Sertanistas são alvo constante de ameaças de morte

A história da demarcação de terras indígenas está diretamente relacionada a constantes ameaças de morte. A afirmação é do administrador da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Goiás, Edson Beiriz. Ele chegou em Brasília para participar do velório do sertanista Apoena Meireles, assassinado na noite de sábado em Porto Velho (RO), por volta de 21h30, durante assalto quando se encontrava em uma agência do Banco do Brasil.

Apesar de a polícia de Rondônia suspeitar, no primeiro momento, de latrocínio (roubo seguido de morte), Beiriz não descarta a possibilidade da morte de Apoena ter relação com o trabalho feito junto aos índios Cinta-larga. “O trabalho que a Funai vinha fazendo em Porto Velho em relação aos Cinta-larga era muito pesado. É difícil prever à distância, mas eu não duvido que o assassinato tenha alguma relação com isso. Ele era o coordenador da área e as ações eram muito visadas ali. Vamos esperar as investigações da polícia e ver no que vai dar”, afirma.

O próprio Beiriz, responsável pela demarcação de terra dos Xavante, em Mato Grosso, também é alvo constante de ameaças de morte. “É uma realidade comum. Trabalhar com a questão indígena mexe com interesses políticos e econômicos, principalmente no que se refere à posse de terras. A história da demarcação de terras indígenas está ligada a ameaças de morte”.

Funcionários da Funai poderão ter poder de polícia

O vice-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Roberto Lustosa, disse hoje, durante velório do sertanista Apoena Meireles, em Brasília, que o Ministério da Justiça estuda a possibilidade de conceder poder de polícia aos funcionários da instituição, vítimas de constantes ameaças de morte. "Uma das coisas importantes que o governo está preparado para resolver é conceder poder de polícia ao nosso pessoal. Essa concessão dará ao servidor uma condição melhor para se defender nas operações de risco", afirmou Lustosa.

Ele explicou que o poder de polícia permitirá que funcionários em operação utilizem armas, dêem voz de prisão, façam apreensões e apliquem multas. Roberto Lustosa lamentou a morte do indigenista. "Para nós, que somos colegas e amigos dele, foi um choque muito grande. Além de ser uma pessoa de caráter forte e solidário, ele também tinha um papel importantíssimo nesse processo de reestruturação da Funai e na solução das crises que estavam surgindo em Rondônia com os Cinta-larga", acrescentou.

Índios de diversas etnias cantaram e dançaram no velório de Apoena Meireles, na sede da Funai, prestando a última homenagem. O corpo do sertanista sairá de Brasília às 14h30 e chegará ao aeroporto do Galeão, no Rio às 16h10. O enterro está marcado para as 10h desta terça-feira.

Xavantes e posseiros estão longe de um acordo

Os fazendeiros e posseiros que vivem na reserva indígena xavante Marãiwatsede reivindicam a permanência dos índios apenas na fazenda Karu, região de 14 mil hectares, onde os xavantes levantaram aldeia provisória há duas semanas. Homologada em 1998, a reserva Marãiwatsede foi demarcada com uma área de 165 mil hectares. Expulsos da região na década de 60, os xavantes retornaram à terra com o aval do Supremo Tribunal Federal (STF), que autorizou a retomada imediata de 115 mil hectares.

Nesta sexta-feira, cerca de 20 fazendeiros se reuniram com o prefeito de Alto Boa Vista, Mário Barbosa, com o representante da Advocacia-Geral da União (AGU), Cláudio Fim, e com o procurador-geral da República, Mário Lúcio Avelã. Também participaram do encontro o superintendente do Incra na região, Leonel Wohlsahrt, e o procurador-federal da Funai, César Augusto Nascimento.

De acordo com César, foi discutida a manutenção da paz na região e a área onde os índios devem ficar. Na reunião, Cláudio Fim, da AGU, e o procurador Mário Lucio pediram que a terra dos índios seja preservada. Segundo eles, é impossível restringir a posse da terra que já foi devolvida aos xavantes por decisão liminar do STF.

Os fazendeiros se recusaram a ouvir o superintendente do Incra. Disseram que não conversam com o órgão enquanto o processo sobre a terra não for decidido em última instância pela 5ª Vara da Justiça Federal do Mato Grosso. Os posseiros também se recusam a mudar para terras que já foram desapropriadas pelo Incra para eles.

Segundo eles, a obstrução, esta semana, dos trechos das rodovias BR-158 e BR 080 que dão acesso à reserva, foi uma forma de protesto e pedido de socorro. Diante da abertura de negociações, o grupo desobstruiu as estradas.

A produtora rural Irene Santos, há onze anos na região, diz ter perdido a paz após a volta dos índios para a região. “Desde que eles entraram, não temos mais sossego. Eles invadiram algumas casas, mataram a criação e obrigaram a mulher do dono a fazer comida. O que eles fazem é roubo”, acusa Irene.

Advogado dos fazendeiros, Romes da Mota classifica a situação como “desesperadora”. “Os fazendeiros tem medo de perder a sua propriedade, o gado e o meio de vida. Além disso, estão sendo constantemente ameaçados pelos xavantes”, afirma Mota.

Os índios negam que tenham praticado os crimes apontados pelos posseiros. "Somos contra a mentira dos fazendeiros, políticos e do prefeito. Os posseiros têm de sair imediatamente da terra, senão vamos tomar atitudes", avisa o cacique da tribo, Damião Xavante.

O administrador da Funai em Goiânia, Edson Beiriz, tem acompanhado o caso e acredita que é preciso iniciar os pedidos de reintegração de posse na Justiça. Beiriz lembra que os xavantes Marãwatsede passaram quase 40 anos em peregrinação, vivendo em condições precárias, depois de terem sido expulsos da região por usineiros e fazendeiros.

“Após a reocupação, muitos deles querem reaver toda a área rapidamente”, afirma o administrador. “Para auxiliá-los, a Funai pretende entrar com novas ações na Justiça. Tanto para reaver a terra como para conseguir indenizações pelos estragos ao meio ambiente.”