ONGs pedem ampliação do Parque Nacional Grande Sertão Veredas (MG)

ISA – Mais de 100 instituições, entre elas a Funatura, o ISA e a Rede de ONGs do Cerrado, encaminharam na quarta-feira (29/10) uma carta à Casa Civil, onde a proposta de aprovação da ampliação da Unidade de Conservação de 84 mil para 234 mil hectares – 120 mil deles na Bahia – está paralisada desde agosto. A medida, voltada a proteger importante fragmento do Cerrado ameaçado pela expansão da soja, é contestada pelo governo baiano.

Além de preservar a biodiversidade do Cerrado e de proteger mananciais da região que alimentam o Rio São Francisco, a ampliação da área norte do Parque Nacional Grande Sertão Veredas tem por objetivo formar um corredor ecológico até a Serra Geral, no Sul da Bahia, uma região de Cerrado bastante importante, que está na rota da expansão da soja naquele estado. Dessa maneira, o parque, que hoje ocupa 84 mil hectares e está localizado inteiramente em Minas Gerais, passaria a ter 234 mil hectares, sendo 120 mil na Bahia. A proposta faz parte do plano de manejo do parque, elaborado pela Fundação Pró-Natureza (Funatura) entre 1998 e 2003, que prevê áreas prioritárias para conservação e áreas de amortecimento, conforme determina o Sistema Nacional de Unidades de Conservação.

A autorização para um estudo específico sobre a ampliação foi concedida pelo Ministério do Meio Ambiente no ano passado. O governo Lula deu continuidade ao processo, que incluiu a realização de duas audiências públicas, uma na cidade de Cocos (BA), e outra em Formoso (MG). Segundo César Victor do Espírito Santo, superintendente executivo da Funatura, os eventos foram marcados por manifestações favoráveis, até por parte de alguns fazendeiros, que detêm parte de suas propriedades sob a categoria de Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) ou estão trabalhando o Cerrado segundo modelos de manejo sustentável. “Mas um fazendeiro em Formoso se mostrou bastante contrário à ampliação do parque e, ignorando a necessidade de licenças ambientais, vem abrindo estradas e áreas para plantio contíguas ao parque”, revela César Victor.

Essa ameaça ganhou espaço com a paralisação do processo de ampliação, em agosto. Ao receber a proposta de decreto para aprovação, a Casa Civil fez uma consulta ao governador da Bahia, Paulo Souto, que encaminhou um documento manifestando-se contrário à iniciativa. Apesar de ter sido previamente informado sobre o processo de discussão e a realização de audiências públicas, nenhum representante do Estado contestou a medida neste período.

De acordo com informações da Secretaria de Biodiversidade e Florestas (SBF) do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e da Funatura, o governo da Bahia alega, entre outras questões, que dentro da área onde ocorreria a ampliação existem projetos voltados à agroindústria já aprovados, que irão gerar emprego e renda; e que a região está bastante antropizada. “Isso não corresponde à realidade, uma vez que a região apresenta bom estado de conservação, as comunidades locais também poderão ter uma fonte de renda em trabalhos ligados à conservação e ao ecoturismo e os empreendimentos agroindustriais em questão se encontram fora dos novos limites para o parque”, defende César Victor.

Para pedir a autorização da ampliação, um grupo de mais de 100 ONGs – entre elas a Funatura, o ISA, a WWF-Brasil, a Rede Pró-Unidades de Conservação e a Rede de ONGs do Cerrado – enviaram uma carta (veja abaixo) à Casa Civil, expondo a importância da iniciativa. “Estamos abertos parar esclarecimentos para mostrar a relevância da ampliação do Parque”, afirma César Victor do Espírito Santo.

Maurício Mercadante, diretor do Programa Nacional de Áreas Protegidas da SBF do MMA, também entende que os argumentos do governo da Bahia estão equivocados. “Temos condições de contestar veementemente esses argumentos.”


