Américo Vespúcio, navegante do São Francisco

Américo Vespúcio, um dos primeiros europeus a visitar a costa brasileira ainda em 1501, foi quem batizou um dos rios mais belos que encontrou em suas viagens, o São Francisco. Além disso, o navegador empresta seu nome ao continente que ajudou a mapear.

Amerigo Vespucci, como na grafia original, herdou o nome de seu avô quando nasceu, no ano de 1454. Ele era o terceiro filho de Natasagio Vespúcio, membro de uma tradicional família de ricos mercadores, ligados aos poderosos Médici e moradores da vizinhança de “Todos Los Santos”, na cidade de Florença.

Ainda jovem, mudou-se para Pisa onde iniciou sua educação formal sob os cuidados de seu tio, Giorgio Antonio Vespúcio. Nesta época, graças à boa influência do tio, Américo aprofundou seus estudos em geografia, astronomia, cosmografia e conviveu ao lado de algumas das mentes mais brilhantes de seu tempo, como Marcilio Ficino, Pulci, Poliziano, Botticeli.

Anos mais tarde, Américo começa a trabalhar para a família Médici. Em pouco tempo, torna-se amigo de seu chefe, Lorenzo di Pier Francesco de Médici que lhe envia para Sevilha, Espanha, no ano de 1491 com a missão de explorar novas oportunidades de negócios na cidade. Lá estabelecendo-se, começou a trabalhar sob a chefia de Gianotto Berardi equipando navios para longas viagens. Em 1497, após a morte de Berardi, Vespúcio assumiu o comando da empresa e embarcou em sua primeira viagem às Índias.

A expedição, comandada pelos espanhóis Díaz de Solís e Yañez Pinzón, chegou ao Golfo do México e subiu um pouco do litoral que hoje é a Flórida e outras regiões dos Estados Unidos. Em sua segunda missão, ocorrida entre 1499 e 1500, ele atingiu pela primeira vez a costa da América do Sul.

Com informações colhidas nestas viagens, o navegador florentino começou a elaborar seus primeiros mapas da região. Acreditava, porém, estar conhecendo o extremo leste da Ásia. Em 1501, Vespúcio navega sob a bandeira de Portugal, financiado pelo comerciante Fernão de Noronha, para mapear o litoral das terras portuguesas de acordo com o tratado de Tordesilhas, assinado sete anos antes.

Partindo de Lisboa em maio do mesmo ano, o florentino demorou 64 dias para atravessar o Atlântico e chegar ao sul do novo mundo. Mapeando o litoral, ele descobriu o Cabo de Santo Agostinho, além dos Rios São Miguel e São Gerônimo. Em 4 de outubro, Américo Vespúcio enxerga um rio que desemboca no mar e o batiza em homenagem ao santo do dia: São Francisco. Na época, o navegador ficou maravilhado com a beleza natural da região, mas não poderia imaginar que o recém batizado Rio São Francisco seria parte fundamental da construção de uma futura nação, correndo por mais de 2.700km terra adentro.

Foi nesta viagem, também, que Américo levantou os primeiros dados que o auxiliaram na formulação da tese de haver chegado a um novo continente. As cartas que o florentino escrevia para seus amigos mais próximos haviam se popularizado em sua terra natal. Seus relatos e teorias influenciaram o início da colonização e os alteraram os estudos de cartografia.

Em 1507, o cartógrafo alemão Martin Waldseemuller produz uma carta geográfica em que aparece pela primeira vez um novo continente, batizado como América. O mapa tornou-se popular nas universidades de toda a Europa e imortalizou a obra de Américo Vespúcio.

Um ano depois, o navegador florentino naturaliza-se espanhol e é nomeado piloto-mor da Espanha, onde passa a viver. Aos 58 anos de idade, sofrendo por causa de malária contraída em suas viagens, Américo Vespúcio morre em Sevilha.

