Embora uma boa parcela das famílias que formam núcleos habitacionais na Ilha do Marajó, no Pará, não entenda completamente o que seja seqüestro de carbono, decidiu participar dessa iniciativa proposta a elas por instituições envolvidas com as questões ambientais, entre elas a União Européia. Até porque, aprendeu e entendeu que essa atitude não apenas proporciona melhoria em suas vidas, mas propicia uma vida mais saudável para grande parte do planeta.
Os moradores da maior ilha fluvial-marítima do mundo, com 50 mil Km² de área, estão sendo esclarecidos sobre as formas adequadas de continuar a tirar seu sustento da floresta, porém sem destruí-la e, assim procedendo, melhorar as condições de vida nos núcleos ribeirinhos. Conscientizam-se também de que as ações articuladas de sustentabilidade geram ganhos ambientais que vão refletir até em outros países.
“Todos que derrubam e queimam a floresta estão prejudicando todo o planeta”, já aprendeu João Monteiro de Oliveira, morador da comunidade de Bom Jesus de Aramaraquiri, município a cerca de 40 quilômetros de Curralinho. A comunidade é uma das participantes da “Iniciativa Curralinho-Marajó”, incluída no Projeto Pobreza e Meio Ambiente na Amazônia (Poema), da Universidade Federal do Pará (UFPA), que tem aporte financeiro da Comunidade Européia (CE).
Entre as metas do projeto está a de seqüestrar até 4.200 toneladas de carbono da atmosfera por ano com a ajuda das 70 famílias que se comprometeram em preservar 20 hectares de suas propriedades para a preservação ambiental. Isso tudo dentro do estabelecido pelo Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), definido pela Convenção de Mudanças Climáticas e Protocolo de Quioto, “embora nem todas as cláusulas estejam totalmente definidas”, lembra o sociólogo Thomas Mitschein, coordenador geral do Poema.
A proposta é que em troca da preservação ambiental daquela área, cada família receberia uma fatia do que for arrecadado com a venda de créditos de carbono.
Para permanecer no projeto a pessoa não pode derrubar ou queimar a mata preservada por dez anos. “Então é justo que cada um receba uma recompensa por deixar a mata em pé”, sentencia Manuel Geoval de Matos, presidente da Cooperativa Agrícola de Bom Jesus do Aramaraquiri. Esse apoio vem, por exemplo, com a implantação de sistemas agro-florestais (Safs) na área, que consiste na introdução de culturas consorciadas com árvores frutíferas, como caju e cupuaçu, de madeiras de uso comercial e apicultura.
Essa produção é direcionada ao consumo local, todavia, será canalizada também à comercialização. As frutas serão aproveitadas para polpas ou compotas, as castanhas de caju e do Pará para beneficiamento e a madeira manejada vendida para a indústria da região.
Essas técnicas de cultivo consorciado, manejo florestal e aproveitamento sustentado, como é o caso do palmito do açaí, já processado em pequena escala ainda na comunidade de Bom Jesus de Aramaraquiri, são ensinadas por especialistas do Poema por meio de cursos e palestras.
Uma vez preparados os monitores, eles repassam as informações aos produtores das 13 comunidades envolvidas, que recebem kits para desenvolver avicultura, agricultura, piscicultura e apicultura, o que representa um investimento mensal de US$ 2 mil com cada família por um ano. Para 2004, de acordo com Mitschein, o objetivo é expandir a iniciativa para mais comunidades marajoaras chegando a 500 famílias.
Segundo o sociólogo, ainda não existe um projeto estruturado de como vender os créditos de carbono, “mas o importante é estar com esse objetivo traçado enquanto essa questão se ajusta entre os países dentro do Protocolo de Quioto”, diz ele.
Mitschein lembra que o projeto ainda não alterou significativamente a vida das famílias no sentido econômico, mas no que concerne a infra-estrutura, por exemplo, alguns avanços já foram conquistados. Hoje, a comunidade de Aramaraquiri, onde o acesso só é possível pelo rio Amazonas, “já tem um barco de médio porte, um escritório, telefone, antena parabólica e acesso a Internet”, ressalta Geoval de Matos.
Ele diz que antes do apoio da Comunidade Européia a situação era precária e “muitos produtores destruíam a floresta para garantir sua sobrevivência. Agora, ainda há quem explore madeira na ilha, mas em escala bastante reduzida”.
O número de famílias participantes ainda é pequeno em sua opinião. Ele acredita que muitos produtores já percebem a mudança que se processa na vida daqueles que aderiram a iniciativa e começam a procurar informações de como participar. “À medida que os resultado positivos forem sendo alcançados mais e mais famílias virão se somar ao projeto”, ressalta Geoval com entusiasmo.
Um dos entraves que emperram parte dos projetos de desenvolvimento sustentável na região amazônica é a posse da terra. A totalidade dos extrativistas não tem documentação das áreas ocupadas. “Essa é uma barreira que desacelera os projetos ambientais até porque dificulta a aprovação de financiamentos para os produtores e o apoio de instituições estrangeiras e Ong’s”, diz Mitschein.