Grande Sertão Veredas

Homenagem ao escritor Guimarães Rosa, o Parque Nacional Grande Sertão Veredas foi criado em 12/04/1989, no município de Formoso (MG), com base em estudos feitos pela Funatura. Essa Unidade de Conservação preserva parte do planalto denominado Chapadão Central, que divide as bacias dos Rios São Francisco e Tocantins. Com altitude variando entre 600 e 1.200 metros, a região tem vales sujeitos a inundações. A vegetação é dominada pelo Cerrado, com mata de galeria nas margens dos Rios Preto e Carinhanha, e o local conta com a presença de espécies como a ema, o lobo-guará, o tatu-canastra, o tamanduá-bandeira e o veado-campeiro.

Desde que foi criado em 1989, o Parque Nacional Grande Sertão Veredas é cenário de um trabalho conjunto entre as comunidades locais, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Funatura. O agroextrativismo, a agroecologia e o ecoturismo são algumas das atividades que aliam conservação e desenvolvimento da região. Saiba mais.

ISA, Ricardo Barretto, 31/10/2003.



Brasília, 29 de outubro de 2003

Excelentíssimo Senhor
Ministro-Chefe da Casa Civil da Presidência da República
Deputado Federal José Dirceu de Oliveira e Silva

c.c. Excelentíssimo Senhor Governador do Estado da Bahia Paulo Souto
Excelentíssima Senhora Ministra de Estado do Meio Ambiente Marina Silva

Senhor Ministro,

Preocupadas com o futuro do cerrado brasileiro, um dos biomas mais ameaçados do planeta, inclusive sendo apontado como um dos “hot spots” mundiais, ou seja, bioma extremamente rico em biodiversidade e seriamente ameaçado por atividades antrópicas, as entidades abaixo-assinadas vêm apresentar a seguinte manifestação:

Em 1989, foi criado no noroeste do estado de Minas Gerais, divisa com
a Bahia, o Parque Nacional Grande Sertão Veredas (84.000 ha) com o objetivo de preservar importantes amostras do cerrado, de espécies ameaçadas de extinção e dos recursos hídricos de uma importante sub-bacia do rio São Francisco. Além disso, tem o propósito de promover o desenvolvimento da região em bases sustentáveis, por meio de trabalhos no entorno, com as comunidades locais, considerando as suas tradições culturais;

Desde a sua criação, por meio de trabalhos de parceria entre o Ibama e Fundação Pró-Natureza (Funatura), vem sendo desenvolvidas diversas atividades visando atingir os objetivos propostos. Projetos importantes estão em andamento, tais como proteção do parque, pesquisas, educação ambiental e apoio a atividades produtivas no entorno com ênfase em agroecologia, agroextrativismo, ecoturismo, saúde, implementação de RPPNs, entre outros;

De acordo com o plano de manejo do Parque, foram definidos corredores ecológicos importantes e fundamentais para a proteção dos ecossistemas locais, em um longo prazo e que ligam o Parque a outras áreas conservadas do entorno;

Nos últimos anos, a expansão da fronteira agrícola (soja, café irrigado com pivô central, etc), em direção ao sudoeste baiano está pondo em risco uma das últimas grandes manchas de cerrado, ainda em bom estado de conservação e que funciona como uma caixa d água, pois engloba áreas de recargas de aqüíferos e as nascentes de importantes cursos dágua, que deságuam nos rios Carinhanha e Corrente, tributários do rio São Francisco. A conservação dessas águas é vital para as populações que vivem a jusante, em especial no município de Cocos (BA). Essa área está englobada dentro do corredor ecológico da Trijunção (área localizada entre os estados da Bahia, de Minas Gerais e Goiás) definido no Plano de Manejo do Parque;

No final de 2002, o Governo Federal iniciou consulta pública, por meio do site do IBAMA, sobre a proposta de ampliação do Parque, a qual engloba cerca de 120 mil hectares na Bahia e 30 mil em Minas Gerais. O Parque passará a ter 230 mil hectares, constituindo-se em um dos maiores parques nacionais do cerrado. São áreas praticamente sem a presença humana. Tratam-se de grandes latifúndios improdutivos cujos solos são arenosos. A região é berço de um sistema hídrico importante para ajudar a garantir a revitalização do rio São Francisco e o cerrado ainda está praticamente intacto, conforme citado anteriormente. As terras são relativamente baratas, fato que reduzirá os custos de desapropriação, que serão cobertos com recursos de compensação ambiental, conforme informado pelo IBAMA;