Invasão Branca

No pouco tempo que estivemos no Alto Xingu, foi possível perceber a dimensão, complexidade e o pouco interesse da mídia sobre a questão indígena. Seria necessário um trabalho maior e mais aprofundado para mostrar a situação atual da reserva, porém, nestes dez dias que passamos entre as aldeias e Posto Indígena Leonardo Villas Bôas conhecemos alguns dos problemas da comunidade xinguana.

Enfrentando cada uma destas questões há várias décadas, o índio está cada vez mais preparado para encará-las com seus próprios recursos. No livro “Parentesco, Ritual e Economia no Alto Xingu”, publicado no ano de 1975, o antropólogo George Zarur aborda este tema: “o ideal é que a Funai possa se limitar a uma assistência básica e garantir a terra e que os xinguanos tenham a consciência de uma realidade que lhes permita entender o valor de sua cultura nativa(…), é importante que seja transferido aos índios os instrumentos ideológicos para uma interação simétrica e com dignidade com a sociedade nacional”. Vinte e seis anos depois, o movimento indígena continua lutando contra o excesso de interferência de instituições externas como o Instituto Sócio-Ambiental, a Funasa e a própria Funai.

riokuluene.jpgDiferente de outras áreas índigenas do Brasil, que foram praticamente dizimadas, o Xingu foi privilegiado pelo bem sucedido trabalho político e de preservação realizado pelos irmãos Villas Bôas. Atualmente, esta responsabilidade recai sobre os ombros de lideranças esclarecidas, como o cacique Aritana. Sofrendo pressões das mais diversas formas, ele continua firme na defesa dos interesses xinguanos: “O Orlando já fez coisa demais para nós, agora é nossa vez de cuidar daqui. Nós não queremos mais o branco mandando e defendendo a gente, queremos que os próprios índios se relacionem com o governo, mandem documentos, contratem médicos e professores”, afirma o cacique.

Rio Kuluene, um dos ameaçados pela devastação das nascentes fora da área indígena do Xingu. Foto: Fernando Zarur

Preservação Cultural

Em primeiro lugar, é preciso lembrar a heterogeneidade entre as etnias, que varia muito com a liderança. Os Yawalapiti, liderados pelo cacique Aritana, são um exemplo de consciência ambiental e cultural. A aldeia, assim como todas as outras, tem diversas interferências do mundo externo, como televisão, barco a motor e rádio. No entanto, os Yawalapiti ainda obedecem a um cotidiano tipicamente indígena: não há horário para comer, o trabalho é coletivo e os rituais religiosos são muito respeitados.

Manter este estilo de vida, aparentemente simples, depois de mais de meio século de contato com o não-índio pode ser considerado uma façanha. Esta luta teve início na década de 1950, quando os irmãos Villas Bôas começaram a conversar e a preparar alguns índios para reagir ao inevitável processo de devastação cultural vindo dos grandes centros urbanos. Parú, pai de Aritana, conta que Orlando o ensinava a lidar com os brancos, explicando como muitas coisas aconteciam lá fora. “Ele (Orlando) falava pra mim: ‘Estou ensinando você, e você precisa passar isso para os seus filhos e netos’. Foi isso que fiz”, conta Parú.

Por outro lado, nem todas as tribos do Alto Xingu compartilham desta mentalidade. Diversos povos estão ameaçados a perder sua cultura original. Recentemente, algumas aldeias vêm sendo assediadas por empresários norte-americanos interessados em investir em turismo dentro do Parque. O projeto sofreu forte objeção das lideranças e foi vetado pela Funai. O turismo significaria a destruição da identidade étnica do Xingu, transformando-a em artificial. Mesmo assim, um pequeno hotel foi construído dentro da aldeia Kamaiurá.

Educação

É necessário um enorme cuidado com a educação dentro do Xingu. Os índios sentem a necessidade de educar e conscientizar o jovem, porém, este pode ser um dos caminhos mais rápidos para a aculturação. O ideal, na visão do cacique Aritana, seria contar com professores da própria aldeia, que conhecessem e respeitassem o cotidiano tradicional da tribo. Esta preparação já está sendo feita, mas por enquanto não existem profissionais indígenas formados.