O conselheiro da CE, Thierry Dudermel, destaca que o entrave burocrático para que os produtores obtenham documentos de posse contribui para desanimar a adesão de algumas famílias aos projetos de preservação ambiental. “Essa questão também não deixar de trazer embaraços para a liberação de recursos por parte da Comunidade Européia”, lembra Dudermel, afinal há sempre o envolvimento de diversos governos nessas ações.
Esse item burocrático acaba tendo reflexos em algumas fases dos projetos, como é o caso da instalação das agroindústrias para processamento de castanha do Pará, de caju e do palmito colhido pelas comunidades filiadas ao projeto Curralinho-Marajó. Há quase dez meses a cooperativa formada aguarda por documento do Ibama liberando seu funcionamento. Enquanto a autorização não chega os produtos são comercializados só na região e em pequena quantidade.
Esse emaranhado burocrático termina por se constituir num contra-fluxo para os projetos levados para a região. Isso porque a grande maioria que vive do extrativismo vegetal (90% da receita tributária de Curralinho) frente a barreiras que lhe pareça intransponível volta rapidamente ao antigo roteiro predatório, pois é assim que entende sua sobrevivência.
O prefeito de Curralinho, Álvaro Aires da Costa, acha que toda essa ajuda da CE é muito importante para a preservação do meio ambiente e das famílias da região. Todavia, coloca que com o alicerce fixado para que os produtores mantenham a floresta, também se consegue garantir uma base segura para que a cultura popular local não desapareça com o tempo.
Curralinho, com pouco mais de 20 mil habitantes e embora distante 30 minutos de avião de Belém, ou até 4 horas de barco, não está imune aos ataques dos malefícios da vida moderna. Como forma de prevenção, desenvolve um projeto de valorização e manutenção da cultura regional, como é o caso do folclórico carimbó, agregando os estudantes do município.
Na visão do prefeito Costa, enquanto estudam e pesquisam sobre as manifestações culturais da Amazônia, os jovens e adolescentes estão afastados do convívio com as drogas e a violência.
Assentado na mesma premissa de desenvolvimento sustentável, mas sem a vertente do seqüestro de carbono, está o projeto de implantação de bases integradas para a proteção do meio ambiente. Ele é parte do Projeto Demonstrativo (PDA) que por sua vez é um subprograma do Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG-7), coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), por meio da secretaria de Coordenação da Amazônia.
Um de seus exemplos é a Associação dos Produtores Rurais e Criadores de Peixe da Comunidade de Coroca (Aprucipesc), que há 8 anos congrega 26 associado
s (17 famílias) da comunidade instalada a cerca de 3 horas de barco de Santarém (PA), na margem esquerda do rio Arapiuns.
O PDA tem como alvo contribuir para a preservação e conservação da Amazônia, da Mata Atlântica e de seus ecossistemas associados com a manutenção do homem como gerenciador dessas ações. Essa iniciativa por sua vez deve permitir e oferecer condições para sua permanência com a família nas áreas que ocupa.
Em Coroca, além da introdução dos Sistemas Agroflorestais (Safs), ou seja, a reunião consorciada de várias culturas, também se desenvolve a criação de Tartarugas-da-Amazônia. Os quelônios são criados num viveiro no lago Coroca que também abriga 4 mil tambaquis. As 3.500 tartarugas de hoje são alimentadas com produtos derivados das ações agroflorestais e também com ração produzida com farinha obtida a partir da carcaça de peixe.
Como a carne de tartaruga é um dos pratos da culinária amazônica, a Aprucipesc pretende ter um restaurante em Coroca para oferecer a iguaria aos turistas. Para sua concretização, que infelizmente não deve ser para este ano como desejava a comunidade, são necessários R$ 44 mil, verba que não faz parte dos US$ 4 milhões que a CE já alocou para a primeira fase dos projetos.
Além da lagoa Coroca, a piscicultura também ocupa parte do leito do rio Arapiuns, onde são mantidas gaiolas para a engorda de várias espécies. Para alimentar os viveiros também se usa a ração produzida na comunidade. Tanto os peixes, quanto à farinha e os demais produtos conseguidos pelas famílias, como biscoitos, frutas e mel são comercializados na região.
O mel, cuja meta é chegar aos 900 litros este ano (em 2002 obteve-se 300 litros), é produzido por abelhas com e sem ferrão. A apicultura é desenvolvida dentro do Safs para facilitar a coleta de néctar por parte das abelhas. São 25 colméias espalhadas pelos dez módulos de 6 hectares cada que pertencem aos associados da Aprucipesc.
Embora acompanhem as atividades diárias dos pais e sejam incentivadas a dar prosseguimento ao projeto, as crianças da comunidade de Coroca freqüentam, com outras da região, escolas municipais para onde se deslocam em barcos, cujo manejo iniciado ainda na tenra idade, permite se estabeleça uma simbiose perfeita entre os rios e os ribeirinhos.