Rota Brasil Oeste – Pesquisadores, lideranças e organizações que tratam da questão indígena estão mobilizados para tentar deter um golpe que pode ameaçar grande parte das reservas nacionais. O movimento foi organizado como uma resistência contra a Proposta de Emenda à Constituição [PEC] nº. 38/1999 de autoria do senador Mozarildo Cavalcanti (PPS-RR). Entre outras coisas, o texto prevê um limite de 50% do território de cada estado para a demarcação de terras indígenas e, talvez o mais grave, passa a atribuição de homologá-las ao Senado Federal.
O autor do projeto argumenta que em Roraima, por exemplo, apenas 7% da população é de origem indígena e mais de metade das terras do estado estão sob domínio da União por meio da criação de reservas. “Da forma como os projetos vêm sendo feitos, apenas o Executivo define a questão, baseado em laudos antropológicos e portarias da Funai. Pela proposta, os estados que estão perdendo terras para a União poderão se posicionar por meio de seus representantes no Senado”, afirmou Cavalcanti enquanto defendia a PEC em plenário no ano passado.
Da maneira como está hoje, o processo de formação de reservas pode não ser imune à pressões políticas, mas as minimiza por basear as decisões em critérios técnicos. O primeiro passo para qualquer demarcação é um laudo antropológico da área, produzido por um profissional de qualificação reconhecida indicado pela Funai. O laudo resultante é discutido por uma comissão com profissionais de várias áreas e encaminhado para a aprovação do presidente da Funai.
Após a aprovação, há um prazo de 90 dias para contestações, inclusive de ordem fundiária, a fim de pleitear indenizações ou argumentar contra a demarcação das terras. Decorrido esse prazo, cabe ao Ministro da Justiça aprovar, prescrever novas diligências a serem cumpridas ou desaprovar a identificação da área.
Nas mãos do Senado Federal a questão seria essencialmente política. A própria certidão de nascimento da proposta demonstra isso. A PEC 38 encobre uma antiga luta de políticos que são apoiados pela ganância das mineradoras e madeireiras que visam explorar territórios ocupados por comunidades indígenas.
A mesma proposta, por exemplo, foi apresentada em 2002 na Câmara dos Deputados pelo deputado Ricarte de Freitas (PSDB-MT). Na época, ele argumentava que o assunto envolve interesses divergentes e não pode ser tratado por instâncias administrativas de “quarto ou quinto escalão do Executivo”. Reportagem da revista Veja de 18 de setembro do mesmo ano o acusava de, durante a campanha eleitoral, ter intercedido junto ao Ibama para derrubar uma multa de R$ 7 milhões imposta a um empresário do setor madeireiro de Mato Grosso.
Outro defensor eterno da questão é o senador Romero Jucá (PMDB-RR). É de sua autoria o projeto de lei que pretende permitir mineração em terras indígenas. O assunto gerou polêmica no ano passado quando o político foi acusado de derrubar o então presidente da Funai, Glênio Alvarez. Dias antes ele havia dado um parecer contra a lei na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.
Na última sexta-feira, coincidentemente dia 13, Jucá voltou a defender os interesses de quem o apóia enquanto comentava a visita do ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos a Roraima. O senador disse que sugeriu o encerramento das ampliações das áreas indígenas, salientando não haver um critério definido para essa prática. Segundo ele, essa indefinição prejudica a economia dos estados demarcados pelo governo federal.
As preocupações do movimento indígena são fundamentadas. Entregar ao legislativo a prerrogativa de decidir sobre terras indígenas é botar os gambás para cuidar dos ovos. Num segundo, as questões cairiam na rede de vassalagens e se tornariam mais uma moeda de troca para políticos regionais com cruéis conseqüências práticas.
Deve haver espaço sim para o desenvolvimento e melhoria social, tanto de índios quanto de não-índios. Para isso, no entanto, devemos cobrar de nossos representantes não retrocessos que abram caminho para a devastação, seja ela na exploração mineral ou madeireira. Procuramos avanços, leis que explorem de maneira séria o potencial auto-sustentável de uma das regiões de natureza humana e ambiental mais rica no mundo.
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