Parlamentar propõe retalhação da reserva Raposa Serra do Sol

Instituto Socioambiental – O Deputado Lindberg Farias (PT/RJ), relator da Comissão Externa da Câmara dos Deputados instalada em fevereiro deste ano para “avaliar a demarcação da terra indígena”, entregou relatório sobre o assunto nesta quarta-feira (31/3). Nele, propõe que sejam excluídos da área a ser homologada 12 mil hectares de terras griladas por arrozeiros; Uiramutã, base de apoio do garimpo transformada em município em 1997, mas ainda sub júdice; e uma faixa de terra de 15 quilômetros ao longo da faixa de fronteira com a Venezuela e Guiana.

Situada no nordeste de Roraima, na fronteira com a Guiana e a Venezuela, a Terra Indígena Raposa-Serra do Sol, habitada por cerca de 15 mil índios das etnias Makuxi, Wapichana, Taurepang, Patamona e Ingarikó, tem seu limite [1.678.800 hectares] reconhecido pela Portaria nº 820/1998 do Ministério da Justiça.

A demora do presidente Lula em assinar o decreto de homologação da TI, pronta para ser homologada desde o fim do mandato de FHC, permite que comecem a pipocar situações inoportunas – considerando o processo demarcatório de TIs estabelecido pelo Decreto 1.775/96 -, como a criação de uma comissão externa da Câmara dos Deputados, para “avaliar in loco a demarcação da TI Raposa Serra do Sol”.

Presidida pelo deputado Moacir Micheletto (PMDB/PR) – notório entre os ambientalistas por conta de suas propostas de alterações do Código Florestal -, a comissão conta com 13 integrantes, entre os quais, seu relator, o deputado Lindberg Farias (PT/RJ), que entregou nesta quarta-feira (31/3) parecer sobre o assunto.

Farias propõe uma “nova identificação” das terras destinadas aos indígenas de Raposa-Serra do Sol. De acordo com o seu relatório, a Portaria nº 820/98 do Ministério da Justiça, que embasa o processo de demarcação da TI, seria ilegal e inconstitucional, por violar preceitos de soberania e segurança nacional.

Na contramão do que já foi garantido à população indígena de Raposa-Serra do Sol, o deputado defende ser necessária a exclusão de diversas áreas imprescindíveis à segurança nacional e à economia roraimense. O documento questiona ainda o laudo antropológico que fundamenta a demarcação daquela terra, afirmando que “a elaboração de peças centrais do laudo antropológico por organizações não-governamentais ligadas à defesa dos direitos indígenas, ou seus representantes, compromete a isenção daquele documento”.

Diversos deputados, entre os quais Perpétua Almeida (PC do B/AC), da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas, pediram vista conjunta do parecer. Os parlamentares podem apresentar até segunda-feira (5/4) sugestões ao documento, que deverá ser discutido e votado na próxima reunião da comissão externa, agendada para terça-feira (6/4).

Principais pontos do parecer de Lindberg Farias

Garantia de terras griladas aos arrozeiros

Defendendo a legitimidade das terras invadidas com base na Lei de Terras de 1850, o documento propõe a exclusão de 12 mil hectares da TI Raposa-Serra do Sol, onde hoje grileiros mantêm plantações de arroz. Farias enaltece a rizicultura como uma grande atividade econômica de Roraima, responsável por mais de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) de Roraima e pela geração de 6 mil empregos.

O Relatório sobre a Situação das Terras em Roraima: Enfoque ao Uso Agrícola, elaborado pela Embrapa-RR a partir dos relatórios do Zoneamento Econômico-Ecológico da Região Central do Estado de Roraima, aponta que as áreas efetivamente livres e aptas para a agricultura correspondem a 2,8 milhões de hectares, ou 12,6% da superfície do Estado. Ou seja, a atividade pode ser desenvolvida em outras regiões. Além disso, diversos índios apresentam constantemente denúncias relacionadas aos problemas ambientais e à saúde das comunidades provocados pelos agrotóxicos usados nessas lavouras, como a poluição de igarapés e rios e a mortandade de peixes e outros animais.