Os professores não-índios que atuam no Posto Leonardo Villas Bôas sofrem com uma série de obstáculos, como salários atrasados e falta de preparo específico sobre a realidade xinguana. O material didático utilizado, por exemplo, foi produzido pelo município de Gaúcha do Norte-MT e utiliza ilustrações de índios garimpando ou entre padres.

Atualmente, quem mais tenta investir na educação xinguana é o Instituto Sócio-Ambiental (ISA), organização não governamental que atua na questão indígena em todo território nacional. Com plantas para construção de escolas e programas educacionais prontos, o instituto enfrenta a resistência das lideranças do Alto Xingu para lançar seus projetos.

Exploração Econômica

A exploração econômica de seus recursos naturais é outra questão de extrema importância para os índios do Alto Xingu. A interferência de instituições e empresas internacionais dentro do território indígena, é um problema constante.

O próprio trabalho do Instituto Sócio-Ambiental – com a intenção de ajudar e procurar alternativas de renda para a comunidade indígena – não é visto com bons olhos na região. “Eles vem para cá e começam a fazer os projetos, a gente não sabe de nada. Além do mais, ninguém pediu para eles virem para cá” afirma Kokoti, chefe do Posto Indígena Leonardo Villas Bôas.

O último projeto do instituto nesta área, está relacionado à produção de óleo de pequi, em parceria com a indústria de cosméticos Natura. Quando chegamos a aldeia Yawalapiti, os homens estavam sentados no centro da aldeia lendo uma edição da revista Exame. Na matéria, este projeto estava descrito como uma ótima oportunidade de negócio, sob o título: “O Tesouro Verde”. Aritana reclamou da mesma forma: nenhum índio do Alto Xingu havia sido consultado previamente sobre a iniciativa. Financiado por grandes organizações internacionais, o ISA tem uma forte presença entre a comunidade ao norte do Parque, mas é visto com muita desconfiança pelas lideranças do sul.

A biodiversidade, aliás, é um dos pontos mais vulneráveis do Parque. São muitas as histórias de pesquisadores estrangeiros que ganharam bilhões de dólares a custo do conhecimento indígena. Cada vez mais, as ervas e os segredos de raizeiros, como Parú, são alvo das multinacionais. O tradicional urucum, por exemplo, foi patenteado por entidades americanas. A banha de sucuri, usada há anos pelos índios como alívio para contusões, teve seu princípio ativo descoberto e hoje é utilizado em diversos medicamentos.

Da mesma forma que as plantas, o subsolo do Xingu está entre os mais visados no mundo. A região ainda é preservada da exploração de empresas do ramo, mas há quem veja isso como um grande problema para o futuro.

Um exemplo de como essas ameaças são reais é o mistério de um helicóptero que visitou a reserva por volta de março deste ano. Os índios Mehinako avistaram a aeronave pousando próximo às roças da aldeia. Ao aproximarem-se, os tripulantes levantaram vôo rapidamente e fugiram. Por mais de uma vez, o barulho das hélices foi ouvido dentro do Parque e a Funai foi comunicada, mas até agora os propósitos destas visitas são desconhecidos.

Devastação ambiental

Nos últimos anos, porém, a principal preocupação dos xinguanos é a devastação da cabeceira dos rios que formam a bacia do Xingu. Com o avanço do desmatamento das fazendas em torno da reserva, em poucos anos as águas que abastecem todas as aldeias do Parque podem estar contaminadas com agrotóxicos e metais pesados. Além disso, toda a a

limentação indígena é baseada no peixe. Caso haja uma diminuição nos cardumes, haverá fome entre as tribos.

Visando solucionar este assunto, a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) já começou um programa para construir poços artesianos como alternativa de água potável. No entanto, isto seria um paliativo para uma situação que será desesperadora para a maior parte das aldeias do Xingu.

É urgente a criação de um movimento de conscientização para a preservação das margens dos rios formadores do Xingu, não só pelos índios, mas também pela preservação de todo o ecossistema da região.