ISA – Com quatorze metros de largura por quatro de altura, uma faixa foi pendurada no corredor de acesso do Anexo II para o Anexo I do Congresso Nacional, caminho obrigatório para parlamentares e outras pessoas da Câmara e do Senado que se dirigem ao plenário. O dizer é simples e direto: “O cupuaçu é nosso”, impresso em letras gigantescas, em meio a mais de seis mil assinaturas.
A faixa de alerta é do Grupo de Trabalho Amazônico, que coordena a Campanha Contra a Biopirataria e ficará no corredor do plenário até sexta-feira (24/07). Só no primeiro dia, mais de 500 simpatizantes deixaram nela seus nomes, entre eles, a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente. “Queremos chamar a atenção para a discussão da nova legislação referente à biopirataria, e que deve substituir a atual Medida Provisória 2.186″, diz José Arnaldo de Oliveira, assessor nacional de comunicação e campanhas do GTA.
“A campanha quer aproveitar o cupuaçu, um símbolo que atinge tanto os produtores, como indígenas, entre outros, para popularizar a discussão. Estamos preocupados principalmente com a questão do acesso ao patrimônio genético, o consentimento prévio informado e a repartição dos benefícios, mas também em proteger as sementes, que estão sob o efeito de outra lei”, explica. Oliveira refere-se à Lei de Cultivares, que permite ao cientista ou laboratório que fizer alterações genéticas em espécies vegetais tornar-se dono dos direitos de produção e comercialização dos produtos feitos a partir daquelas sementes. Um exemplo disso é a cobrança de royalties feita pela Monsanto pelo uso de sementes de soja transgênica.
De acordo com dados do Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (Inpi), o Brasil registra bem menos patentes do que países desenvolvidos. São de cinco a sete mil por ano, enquanto o Japão registra 400 mil, os Estados Unidos 350 mil e a Alemanha 150 mil. O que é mais grave, porém, é que não se sabe ao certo quantos nomes de uso público brasileiros estão registrados como marca nem quantas espécies estão patenteadas no exterior. Um levantamento inicial da Campanha contra a Biopirataria aponta pelo menos 81 patentes, entre elas, 31 relacionadas ao guaraná, 13 para a unha-de-gato e duas para o abacateiro, para ficar nos mais conhecidos.
Entretanto, para Eduardo Vélez, secretário executivo do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), “qualquer número é apenas uma estimativa, um chute. Este é um número que nós gostaríamos de ter”. Vélez faz parte da Câmara Temática criada pelo CGEN para apresentar, até o final da próxima semana, um anteprojeto que servirá como base para as discussões no Congresso a respeito de uma nova legislação sobre o assunto. Vale ressaltar que a Câmara Temática tem uma representação equivalente entre órgãos do governo e sociedade civil. O Conselho, formado inicialmente apenas por integrantes do governo, passou este ano a contar com outra categoria, a dos convidados permanentes, da qual o ISA faz parte.
Ali, entre outras coisas, busca-se uma atribuição melhor das responsabilidades entre os órgãos do governo sobre os projetos de pesquisa genética, cuja aprovação passou a depender exclusivamente do Conselho, a partir da Medida Provisória 2.186. Com isso, há um “engessamento” das atividades relacionadas ao tema, principal reclamação por parte de pesquisadores. Se não há investigação científica, há poucos registros de patentes. De abril de 2002, quando o CGEN passou a funcionar, até julho de 2003, a ele chegaram 60 pedidos de pesquisa, dos quais apenas 11 foram aprovados. Para Vélez, a quantidade recebida não reflete o número real, o que significa que pode haver muitas pesquisas em andamento de forma ilegal. “Isso é um dado importante, pois revela que não temos um quadro absoluto do número de projetos operando, mas deve-se ter em mente que o controle do acesso ao patrimônio genético é recente e está em fase de implantação”, avalia.
De acordo com o secretário-executivo, a questão dos conhecimentos tradicionais está praticamente toda reformulada no anteprojeto e, além disso, pretende-se diminuir os requisitos necessários à licença para estudos que não tenham objetivos comerciais ou econômicos. “Hoje, para uma pesquisa sobre a evolução dos macacos e para uma sobre plantas medicinais, os requisitos são os mesmos, mas há um claro diferencial de potencial econômico entre elas”, diz o secretário-executivo.
O começo da história
A história que culminou com o aparecimento da faixa no Congresso Nacional começa com a Amazonlink. Fundada em 2001, com sede em Rio Branco (AC), a ONG busca facilitar o contato de produtores rurais e comunidades indígenas da Amazônia com compradores no exterior, principalmente na Alemanha. Conta-nos Michael Schmidlehner, presidente da Amazonlink: “No final de 2002, estávamos fazendo uma amostra de bombons de cupuaçu para a ONG Regenwaldinstitut, quando decidimos fazer uma pesquisa de mercado para saber se algum produto com a fruta já estava sendo comercializado no país. Acabamos identificando uma pessoa que vendia geléia e que nos alertou sobre o perigo de colocar o nome cupuaçu em qualquer mercadoria, por ser uma marca registrada”.
O fato acabou dando origem à campanha Limites Éticos Acerca do Registro de Marcas e Patentes de Recursos Biológicos e Conhecimentos Tradicionais da Amazônia, organizada inicialmente pela Amazonlink, mas passada ao Grupo de Trabalho Amazônico durante a Festa do Cupuaçu, realizada em abril deste ano, em Presidente Figueiredo (AM). Neste encontro, que contou também com a participação do Greenpeace Brasil, surgiu a idéia de se fazer a faixa que está no Congresso Nacional. O feito mais notável desta articulação é ter conseguido, em pouco mais de dez dias, junto com o Instituto Brasileiro de Lei de Comércio Internacional (Ciited), entrar com um processo de contestação da marca cupuaçu no Japão, um dia antes que se encerrasse o prazo.
Tanto a marca quanto a patente relativa à produção e uso da gordura da semente estão registradas pela empresa Asahi Foods Co., Ltd no Japão e União Européia. Nos Estados Unidos, a propriedade aparece sob o nome do mesmo “inventor”, Nagasawa Makoto, mas relacionada a outra empresa, a Cupuacu International Inc. (o cedilha não consta em nenhum dos registros). Existem ainda patentes relacionadas ao cupulate, “a resposta amazônica ao chocolate”, de acordo com o site oficial da empresa norte-americana.
Para Michael Schmidlehner, o cupuaçu não é um caso isolado, mas apenas um dos mais evidentes. A Amazonlink divulgou, em 15/07, o resultado preliminar de um levantamento sobre patentes relacionadas à secreção da rã Phyllomedusa bicolor, utilizada em diferentes rituais pelas tribos Kaxinawá, Katukina e Ashaninka, entre outras populações tradicionais do Vale do Juruá (AC).
Participe da Campanha contra a Biopirataria.
ISA, Flávio Soares de Freitas,