Exclusão de faixa de 15 km ao longo da fronteira com Venezuela e Guiana

Sem qualquer fundamento legal ou constitucional, o deputado propõe a exclusão de uma faixa de terra de 15 quilômetros ao longo da fronteira do Brasil com a Venezuela e Guiana. Argumenta, para tanto, que, embora seja reconhecida a compatibilidade entre terras indígenas e faixa de fronteira, “recomenda a prudência que seja mantida, dentro do possível, a presença de não-índios na região, assegurando a ocupação produtiva e a integração daquela área ao território nacional”.

“…Por estar a pretendida área de Raposa-Serra do Sol em região de fronteira, sujeitas a atividades como garimpo ilegal, contrabando, narcotráfico e biopirataria, é fundamental que as Forças Armadas tenham ampla liberdade de atuação na região. É necessário, portanto, incentivar a ocupação humana, com os objetivos de consolidar a presença brasileira em áreas estratégicas do território nacional, facilitar o combate a ilícitos nacionais e transnacionais e promover a dignidade das populações locais”, expõe no documento.

E por falar na dignidade das populações locais, Lindberg desconsidera a existência de aldeias nesta região, incentivando a invasões de não-índios aonde atualmente isso não acontece, o que pode acirrar os conflitos locais. Mais: parte da premissa preconceituosa de que “ocupação produtiva” só é possível por não-índios, revelando desconhecimento da realidade da área, onde os indígenas mantêm 27 mil cabeças de gado.

A proposta, descabida, uma vez que contraria frontalmente o disposto no artigo 231 da Constituição Federal, visa também excluir da demarcação as principais áreas ricas em minérios, atendendo aos interesses de empresas de mineração que vêem a TI Raposa-Serra do Sol como um empecilho.

Uiramutã, município sub júdice, ileso

A proposta de exclusão da linha de 15 quilômetros ao longo da fronteira alcançaria também Uiramutã, antiga base de apoio ao garimpo alçada à condição de município, ainda sub júdice, em 1997.

Em entrevista ao Instituto Socioambiental (ISA) em junho de 2003, a advogada Ana Paula Souto Maior, procuradora da Fundação Nacional do Índio (Funai), definiu Uiramutã – orçamento de R$ 3,2 milhões no ano passado -, como uma das questões mais sérias de Raposa-Serra do Sol. “”É Terra da União, que está sendo grilada pelo Estado de Roraima, com apoio de recursos federais”, disse.

A Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) afirmou expressamente, em um relatório de 1997, a necessidade de que sejam “paralisadas todas as decisões de municipalização que atinjam terras indígenas, inclusive aquelas em processo de demarcação e homologação”, não apenas por sua origem ilegal, mas especialmente por causa dos conflitos e problemas que causam às comunidades indígenas.

Aliás, a advogada indígena Joênia Wapichana, do Conselho Indígena de Roraima (CIR), entregou à Comissão de Direitos Humanos da OEA na segunda-feira (29/3) uma petição com denúncias de violação no Brasil à Declaração Americana sobre Direitos Humanos da OEA.

Consulta ao Conselho de Defesa Nacional (CDN)

O parecer de Lindberg também considera imprescindível que seja convocada uma reunião do Conselho de Defesa Nacional (CDN), para “que este debata em profundidade e se pronuncie sobre a questão, que envolve a segurança nacional em zona de fronteira”.

A consulta ao CDN – órgão de consulta do Presidente da República nos assuntos relacionados com a soberania nacional e a defesa do estado democrático – não faz parte do processo de demarcação das Terras Indígenas e expõe a homologação, mais uma vez, a contestações extemporâneas.

Fernando Mathias e Cristiane Fontes

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