Este ano, já no novo governo, o IBAMA deu seqüência, conforme prevê a lei do SNUC, ao processo de consulta pública objetivando ouvir a população local e demais interessados, sobre a proposta de ampliação do Parque. Foram realizadas no dia 31 de maio e 1o de junho duas audiências públicas, uma no município de Cocos-BA e a outra no município de Formoso-MG, com participação de diversas instituições governamentais e não governamentais e cidadãos em geral. Em Cocos não houve uma única objeção. Em Formoso, apenas dois fazendeiros manifestaram-se contrários. Houve várias manifestações favoráveis, inclusive de fazendeiros atingidos;

Após essas audiências, o IBAMA concluiu o processo e encaminhou-o ao Ministério do Meio Ambiente, que por sua vez encaminhou-o à V.Exa para que o decreto de ampliação do Parque fosse assinado pelo Presidente da República. Em 11 de setembro de 2003, dia do cerrado, na abertura do III Encontro dos Povos do Cerrado, em Goiânia, que contou com a presença da Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, além de mais de 600 representantes de várias entidades que atuam no Cerrado, o Secretário de Biodiversidade e Florestas do MMA, João Paulo Capobianco, anunciou que o Ministério havia encaminhado à Casa Civil da Presidência da República a minuta do decreto com a proposta de ampliação do Parque Nacional Grande Sertão Veredas, notícia essa que foi recebida com grande entusiasmo;

Preocupados com a demora na assinatura do Decreto, tendo em vista que parte da área começa a sofrer impactos provenientes de atividades não licenciadas, como a abertura de estradas, fomos buscar informações sobre o andamento do processo, quando nos informaram que V. Exa. havia realizado consulta ao Governador da Bahia, Sr. Paulo Souto, sobre o processo de ampliação do Parque e que ele teria se manifestado contrário, tendo em vista a existência de diversas áreas antropizadas e de um grande número de empreendimentos agroindustriais;

Senhor Ministro, de acordo com o conhecimento da área pelo IBAMA e pela entidade parceira, a FUNATURA, e corroborado por imagens de satélite, as áreas propostas para a ampliação estão praticamente intactas, fato crucial para que tal proposta fosse levada adiante. Os empreendimentos agroindustriais que existem em andamento estão fora dos limites propostos. Entendemos que, mesmo que houver algum empreendimento aprovado, isso não seria motivo para impedir a ampliação do Parque, pois poderá ser renegociado, uma vez que ainda não começou. Além disso, conforme colocado anteriormente, o benefício da ampliação do Parque para a sociedade será muito superior ao benefício de qualquer outro empreendimento, considerando, em especial, a questão da revitalização do rio São Francisco, que muito depende do que se faz nas bacias que o abastece.

Diante dos fatos, solicitamos que o Senhor Ministro considere as justificativas apresentadas e que o Parque Nacional Grande Sertão Veredas seja ampliado, conforme proposto, em benefício da sociedade brasileira, em contribuição à conservação do cerrado brasileiro e para melhoria da qualidade de vida das atuais e futuras gerações.

Atenciosamente,

Fundação Pró-Natureza – FUNATURA
Instituto Socioambiental – ISA
Fundação O Boticário de Proteção à Natureza – FBPN
Associação Mineira de Defesa do Ambiente – AMDA
Grupo Ambientalista da Bahia – GAMBÁ
Fundação Biodiversitas
Fundação Pró-Tamar
WWF-Brasil
Instituto Conservation International do Brasil – CI-Brasil
Ecoa – Ecologia e Ação
Fundação Centro Brasileiro de Referência e Apoio Cultural – CEBRAC
Instituto Brasil Central – IBRACE
Instituto Sociedade População e Natureza – ISPN
Instituto de Formação e Assessoria Sindical Rural – IFAS
Mater Natura – Instituto de Estudos Ambientais
Fundação de Apoio à Vida nos Trópicos – Ecotrópica
Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste – CEPAN
Pequi – Pesquisa e Conservação do Cerrado
Instituto para o Desenvolvimento Ambiental – IDA
Associação de Voluntários Patrulha Ecológica
Ambiental Cafuringa
Rede Pró-Unidades de Conservação
Rede Cerrado de ONGs
 

 

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