos sintomas de “doença ambiental”, pode-se perguntar se essa região, atualmente tão propalada e divulgada na mídia e que se diz que é tão cobiçada pela humanidade, não mereceria receber das nossas autoridades ambientais, da saúde pública e até mesmo daquelas responsáveis pelos fatores de produção maior atenção e melhor tratamento? Será que ela merece o mesmo trato da vala comum? Será que uma política ambiental direcionada para a sustentabilidade de seus recursos naturais não valeria a pena? E uma política de incentivos fiscais e creditícia direcionadas para o manejo e conservação de solo nos planaltos atualmente revestidos com pastagens cultivadas, na sua grande maioria, degradadas também não seria válida?
Todo esse desordenamento espacial e o desrespeito à legislação em vigor é que está colocando em risco a integridade da região. Será que o Pantanal ainda têm fôlego para suportar tantos desmandos e agressões? Se ainda tem, por quanto tempo? E como reagirão futuramente os nossos descendentes com a destruição da reserva da biosfera? E onde está a consciência dos nossos dirigentes e os responsáveis pela preservação e conservação ambiental? Não será um crime contra a humanidade o que estamos observando fazerem com o Pantanal?
(*) Luiz Marques Vieira (lvieira@cpap.embrapa.br) é Engenheiro Agrônomo, Mestre em Zootecnia e Doutor em Ecologia e Recursos Naturais da Embrapa Pantanal.