Em entrevista coletiva concedida nesta quinta-feira (31), o coordenador-geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Jecinaldo Barbosa, disse que o objetivo da mobilização de movimentos indígenas que acontece neste mês de abril, no chamado "Abril Indígena", é retratar a insatisfação dessas entidades com "a ausência de uma política pública do governo brasileiro para a questão indígena".
Na primeira quinzena do mês, as manifestações serão regionais. De acordo com Barbosa, o objetivo é chamar a atenção da sociedade para a questão. "Estamos decepcionados com a condução da política indigenista desse governo, que está retratando, na prática, o continuísmo de uma política autoritária, de imposição e de desrespeito às populações indígenas no Brasil".
No entendimento do coordenador, do povo Satere Mawé, a falta de uma política pública do governo sobre a questão se reflete na lentidão na demarcação das terras indígenas e na inexistência de mecanismos de proteção dos territórios pertencentes a esses povos. "Hoje, vivemos em constante insegurança no nosso próprio território. São madeireiros, fazendeiros, é a monocultura que invade a Amazônia e outros biomas".
Para ele, o problema se torna mais grave devido à ausência de políticas capazes de garantir a sustentabilidade das populações indígenas, a "sobrevivência física e cultural" desses povos. "Um reflexo disso é o retrato de desnutrição que vemos hoje. Isso retrata uma completa desorganização do governo brasileiro hoje, na questão de unificar uma política pública", avaliou Barbosa, ao destacar que muitos índios se sentem tratados "como estrangeiro dentro do próprio país".
Na entrevista, o vice-presidente do Cimi, Saulo Feitosa, também criticou os rumos seguidos pelo governo federal no que se refere à questão indígena. "Temos assistido à divulgação dos altos índices de violência praticada contra os povos indígenas, alto índice de mortalidade infantil e a ampliação dos conflitos fundiários. Esses são sinais reveladores da não existência de uma política que leve em consideração a realidade desses povos", avaliou.
O representante do Instituto Socioambiental (ISA), Márcio Santilli, observou que o quadro atual se caracteriza pela redução no ritmo de demarcação de terras, o aumento dos casos de violência contra índios e a redução dos orçamentos da Funai e da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), responsáveis pela política indigenista.
"Nós temos verificado que, sistematicamente, o início de cada governo tem sido difícil para a política indigenista, isso se aplicou também para o governo Collor, ao governo do Itamar, ao governo Fernando Henrique e ao governo Lula. Mas, de um modo geral, os governos anteriores, após esse início difícil, reagiram positivamente e chegaram a resultados que são melhores do que aqueles a que o governo Lula chegou até agora", avaliou Santilli.
Em nota divulgada ontem (30), a Funai diz que há uma política indigenista consistente sendo conduzida pelo Estado brasileiro. Sobre a possível demora no processo de identificação, declaração e homologação de terras indígenas tradicionais, o órgão diz que segue normas legais. Essas normas permitiriam que proprietários ilegais de terras indígenas recorram à Justiça e dificultem a posse. A Funai reconhece a existência de 604 terras indígenas, das quais 480 estão demarcadas, homologadas e em processo de demarcação. Estão em processo de identificação ou reconhecimento as outras 124.
"A Funai, como coordenadora da política indigenista nacional, reconhece que há crônicos e seculares problemas incidentes sobre as comunidades indígenas e vem trabalhando para auxiliar estes povos a sanarem problemas como necessidade de maior acesso à terra, pobreza, exposição à violência e insegurança alimentar", afirma o órgão, em nota. De acordo com a Funai, uma série de "ações integradas" estão em andamento para solucionar o problema fundiário, principal causador de mortes nas aldeias, seja por desnutrição ou homicídios.
A nota foi elaborada em resposta ao relatório divulgado pela Anistia Internacional sobre a situação indígena no Brasil. No documento, a Anistia sugere ao governo brasileiro a adoção de política e estratégias para solucionar os problemas enfrentados pelos índios, em especial no que diz respeito à disputa por terras.
Para os representantes do FDDI, as críticas contidas no relatório são consistentes. Na opinião de Saulo Feitosa, vice-presidente do Cimi, o documento foi feito de maneira responsável e é totalmente confiável, "destacando a gravidade dos conflitos fundiários e o alto índice de mortalidade infantil entre os povos indígenas".
Feitosa contestou as informações contidas na nota da Funai de que nos dois primeiros anos de governo Lula foram declaradas como indígenas 43 terras. Segundo ele, no total, foram apenas 13 nesse período.
A assessoria de imprensa da Funai esclareceu que as 43 terras estão em processo de demarcação e que já foram declaradas indígenas 13 delas.
A Coiab é uma das entidades que integram o FDDI, composto também pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR), pela Associação Brasileira de Antropologia (ABA), pelo Instituto Socioambiental (ISA), pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), pelo Centro de Trabalho Indigenista (CTI) e pela Comissão Pró-Yanomami (CCPY). Segundo os organizadores, o "Abril Indígena" tem o apoio de organizações como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC).